Getúlio não gosta do próprio nome. Porque não é próprio. Herdou do pai, que herdou do avô. Neles, o nome lhe prece bom; nele, coisa de velho e ele não é velho. Acha que nunca será. Quando foi estudar nos Estados Unidos, aproveitou que ninguém conseguia falar seu nome direito e mudou para Gerald. Getúlio, agora é Gerald. Getúlio é brega, Gerald é maneiro. Se fosse Geraldo, seria brega também.

Com o nome, herdou o sobrenome e a fortuna. Com estes, Gerald não tem problemas. O sobrenome traz dinheiro, que nunca é brega, mas que ele chama de money. Acha mais charmoso e sempre que pode, troca dinheiro por money investido em paraíso fiscal. Gerald é esperto como todos os que são como ele. Só que se acha mais esperto, por isso arranjou outro sobrenome mesmo gostando do verdadeiro. Tornou-se Gerald Smart.

Gerald estudou lá fora, mas ganha dinheiro aqui mesmo. Fala com pose que parece tranquilidade, mas é só a empáfia elegante do seu meio. Obrigatória para o dominante deixar claro que é dominante. Há outros sinais como o Ci-I-Ôu atrelado ao nome e os jeitos engraçados de falar.

Numa entrevista para revista que transforma bajulação em jornalismo, explicou para a gentalha que vive no mesmo país que ele o que fazer para ter sucesso. É fácil! Basta vontade. E mindset. E ter focus no target. E ser workaholic, como ele.

Acorda cedo e toma frugal desjejum feito pela Maria, ou Marta, que é como se fosse da família mas ele sempre confunde o nome. Vai para um aquecimento na academia do clube antes do treino de tênis e nada um pouco só para relaxar. Almoça sempre em um restaurante chique qualquer e com gente que nem ele. Almoço é job. Termina tarde e sobra pouco tempo para uma ou outra reunião em que seus colaboradores, que colaboram obedecendo, dizem para ele o resultado da obediência. No fim da tarde, vai para a meditação, importante para o mindfulness que gente vencedora precisa ter. Gerald é muito esforçado.

Noutro dia, sentiu um raro desconforto ao andar na rua. Coisa que sempre evitou em carros blindados, helicópteros e salas bem climatizadas. Tinha gente na rua. Daquela diferenciada. Suja. Feia. Que pede emprego, dinheiro ou comida. Gente que Gerald acha que está ali por preguiça. Acomodados à vida fácil na miséria, fogem do trabalho duro que nem o dele.

Ali naquela rua, entre a fome, o vício e o prédio onde se faz business comprando e vendendo money, Gerald foi com amigos ver o touro dourado, já pichado. Não entende o que se passa na cabeça dessa gente que vandaliza um símbolo de otimismo e prosperidade com frases sobre fome.

Comoveu-se com o touro, pela beleza dourada e estética roubada. Não se importa de ser uma réplica quase infantil de outra. Incomodaria se fosse mais bonita que a original. Gerald vive como o touro dourado, entre ricos e pobres. Dividido entre a admiração servil aos gringos e o nojo cínico que sente pelos brazilians.

O touro foi retirado da rua. Não combinava com o lugar. Como Gerald, a rua não é para ele. Exceto as de New York, onde Gerald se sente tão bem fingindo que não é Getúlio.

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Ilustração: Mihai Cauli 

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