Incógnitas em jogo

Um problema mais complexo levanta a possibilidade de Massa não chegar ao segundo turno. Essa eventualidade fica visível com a simples repetição do que aconteceu nas PASO ou com uma barreira irrefreável de Milei no primeiro round. Se Massa continuar com o ajuste redobrado exigido pelo FMI, cavará a própria cova como candidato. Essa sepultura já começou com a desvalorização que ele prometeu evitar e acabou aceitando. A resistência a esta política explica a grande abstenção nas urnas.

Para reverter este cenário, seria necessária uma reação democrática semelhante à registrada contra o Vox na Espanha. Mas lá um governo antecipou as eleições para disputar os votos e aqui Alberto não existe, Cristina mantém um silêncio calculado e Massa carece de credibilidade.

Ninguém sabe se este contexto irá persistir nos próximos dois meses. A enorme volatilidade dos eleitores e o empate nas pesquisas fazem com que as eleições de outubro sejam uma segunda volta antecipada. A conveniência de Massa chegar ao segundo turno representa um dilema adicional para a esquerda.

Um dilema semelhante enfrentou o PSOL no Brasil. Este partido sempre apresentou candidatos próprios e apoiou o PT no turno final. Mas na última eleição optou por outro curso. Decidiu apoiar Lula nas duas etapas eleitorais, renunciando à apresentação de candidatos próprios. Essa resolução foi tomada diante do perigo criado pela eventual reeleição de Bolsonaro. A chegada de Milei apresenta certas semelhanças com esse cenário.

Lutar contra um governo de direita – ao mesmo tempo em que patrocina a expansão da bancada de esquerda – poderia ser uma resposta para o caso argentino. Essa combinação poderia ser implementada com um voto útil. Seria um recurso para deter a presidência de Milei ou Bullrich, ao mesmo tempo em que enviaria uma mensagem de censura a Massa pelo ajuste em curso.

Ao contrário do PSOL, esta opção não pode ser adotada pela FIT-U, porque essa Frente nunca partilhou ligações com forças progressistas locais semelhantes ao PT brasileiro. Por esta razão, continuará com a intensa campanha liderada por Bregman para ampliar o seu número de legisladores.

Mas esta atividade poderia ser combinada com apelos paralelos ao voto útil, dirigidos ao eleitor peronista e aos setores que priorizam evitar um governo Bullrich ou Milei. Ambas as campanhas poderiam ser complementares, tenderiam a dialogar com públicos diferentes e seriam encabeçadas por figuras de diferentes tipos.

Ao contrário das três certezas anteriores, nesta eventualidade há muitas questões a esclarecer, tendo em conta que a esquerda não escolhe os formatos eleitorais em que intervém. São problemas táticos típicos de dilemas complexos e devem ser processados ​​com debates políticos.

Pertencer à esquerda não é sinônimo de voto inflexível. Nos sindicatos, por exemplo, é muito comum a revisão constante das alianças. Os pactos são acordados para uma eleição, que são substancialmente modificados em comparação com outras eleições. O sufrágio não é um ato de identidade ou lealdade a um grupo de pertencimento. É uma opção política definida com base em situações de mudança.  (Publicado em português por Esquerda Online, em 21/09/2023; Tradução de David Cavalcante)

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