O marqueteiro de Bill Clinton nas eleições presidenciais americanas de 1992, James Carville, cunhou a frase que ficou famosa e correu o mundo: É a economia, estúpido! Segundo os analistas políticos, mesmo Bush tendo vencido a guerra do Golfo, liderar as pesquisas de opinião e ter recuperado, em grande parte, a autoestima americana após a derrota no Vietnã, poderia ser derrotado pelo democrata, pois o país estava em recessão. Este parece ser um bom guia para entendermos a conjuntura política no Brasil.
Como Bolsonaro tem demonstrado, mesmo contra a opinião do seu ministro da economia, na vida real, não existe a separação entre economia e política. Tudo é economia política ou “política-economia”. Ele percebeu que a situação econômica do país, deixada nas mãos de seu ortodoxo ministro da economia e assessores, não o ajudará na eleição. Como ele não tem compromisso com nada que não seja a sua reeleição e a sobrevivência dos 00, já disse que não vai tirar dinheiro dos pobres para dar aos miseráveis. Acabou com o programa Renda Brasil. Vai fortalecer o Bolsa Família que já foi chamado por ele de “Bolsa Farelo” (José Casado, Nova maioria bolsonarista, em O globo, 15/09/2020).
Sem nenhum pudor, Bolsonaro explicita o conflito do teto de gastos e ao desistir do Renda Brasil, desloca a discussão para o aumento do Bolsa Família. Tenta evitar o desgaste da redução do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300. Desautoriza o ministro Paulo Guedes, que pretendia abrir espaço fiscal reduzindo os benefícios dos pobres, como propôs Rodrigo Maia, em artigo na Folha de São Paulo, para evitar quebrar o teto de gastos.
Na mesma jogada, transfere para o Congresso a responsabilidade de encontrar os meios para financiar o Renda Brasil, numa reprise do processo que levou a que fosse reconhecido e premiado como autor da aprovação do auxílio emergencial. Propôs R$ 200,00, o Congresso Nacional aumentou para R$ 500,00 e, no final, ele decidiu por R$ 600,00 e ficou com os louros da vitória. Bolsonaro, portanto, sabe que o ponto crucial da conjuntura econômica atual e estratégico para 2022 é o auxílio emergencial.
Será que a oposição ao governo percebeu que este é o ponto para formulação das estratégias para 2022? Discutir a economia política atual passa, para a oposição, por forçar o governo a colocar em votação a Medida Provisória n° 1.000, de 2020 (do Auxílio emergencial). Essa é a opção de política que pode unificar a ação da oposição democrática, mesmo diante de outros fatos específicos que talvez não tenham esta capacidade de juntar as forças contra o governo e ganhar o apoio popular.
A luta pela manutenção do auxílio emergencial em R$ 600,00 coloca em xeque a continuidade do teto de gastos que é considerado a âncora fiscal pelo mercado financeiro. É a âncora econômica que mantém o apoio político do sistema financeiro. Significa enfiar uma cunha entre Bolsonaro e a agenda de política econômica neoliberal.
O Estado brasileiro será mais, e não menos demandado nos próximos anos para prover educação, saúde e segurança. O teto de gastos significa a incapacidade do Estado em atender a essas demandas. Tem que ficar claro quem e o quê estão impedindo esse atendimento.
A situação de conflitos distributivos que se cristalizam na discussão da regra fiscal do teto dos gastos, única âncora que impede a economia de adernar e encarar o abismo, segundo a agenda neoliberal, não vai ser resolvida sem o crescimento da economia. Uma economia que não cresce apenas acirrará essas tensões; no limite favorecerá os extremismos.
A ideia de que a contração fiscal, a manutenção do teto de gastos, vai deflagrar um boom de confiança, levando ao aumento da demanda privada de consumo e de investimento não encontra respaldo nem na teoria nem na experiência brasileira e internacional. É exatamente o que prevê a Proposta de Lei Orçamentária – PLOA para 2021. Não estão contemplados recursos para um programa mais amplo do que o Bolsa Família com aumento do benefício médio e do número de beneficiários. Em 2021, a partir de janeiro, o auxílio emergencial seria zero. Ainda mais, reduz os recursos para saúde, educação e o meio ambiente. Não existe pandemia, não existe a destruição do Pantanal e da Amazônia e a educação vai muito bem obrigado.
Os resultados recentes de recuperação refletem principalmente o afrouxamento do isolamento social e os efeitos positivos sobre o consumo privado decorrentes das políticas de garantia de renda, como o auxílio emergencial e o seguro-desemprego.
O sucesso dessas políticas levou o governo a prorrogá-las, evitando a perda súbita de renda de parte expressiva da população. Vale também lembrar que milhões de trabalhadores formais estão com seus contratos de trabalho temporariamente suspensos ou com jornada (e salários) reduzidos, o que ainda tem evitado um processo de demissão generalizada.
O governo brasileiro não quer assumir o lugar central na recuperação econômica e na mitigação da crise social. O Teto de Gastos é o símbolo da velha e ultrapassada concepção de que é a austeridade fiscal rigorosa que conduz a economia para o crescimento. É o centro da economia política neoliberal.
A oposição não pode fazer um raciocínio mesquinho e falsamente esperto de que a continuidade do auxílio emergencial vai beneficiar Bolsonaro. É a continuidade do auxílio emergencial de R$ 600,00 que torna clara a impossibilidade da manutenção do Teto de Gastos. A “política da economia” para enfrentar a economia política neoliberal é mostrar para a população concretamente quem não quer conceder o auxílio emergencial. Pela política vai aprofundar a tensão e, talvez o rompimento do governo com o mercado financeiro.
É nessa tensão da “política da economia” que a oposição deve lutar pela manutenção dos R$ 600,00. Essa é a questão decisiva.
São os R$ 600,00, estúpido!!!