Na última sexta-feira (era uma sexta dia 13, para os que gostam de superstições), o mundo viu assustado Israel começar a despejar bombas em Teerã e outras cidades do Irã. Na sequência, o Irã revidou os ataques, e bombardeou áreas de Israel, em especial Tel Aviv e áreas próximas. Estava configurada a guerra.
Motivos para atacar os povos daquela região sempre argumentam ter, há milhares de anos. Os argumentos mais recentes vêm desde a descolonização da região e a criação do Estado de Israel, ou seja, desde o final da 2ª. Guerra Mundial. Mas, aqui, não importam muito os argumentos, que sempre serão construídos ao sabor dos acontecimentos.
O fato é que o atual primeiro-ministro de Israel, Netanyahu, precisa da guerra para que seu governo não caia, e ele tenha que enfrentar a justiça de seu país. Anteriormente, o bombardeio, a invasão e o genocídio em Gaza pareciam suficientes para tal, somados a algumas escaramuças com o Hezbollah no Líbano, algumas incursões contra objetivos na Síria e ataques eventuais aos houthis, no Iêmen. Entretanto, os ataques motivados pelos conflitos com os palestinos em Gaza perderam a legitimidade no período mais recente, quando se ampliaram as condenações a Israel por essa ação. A partir daí, outro objetivo teve que ser buscado, e o ataque ao Irã pareceu o caminho de menor resistência.
O Irã, entretanto, tem feito uma trajetória recente de reduzir seu isolamento, da qual fazem parte a entrada nos BRICS (que se reúnem esse ano no Brasil, que tem a presidência temporária do grupo), e o estreitamento de relações com a China e, especialmente, com a Rússia. Vale lembrar ainda que em maio do ano passado morreu em um acidente de helicóptero o primeiro-ministro conservador do Irã, Ebrahim Raisi, e as eleições para a escolha do novo primeiro-ministro foram ganhas por Masoud Pezeshkian, considerado um moderado para os padrões da política local, o que sempre melhora a imagem política do país. O Irã também havia aceitado a proposta dos EUA, presidido por Trump, de retomar as negociações sobre o seu programa nuclear, o que não é pouca coisa. E, depois dos bombardeios do ano passado, parece também ter se preparado com mais afinco para eventuais novas ações de Israel, e a resposta militar com mísseis atingindo o território israelense parece ter, de certa forma, surpreendido o agressor neste momento.
Os efeitos não demoraram muito a se fazerem sentir, seja no aumento da tensão no Oriente Médio e fora dali, seja nos mercados mundiais de moedas, ouro e, especialmente, petróleo. No caso do petróleo, além da possibilidade de redução do fornecimento, existe a sempre presente ameaça do Irã de fechar o Estreito de Ormuz. Por essa passagem, que separa os Emirados Árabes Unidos do Irã, acontece a saída das embarcações do Golfo Pérsico em direção ao Golfo de Omã, Mar Arábico e daí ao Oceano Índico e o mundo. Parte do petróleo saudita, e todo o petróleo de Irã, Iraque, Kuwait, Bahrain, Catar e Emirados Árabes Unidos passa por aí. Ou seja, em caso de fechamento do estreito à passagem de petroleiros, o que pode ser feito pela marinha, por bombardeios aéreos ou da terra, ou pura e simplesmente colocando ali minas navais, uma parte importante do abastecimento de petróleo no mundo seria atingido, e os preços poderiam disparar, além de causar problemas para alguns dos países que recebem esse petróleo (e alguns outros produtos, como gás e petroquímicos). O preço do ouro voltou a subir muito, e subiu também a procura por títulos públicos dos EUA (que vinham caindo), ambos entendidos como uma âncora de segurança.
Os impactos nos mercados vão depender dos desdobramentos da guerra, o que não é fácil de prever. Neste tipo de situação, às vezes se entra fácil, mas a saída é difícil, e será tão mais difícil quanto mais o processo avançar, e os estragos se verificarem.
Entretanto, é mais uma dura ferida nesse processo recente no Oriente Médio, e seus efeitos terão que ser acompanhados, tanto em situação de continuação da guerra (que pode se ampliar e acabar envolvendo outros atores) como mesmo em caso de que haja algum tipo de cessar-fogo neste conflito.
Vale de novo lembrar que o Irã é um membro recente dos BRICS, e que ficará inclusive com dificuldades de participar da reunião anual do grupo, que será no Rio de Janeiro, no início do mês que vem. Mas é muito provável que o grupo, de alguma forma, se manifeste sobre os acontecimentos, o que deve acarretar tensões no interior do grupo. Cabe observar ainda que hoje, nos BRICS, existem vários países de maioria muçulmana, diferentemente do grupo original. Entraram o próprio Irã, os Emirados Árabes Unidos, o Egito e a Indonésia (a Arábia Saudita hoje está em uma posição em que não participa das conversas e deliberações do grupo no qual foi aprovada a sua entrada, mas também não sai do grupo). À exceção do Irã, todos os demais são de maioria sunita, o principal ramo do islamismo. Mas, no caso dessa disputa, nenhum deles vai se alinhar com Israel.
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Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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