No livro “Complexidade Econômica”, o economista Paulo Gala (2017) traça uma correlação estatística muito esclarecedora entre o perfil da pauta de exportações de um país e o grau de seu protagonismo no cenário econômico internacional. Apesar do livro ter sido lançado há quase quatro anos, essa discussão ainda é muito atual nesse momento em que o Brasil parece acometido de um impulso regressista em direção à condição de sua inserção internacional prevalecente até meados do século passado, qual seja, a de exportador de produtos agropecuários.
Em seu estudo, Gala elabora um indicador econômico designado por “complexidade” da pauta de exportações que, em última análise, expressa as possibilidades de um país atingir níveis de desenvolvimento econômico e social superiores e elevar-se à condição de agente relevante na teia internacional de relações de troca. Trocando em miúdos, o indicador de complexidade sugerido por Gala se assenta na análise do perfil da pauta de exportações do país, mais precisamente em identificar na composição dessa pauta qual o peso assumido por itens que sejam de produção, se não exclusiva, ao menos própria, de um pequeno círculo de nações.
A primeira constatação a que se chega com base nesse critério é a de que o caráter restrito a poucos produtores é muito próprio de itens de alto valor tecnológico agregado, típico de atividades industriais de ponta. No extremo oposto, situam-se itens de produção agropecuária e extrativa que, se podem enfrentar obstáculos decorrentes de condições naturais mais ou menos adequadas e, ainda que tenham recebido aporte expressivo de conhecimento técnico-científico – como é muito significativo no caso brasileiro – sua produção não constitui um desafio de tão alta magnitude em termos de investimentos e de domínio de ciência e tecnologia, como é o caso dos produtos industriais, sobretudo de fronteira. Pelo contrário, o que se observa é o caráter muito menos exclusivo da produção de commodities, na imensa maioria das vezes compartilhada por vários países, que leva a uma vulnerabilidade muito maior em termos de competição e fixação internacional de preços.
O estudo de Gala mostra uma correlação muito nítida entre os países de alto desenvolvimento econômico-social e aqueles que conseguem se instalar em nichos de produção de itens de alta tecnologia, fazendo com que componham um elemento expressivo de sua participação na rede de trocas internacionais. Caso notável dessa trajetória é fornecido pela Coreia do Sul, que passou de uma economia eminentemente agrícola na década de 1950 a país industrial, inserido, por exemplo, no minúsculo círculo daqueles que dominam o campo da microeletrônica, base da tecnologia moderna. No sentido contrário, o estudo mostra que a desindustrialização e a correspondente aposta na concentração da pauta exportadora em itens primários se desdobram na piora dos indicadores de desenvolvimento econômico-social, fornecendo exemplos concretos dessa involução.
Como foi dito, essa análise tem uma atualidade extraordinária, sobretudo quando ouvimos diversas vozes, algumas mais explícitas, outras mais veladas, em defesa da exploração de supostas “vantagens comparativas”, que conduziriam algumas nações como o Brasil, à ocupação do espaço da produção de itens primários, baseada na força de seu agronegócio, abandonando de vez quaisquer veleidades industrializantes. Trata-se, na realidade, da ressurreição de uma polêmica ocorrida ainda no Império, que parecia ter sido superada pela afirmação da política de substituição de importações e, nas décadas seguintes, pela ampliação da infraestrutura e das indústrias de base.
O resgate da suposta “vocação agrícola” do Brasil é a expressão econômica da nostalgia colonial que parece acometer nossa sociedade. Se ainda vigora algum nível de interdição moral ao saudosismo escravista que nos persegue, ele encontra na utopia da nação-celeiro (e de minérios) uma via de sublimação. No estudo citado, essa concepção econômica não obtém respaldo nos fatos históricos – de resto, como também não encontram respaldo várias outras formulações que vêm sendo reivindicadas para a nossa sociedade, até mais radicalmente do que em qualquer outro momento recente, todas elas no sentido da desregulação e do retorno a um certo estado de natureza nas relações sociais.