Os principais Projetos de Lei tramitando no Congresso Nacional mostram claramente a hipocrisia política da maioria dos deputados e senadores, cada vez mais distante de leis que reduzam a desigualdade e defendam o meio ambiente.

A hipocrisia do Congresso Nacional

O Brasil é de longe uma das grandes economias mais desiguais do mundo. Seu Índice de Gini – que mede a concentração de renda – melhorou, chegando a 0,506 em 2024 (quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade). Mas continua sendo o segundo país mais desigual da América Latina e está entre os 10 países mais desiguais do mundo, atrás apenas de nações africanas. Entre os países do G20, figura no top 3 de maiores desigualdades e é o mais desigual de todos os países do G7 e BRICS (exceto África do Sul).

Executivo e Legislativo brasileiros encontram-se, presentemente, num verdadeiro cabo de guerra. O primeiro, buscando aumentar a tributação sobre os mais ricos para arrecadar mais impostos e minorar seus problemas fiscais. O segundo, acomodando poderosos lobbies e buscando manter o status quo, enfatizando a necessidade de cortes de gastos e da reforma administrativa, mas, ao mesmo tempo, legislando em causa própria e sem cogitar fazer a sua parte, reduzindo as emendas parlamentares, que já atingem R$ 50 bilhões.

O Judiciário, por seu turno, acomodado em berço esplêndido, praticando super salários ao seu bel prazer.

No Brasil, dividendos não são tributados, o que é um absurdo. Nos EUA, na Comunidade Europeia, no Japão, no Reino Unido, dentre outros, eles são tributados com alíquotas expressivas (até 37% nos EUA e 39,5% no Reino Unido, por exemplo). E o imposto sobre a herança? A alíquota máxima do ITCMD é de 8% no Rio de Janeiro, variando daí para menos nos diversos estados da União. Em São Paulo e Bahia é de apenas 4%. Lá fora, gira em torno de 40%, no mínimo.

E isso para não falar dos R$ 621 bilhões de renúncias fiscais constantes do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2026, já enviado ao Congresso e que contemplam os mais diversos subsídios tanto para juros como de isenção de impostos, muitos dos quais considerados intocáveis (Zona Franca de Manaus, cesta básica, microempreendedores, micro e empresas de pequeno porte do Simples Nacional, dentre outros).

Recentemente, o Executivo decretou o aumento do Imposto de Operações Financeiras (IOF) para garantir o cumprimento da meta fiscal, que prevê déficit zero. Ao perceber um clima fortemente contrário no legislativo, recuou e emitiu a MP 1.303/2025 (Medida Provisória) que tributa em 5% de Imposto de Renda (IR) os títulos de crédito e os fundos que financiam o agro (CRAs e LCAs), o setor imobiliário (CRIs e LCIs) e a infraestrutura, (Debêntures Incentivadas) que, presentemente, são isentos. Contempla, também, o aumento do imposto de renda de 15% para 20% dos juros sobre capital próprio (JCD), o aumento do imposto das fintechs e das empresas de apostas on line (bets) e unifica em 17,5% o IR das aplicações financeiras, independentemente do prazo de duração do título, que hoje é regressiva de 22,5% a 15%.

Segundo o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, “apresentar qualquer solução que venha a trazer aumento de impostos sem o governo apresentar o mínimo de dever de casa do ponto de vista do corte de gastos não será bem aceito pelo setor produtivo nem pelo Congresso”. Também é muito clara a declaração conjunta dos presidentes do União Brasil, Antônio Rueda, e do PP, Ciro Nogueira, que contam com 109 deputados e quatro ministérios, de que a MP não será aprovada no prazo regulamentar de 120 dias, e caducará. Alegam não ser possível aceitar aumento de impostos sem corte de gastos, mas não aceitam quaisquer reduções nas emendas parlamentares.

Por outro lado, observa-se um profundo descontentamento dos deputados com o baixíssimo empenho e execução financeira das emendas parlamentares, que não chegaram até agora nem a 1% dos R$ 50 bilhões orçados para 2025. A sinalização contrária à MP será uma mera chantagem dos deputados para garantir a liberação das emendas? Ou será, de fato, uma posição ideológica neoliberal de boicote deliberado aos planos de governo, coadunada com a insistência dos deputados de extrema direita na aprovação do Projeto de Anistia e já minando o desempenho do governo com vistas às eleições em 2026? O baixo nível de aprovação dos projetos do governo no Congresso aponta para ambas as hipóteses.

Dos 48 projetos prioritários entregues em fevereiro, apenas um, o de drenagem urbana, foi sancionado até o momento. Várias matérias estão em “marcha lenta” sendo que os principais gargalos residem na reforma tributária, na segurança pública, na agenda verde e na regulamentação das fake news e plataformas digitais.

Projetos com maior alinhamento político-econômico, baixo impacto sobre interesses organizados e potencial arrecadatório têm mais chances de avançar. A regulamentação da Reforma Tributária, o mercado de carbono, o combustível do futuro e o programa Acredita são as apostas mais seguras até o fim do ano legislativo. É interessante conhecer os principais projetos tramitando, que dão uma ideia dos interesses envolvidos.

No Senado Federal

  • PL 4.329/2021 – Marco do Seguro Rural, de interesse da bancada ruralista, alinhado com a agenda verde e agronegócio e conta com apoio do Ministério da Agricultura.
  • PLP 108/2024 – Regulamentação da Reforma Tributária (comitê gestor do IBS): aprovado na Câmara em outubro/2024, já foi remetido ao Senado e agora aguarda distribuição para as comissões. Conta com apoio de governadores, prefeitos e do setor empresarial.
  • PL 2.926/2023 – Novas regras para o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB): aprovado na Câmara em novembro/2024, o projeto ainda está pendente de despacho para comissões no Senado.
  • PL 3/2024 – Atualização da Lei de Falências: já em análise nas comissões do Senado, aguardando designação de relator.
  • PL 6.204/2019 – Execução extrajudicial de dívidas via tabeliães: em análise na CCJ do Senado, presta-se a simplificar cobranças de dívidas.
  • PL do Combustível do Futuro – Incentivo a diesel verde e mistura de biocombustíveis. Já aprovado na Câmara e agora em tramitação no Senado.
  • Projeto de regulamentação do mercado de carbono – Aprovado no Senado originalmente, voltou ao Senado após alterações na Câmara. Indefinições sobre qual versão será apreciada.

Na Câmara dos Deputados

  • PL 2.338/2023Regulamentação da Inteligência Artificial – Aprovado no Senado em dez/2024, aguarda votação pelas comissões especiais na Câmara.
  • Projeto sobre cotas raciais em concursos públicos – Aprovado no Senado em maio/2025 (aumentando cotas de 20% para 30%), está agora pendente de votação na Câmara.
  • PL do Marco Legal dos Bioinsumos – Em análise na Câmara, faz parte da agenda verde prioritária.
  • PL que criminaliza fake news e regula plataformas digitais – Em tramitação na Câmara. Forte oposição no Congresso; risco de judicialização.
  • PL da desoneração da folha de pagamento / repactuação de dívidas estaduais – Aguardando votação no Senado, mas dependendo de avanço na Câmara para harmonização.
  • Programa Acredita / Desenrola Pequenos Negócios – Já teve urgência aprovada na Câmara; ainda precisa seguir para votação.
  • Projeto de isenção de IR para renda até R$ 5 000 – Em comissão especial na Câmara, ainda não instalada.
  • PEC da Segurança Pública – Aguardando relatoria na CCJ da Câmara.
  • PNE (Plano Nacional de Educação) – revisão – Em comissão especial, aguardando instalação.
  • MP 1.303/2025 (alternativa ao IOF) – Aguardando envio e tramitação na Câmara, prazo até outubro/2025.
  • Regulamentação da EC 135 (limitação de supersalários) – Enviada pelo Executivo e pendente de votação na Câmara.
  • Regulamentação da VoD (vídeo sob demanda) – Em análise na Câmara como parte da agenda legislativa. Resistência das plataformas e falta de consenso sobre taxação e cotas.

O poder econômico não está interessado em discutir nada de peito aberto. Quer, acima de tudo, defender seus privilégios. A prioridade agora é inviabilizar o governo Lula, travando a maioria dos 47 projetos que se encontram em banho-maria no Senado e na Câmara. As emendas parlamentares serão o fiel da balança. Alguns poucos projetos serão aprovados em troca do destravamento de parte das emendas. Esse é o jogo sujo em que nosso país se encontra.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e Revisão: Celia Bartone
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