A caravana da economia vai bem. Qual era a aposta do governo? Fazer a economia “pegar no tranco”, com o setor público saindo na frente e puxando a seguir o setor privado.
No dia três de setembro, o IBGE divulgou as informações sobre o crescimento do PIB brasileiro no segundo trimestre do ano, e o desempenho foi muito bom, surpreendendo a todos. A economia brasileira cresceu 1,4% frente ao trimestre anterior, e a revisão – usual – dos dados do primeiro trimestre do ano mostrou uma expansão de 1%. Quando da divulgação inicial, esta taxa era de 0,8% frente ao último trimestre de 2023. Assim, acumulam-se dois trimestres com taxas altas e acima das expectativas, o que obrigou os analistas em geral a reverem suas projeções para o final do ano. No início de 2024, a mediana das opiniões sobre o crescimento em 2024 girava em torno de 1,5% e agora quase ninguém fala em menos do que 2,6%. Vale lembrar que o crescimento de 2022 foi de 3% e o de 2023, 2,9%. Trata-se, portanto, de uma sequência bastante boa de três anos, para os padrões brasileiros das últimas décadas.
A análise das informações pela ótica da demanda nos mostra que a formação bruta de capital fixo (investimentos) cresceu 2,1% no último trimestre, depois de já ter avançado 3,8% no trimestre anterior e 1,3% no final de 2023. São números bem positivos, pois é daí que se espera a sustentação para um novo ciclo de expansão da economia. Contudo, há muito que caminhar no que se refere aos investimentos, já que esta variável naturalmente sofreu demais com o acúmulo de duas recessões em sequência, a de 2014-2016 e a da pandemia. As empresas recolheram seus planos de ampliação diante do cenário que oscilou entre ruim e incerto e hoje estamos com uma relação investimento/PIB abaixo de 17%, muito aquém do que se projeta como necessário para suportar um crescimento da economia mais robusto, de cerca de 3,5% a 4% anuais por vários períodos.
Chamou atenção na divulgação do IBGE a expansão do Consumo das Famílias e do Consumo do Governo, ambos com taxa de 1,3% no segundo trimestre. O Consumo das Famílias já havia surpreendido no trimestre anterior, com uma expansão expressiva de 2,5%, mas é fácil entender as razões de tal desempenho. Recentemente, somaram-se muitos incentivos, como o pagamento de um volume grande de precatórios acumulados no governo Bolsonaro, a antecipação de pagamentos de 13º salário, a concentração da execução de emendas parlamentares no primeiro semestre em função do calendário eleitoral, o volume elevado de gastos do governo na área social e, muito importante, um mercado de trabalho aquecido, que proporcionou emprego e rendimentos em alta. Tudo isso, somado à redução da inadimplência e ao aumento do crédito com juros em queda, forjou um ambiente favorável ao consumo. Observe-se que várias destas variáveis apontadas impactam diretamente os gastos públicos, daí a relação entre o Consumo das Famílias e o Consumo do Governo referidos no início do parágrafo.
Resumindo, a economia brasileira vai bem neste ano de 2024 – e bem além do que se projetava –, especialmente baseada no consumo, apesar dos investimentos ainda estarem num nível considerado baixo. As contas externas estão equilibradas, com entrada significativa de capital estrangeiro produtivo, e a inflação está sob controle, mesmo que no limite superior do intervalo determinado pelo sistema de metas.
Este é um cenário tranquilo para os anos seguintes? Não, longe disso. A continuidade do crescimento sem causar pressões de várias ordens exige um aumento expressivo da taxa de investimento, tanto para fazer crescer a oferta de bens e serviços, como para aumentar a produtividade, variável decisiva para acomodar as tensões do crescimento. Não há como manter um mercado de trabalho aquecido, controlar a inflação e assegurar a rentabilidade das empresas sem ganhos de produtividade. A forma mais rápida de obter estes ganhos é pelo investimento; a opção seguinte é por mudanças institucionais, sempre mais difíceis de negociar politicamente, e, portanto, mais lentas; e a terceira opção na escala do tempo é pelo avanço da educação, sabidamente bem mais demorada. Parece-me fácil prever problemas cada vez maiores com a oferta de mão de obra, sobretudo a mais qualificada, diante de um ciclo de crescimento.
Se as condições gerais da economia brasileira são boas neste momento, com foco no curto prazo, qual o principal problema apontado pela oposição, pelo sistema financeiro e pela grande imprensa? É a política fiscal, sempre o ponto mais frágil. Ocorre que a forma como se tratou a questão fiscal foi uma opção política deste terceiro mandato de Lula. Lembremos que no final de 2022, com Lula já eleito, mas antes de tomar posse, ele negociou com o antigo Congresso a chamada PEC da Transição, num montante elevado de R$ 145 bilhões para dar conta de gastos sociais considerados imprescindíveis no início do governo. De lá para cá, com tensões diversas, especialmente com o mercado financeiro, o governo não economizou e usou recursos para fomentar a atividade, desde a elevação do gasto social, até as obras do PAC. O sentido sempre foi o de estimular a economia, pela via do consumo e, em menor escala, do investimento.
Qual era a aposta do governo? Fazer a economia “pegar no tranco”, com o setor público saindo na frente e puxando a seguir o setor privado. A resposta parece positiva, a julgar pelo rol de investimentos programados, nacionais e estrangeiros, tanto em infraestrutura como na atividade fabril e de serviços. Eles demonstram confiança na expansão do mercado, tanto a curto prazo – esta parte já consagrada –, como a médio prazo. A partir de agora, o gasto público vai desacelerar, e muito. Primeiro, porque já cumpriu sua tarefa de estímulo, e segundo, porque começam a pesar os compromissos com as metas do arcabouço fiscal. Qual seria o nome do filme? “Os cães ladram e a caravana passa”. Mas há um problema, a estrada é cheia de buracos, e dos grandes. Já passou da hora de melhorar o gasto, com programas de avaliação amplos, na área social e na econômica. (Publicado por Sul 21, em 09/09/2024)
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Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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