Apesar da evolução do PIB brasileiro ter alcançado em 2021 o nível pré-pandemia, as previsões para 2022, de acordo com o Boletim Focus – Relatório de Mercado, têm sido revistas para baixo, estando, em meados de outubro, pouco acima de 1,5%. Para situarmos o que representaria um crescimento de 1,5% em 2022 em termos do nosso histórico recente (de 2011-2014 o crescimento médio do PIB foi de 2,3% a.a.), vale observar que até antes da pandemia não havíamos recuperado o PIB de 2014. Mais especificamente, a taxa média de crescimento de 1,5% a.a. registrada no período 2017-2019 não compensou a contração acumulada de 6,7% no biênio 2015-2016.

Esses resultados mostram que desde 2015 perdemos dinamismo e estamos longe de voltar a um ritmo de crescimento econômico compatível com nossas possibilidades – dada a presença de elevado grau de ociosidade na economia – e com as nossas necessidades de melhorar as condições de vida da população. As reformas econômicas de cunho liberal (reforma do teto de gastos públicos, reforma trabalhista, reforma da previdência, dentre outras), implementadas desde 2016, estão longe de trazer o crescimento prometido.

Dado o quadro de crescimento recente, nosso diagnóstico é que estamos em um processo recessivo. Há necessidade de uma nova convenção de desenvolvimento para a economia brasileira voltar a crescer desde 2014. A face mais dramática do quadro de baixo crescimento por tempo prolongado é a deterioração do mercado de trabalho, no qual se registram elevados índices de desemprego e alta informalidade.

Desde 2016, a taxa de desemprego aberto situa-se acima de 10% e não se espera que retorne ao nível pré-pandemia no próximo ano (11,5% em outubro-dezembro de 2019). Tomando o ano de 2021, a taxa de desemprego aberto no segundo trimestre (14,1%) se situou acima da registrada no primeiro semestre de 2020 (13,3%), no início da pandemia. Mais ainda, a pequena queda na taxa de desemprego aberto no segundo trimestre de 2021 em relação ao primeiro (14,7%) teve como contrapartida o aumento das ocupações predominantemente informais – enquanto o emprego com carteira assinada se expandiu em 2,5%, o emprego sem carteira assinada cresceu 3,4% e o por conta própria 4,2%. Ou seja, mesmo a pequena melhora no desempenho do mercado de trabalho em 2021 se deu com desemprego precário e com um grande crescimento do contingente de subocupados por insuficiência de horas trabalhadas (7,3%).

Quais os pontos positivos para a retomada no futuro próximo? Certamente o avanço da imunização da população contra a Covid-19 permite que as atividades voltem a funcionar normalmente. Porém, há muitas fragilidades para a retomada, principalmente pelo lado da demanda. A inflação em alta deprime o poder de compra do salário.

De acordo com o IBGE, apesar da pequena queda na taxa de desemprego no segundo trimestre de 2021, o salário médio real habitualmente recebido de todos os trabalhos recuou 3%. O endividamento das famílias, por sua vez, encontra-se muito elevado: era de 49,4% em março de 2020 e passou para 59,9% em junho de 2021. O consumo das famílias, segundo as contas nacionais trimestrais, está estagnado nos dois trimestres de 2021. Portanto, apesar da demanda reprimida pela pandemia, uma vez normalizada a oferta de bens e serviços, as perspectivas de retomada do consumo privado não são positivas frente às precárias condições do mercado de trabalho, elevação da inflação e elevado endividamento das famílias.

Quanto à inflação, a política monetária sob o regime de metas de inflação, conforme implementada no nosso país, é pouco instrumentalizada para combater inflação de custo. As pressões de preço pela alta das commodities e dos combustíveis, agravada pela crise hídrica, demandam o uso de outros instrumentos para além da elevação da taxa básica de juros, que ademais impacta negativamente a retomada do ritmo de atividade econômica.

A recuperação dos investimentos produtivos, que poderiam ter no investimento público um importante indutor do investimento privado, encontra como limitador a política fiscal, engessada pelo teto dos gastos públicos. Vale observar que o Observatório de Política Fiscal do Ibre aponta que o recuo dos investimentos públicos a nível federal não cobre nem mesmo a depreciação do estoque de capital preexistente desde 2015. Acrescente-se ainda que o país tem enfrentado nos últimos anos um ambiente político tensionado, o que eleva o grau de incerteza dos agentes privados.

A saída em sequência de tradicionais empresas estrangeiras pode ser tomada como um indicador de perda de interesse do capital externo no país, a despeito da narrativa liberal em favor de reformas econômicas para atrair investimento externo. Por fim, a retomada do crescimento pelo setor externo tem pequeno poder dinamizador atualmente, considerando a especialização de nossa pauta exportadora em commodities.

Vê-se, assim, que há desafios grandes para a retomada de uma trajetória de crescimento que passa, a nosso ver, por uma nova convenção de política econômica, distinta da agenda liberal perseguida desde 2016. Esta nova convenção de política deveria ampliar o espaço para a implementação de políticas de desenvolvimento econômico com foco em recuperar o mercado de trabalho e aumentar a produtividade a longo prazo. Entende-se que uma convenção desenvolvimentista implica criar um estado de confiança para guiar expectativas percebidas como criadoras de oportunidades para o investimento privado produtivo, em contraposição a ganhos de curto prazo, que alimentam o rentismo.

Neste sentido, entende-se que a agenda de reformas liberais está esgotada, dados os efeitos negativos sobre a geração de renda – a economia brasileira está encolhendo – e para o aumento da pobreza e da concentração de renda e riqueza. A recuperação do investimento público é o ponto de partida para a agenda de política de cunho desenvolvimentista, e implica de imediato a substituição da regra do teto de gasto público por uma regra fiscal que separe o controle sobre gastos que aumentam a produtividade da economia, cujo equilíbrio fiscal deveria ser observado em um horizonte de tempo longo, do controle sobre os gastos correntes de manutenção da máquina administrativa.

Um projeto de retomada do investimento como o principal impulsionador da retomada do crescimento deve promover uma mudança gradual na estrutura produtiva para reindustrializar a economia. A indústria de transformação hoje é pouco mais de 10% do valor adicionado total, enquanto avança a participação dos setores intensivos em recursos naturais. A especialização na produção e exportação de bens primários aumenta a nossa restrição externa ao crescimento.

Do ponto de vista da política macroeconômica, a nova convenção de política econômica deve ser compatível com uma política industrial que combine instrumentos de intervenção horizontais, como gastos em infraestrutura, educação, treinamento e estímulos à P&D, com instrumentos de intervenção vertical, como estímulos a atividades e setores com elevada capacidade de gerar e difundir ganhos de produtividade para toda a economia.

Da mesma forma, as políticas de transferência de renda devem ser mantidas como auxiliares na redução da pobreza e da desigualdade de renda. Por fim, é necessário um ambiente político consensuado.

A construção de uma nova convenção de desenvolvimento econômico é um projeto de longo prazo e pressupõe um papel estratégico para instituições de planejamento econômico – a nível nacional e a nível regional – e que funcionem de forma coordenada com as tradicionais políticas macroeconômicas. Vale mencionar que o avanço do debate internacional mostra que duas crises internacionais de vulto – a grande recessão de 2008 (uma crise endógena) e a crise da pandemia (uma crise exógena) desafiaram a capacidade dos mercados autorregulados de retornar a uma posição de equilíbrio “natural”.

O antigo dogma do consenso macroeconômico, baseado no predomínio da política monetária sobre as demais políticas e uma agenda de reformas liberais, vem sendo substituído por discussões sobre a importância de políticas industriais e dos investimentos públicos para sustentar o crescimento da produtividade e agora com o foco também na transição climática. Precisamos redescobrir nossa capacidade de crescer e nos conectar ao debate internacional. (Publicado originalmente no Jornal dos Economistas de dez/2021)

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli 

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