Para ter unidade antifascista é preciso respeitar o jogo democrático

Ilustração Mihai Cauli

As grandes manifestações bolsonaristas de 7 de setembro, em especial as de Brasília e São Paulo, mostraram que esse setor político retém a sua capacidade de mobilização de massas, mesmo que estas últimas manifestações tenham contado com forte suporte financeiro e de convocação de setores do empresariado, em especial o agronegócio, e suporte de setores religiosos conservadores, em particular evangélicos. Embora mais compacto, esse setor político (um pouco menor numericamente, e com defecções políticas importantes entre setores do centro liberal), mantém poderosa capacidade de arregimentação. Perdeu muito mais eleitores potenciais até aqui do que capacidade de mobilização de rua, aparentemente.

Na sequência, tivemos exatamente esses setores do centro liberal, como o MBL e o Vem pra Rua, que se afastaram do bolsonarismo, hegemonizando a convocação para o 12 de setembro. Em atos vertebrados em torno do “Fora Bolsonaro”, juntaram-se alguns setores que tentam construir a chamada “terceira via”. Por muitos motivos, não se pode dizer que não aconteceram as manifestações por eles convocadas, mas ficaram bem longe de serem manifestações massivas. Muito pelo contrário, foram atos absolutamente anêmicos nos locais onde aconteceram como “atos”, pois em alguns lugares foram meros convescotes políticos.

Alguns setores de esquerda chegaram a participar desses atos, mas não se poderia dizer que a esquerda engrossou essas manifestações. Esse setor mostrou que tem mídia, presença entre formadores de opinião, conta com a simpatia de importantes setores de classe média e empresariais, forte presença na institucionalidade, mas não dispõe de capacidade de convocação para as ruas, ou a tem (ao menos ainda) de forma muito limitada.

Na verdade, a chamada esquerda, representada pelas frentes Brasil Popular e Povo sem Medo, vem organizando há meses atos políticos que têm conseguido ser bastante expressivos na maior parte dos locais. Mostrou forte capacidade de mobilização e conseguiu organizar atos que não passaram despercebidos no mesmo dia 7 de setembro em que o bolsonarismo dava sua demonstração de força. Foram criticados porque a manutenção desses atos (marcados todos os anos, estruturados em torno do Grito dos Excluídos, e, portanto, não apenas atos pedindo “Fora Bolsonaro”) poderia representar provocação. A esquerda mostra que, com toda a hostilidade da mídia e da institucionalidade, e em especial dos setores no governo ou próximos ao governo federal, mantem enorme capacidade de mobilização.

O que essa movimentação vai mostrando é que existem coisas importantes em jogo, e para alcançar essas coisas os movimentos políticos são diferentes, e a sua coordenação exigirá de todos os setores democráticos muita paciência e capacidade de composição. De um lado, é evidente que a crise nacional (pandemia com suas quase seis centenas de milhares de mortos no país, crise econômica em que especialmente os mais pobres vão tendo que sobreviver entre o desemprego, a queda de renda e a inflação, e ameaças sérias à institucionalidade democrática) coloca na ordem do dia a necessidade de apear as forças antidemocráticas e fascistas do governo, ação política condensada na bandeira do “Fora Bolsonaro”. Essa é a bandeira de união dos legítimos democratas nesse momento, a mudança do atual governo, o que, entretanto, envolve que esses setores se comportem como “legítimos democratas”. E isso nos leva à segunda questão importante nesse momento.

Legítimos democratas têm que aceitar as regras do jogo democrático, isso é, quem ganhar leva, e os rumos do país serão decididos dentro da institucionalidade democrática no ano que vem. Tão simples como aceitar que quem ganhar leva, e quem tiver maioria política implementará seu programa. E aí reside parte importante do problema nesse momento, que acaba reforçando as forças fascistas e antidemocráticas: nos últimos anos o país se acostumou ao recurso de inviabilizar a capacidade de governar de quem ganha a eleição, colocando sob dúvida exatamente esse ponto.

Assim, é importante que funcione a frente dos “legítimos democratas” contra o fascismo e o autoritarismo, viabilizando somar diferentes forças sociais, em especial as forças sociais que foram às ruas no dia 12 último com quem de fato tem capacidade de mobilização de massas para alterar a conjuntura nesse momento. Mas é necessário que esses setores não se movam tentando vetar que qualquer das forças no campo democrático possa ter maioria e governar.

Essa é a responsabilidade e a tarefa dos “legítimos democratas” do centro, liberais e de esquerda, nesse momento. O impedimento do presidente atual, imprescindível à sobrevivência do país, só pode ser conseguido pela união dessas forças. Mas a união dessas forças só é possível pela reafirmação do princípio mais simples da democracia: quem ganhar nas urnas e tiver maioria política, leva. Se o jogo for o do veto, a união de forças será inviável, e as atuais gerações de brasileiros terão de responder no futuro pela gravidade de seu posicionamento atual. É disso que se alimenta a esperança do projeto autoritário.

***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Sobre o cenário político atual, leia também “Quem será a Segunda Via?“, por Luiz Martins de Melo.