copa 1o. jogo

Richarlison e a miséria.

Dando a volta por cima

Quanta alegria é dar a volta por cima, levantar, sacudir a poeira e seguir em frente. Entretanto, o fracasso caminha ao lado do sucesso, é uma ameaça, uma angústia do desamparo. A vida transcorre entre decidas e subidas, e um exemplo simples é o desafio de escrever. Implica em cortar, reescrever, repensar, é como criar um quebra-cabeça com ideias e palavras. Na verdade, a gente está sempre aprendendo: aprender a perder (há os que não sabem) e a vencer. Alunos nota dez podem ser profissionais medianos, e alunos medianos podem atingir o Everest. E há os fracassos amorosos, financeiros, políticos e tantos mais.
É possível imaginar o sentimento de fracasso vivido por Nelson Mandela nos seus mais de 27 anos de prisão. Quando chegava ao limite do sofrimento, vinham à sua mente os versos de um poema. Esse indispensável acompanhante, seu companheiro como ele dizia, foi o poema “Invictus” de William Henley, que conclui assim: “Sou o senhor do meu destino/Sou o capitão de minha alma”. Repetir o poema, em especial as duas frases finais, passou a ser para Mandela uma oração, um mantra, uma forma de renovar suas forças, sua fé, diante da dor e da humilhação. Poderia contar histórias de Mujica e Lula, mas também de pessoas que sentiram as dores da perda, como agora na pandemia. Na literatura e no cinema há um exemplo poético de fracasso no livro “Zorba, o grego” de Nikos Kazantzákis, transformado em filme com Anthony Quinn no papel de Zorba. A cena mais incrível é quando uma espécie de funicular, com um carrinho, foi experimentado pela primeira vez, e ocorre uma surpreendente destruição de tudo. Zorba olha sério a queda do funicular, e após alguns instantes sorri e diz ao engenheiro: “Que lindo desastre, patrão”. A partir daí começa a dançar e ensinar ao seu amigo, ao som da música-tema do filme. Poesia pura que revelou a imaginação de Zorba diante da derrota. Difícil não afundar na queda, talvez impossível, mas é bom saber de exemplos de gente capaz de enfrentar as perdas com menos melancolia e mais humor. Dar a volta por cima gera um sentimento de êxtase.
Um país também pode dar a volta por cima após anos sendo devastado. Aqui ocorreu uma invasão de armas, liderados por um homem fã da tortura e da morte(dos outros). A meta confessada era liquidar tudo que é público: educação, saúde, natureza, privatizar tudo para poucos. Matar índios, negros, pobres e desprezar as vacinas na pandemia. Seria o pior dos panoramas se esse desgoverno fosse vitorioso nas eleições. Os invasores perderam as eleições, o rumo, estão raivosos, gritam nas praças contra a democracia. Esse é um país trágico onde os armados pensam ser os salvadores do pátria, mas são, na verdade, dominados pela pulsão de destruição e protetores históricos de uma pequena elite. Os defensores das fardas oram com ardor, mas sem amor, dominados pelo ódio de classe.
Mais de sessenta milhões de brasileiros festejam em silêncio, junto ao mundo todo, pois a natureza voltará a respirar. As artes estão excitadas, as ciências serão fortalecidas, o público, valorizado, voltarão os Direitos Humanos. A volta por cima requer uma frente muito ampla. O caminho da democracia não é feito só de pedras, há pedregulhos e rochas ameaçando o caminho. É evidente que os ataques à democracia brasileira vão seguir, mas se espera que dia primeiro de janeiro não só se festejará um ano novo, mas também um novo tempo. Estamos vivos, com memória e história, animados, vamos festejar a liberdade. (Ensaio escrito antes do dia 24/11, dia histórico, em que o país voltou a fazer carnaval).

Clique aqui para adquirir o excelente livro “Imaginar o Amanhã”, recentemente lançado pelo autor em parceria com Edson Luis André de Sousa,

***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Ilustração: Mihai Cauli
NR: Leia também Flávio Bolsonaro x Richarlison