A virada do século XX para o XXI foi marcada pela emergência de três grandes eventos que representaram quase simultaneamente a queda de algumas convicções ou perspectivas de futuro consolidadas que diziam respeito a concepções de sociedade, da natureza e da economia. Vamos a eles.

No campo das esquerdas, a sua versão mais visível, o chamado socialismo real, representado pela URSS, esgotou-se a partir da queda do muro de Berlim, em 1989. O fim da URSS se daria em 1991, quando foi formalmente dissolvido o bloco soviético.

No polo oposto do leque ideológico, com algum triunfalismo, Francis Fukuyama decretou o fim da história, título de seu artigo publicado em 1989, quase uma teoria que, em 1992, apareceu em seu livro “O fim da história e o último homem”. O autor ganhou fama e fortuna com seu best-seller, tornando-se referência de Tatcher e Ronald Reagan. Ele anunciou que a humanidade havia chegado a uma espécie de ponto de equilíbrio, já que os EUA se tornaram a única potência, conferindo estabilidade ao cenário internacional. Mais ainda: o capitalismo e a democracia, nos moldes em que se apresentavam aos seus olhos, seria o modelo que representava uma linha evolutiva que finalmente chegara a seu ápice.

Ocorre que as coisas mudam, e com os resultados de sucessivas crises, falência do Consenso de Washington e da orgia belicista/especulativa que resultou na crise financeira de 2008, Fukuyama reelaborou suas ideias e passou a ser criticado também pelos conservadores. A pá de cal foi a China e sua ascensão vertiginosa nesses últimos 30 anos, pois não cabia no seu modelo. Ou seja, a história venceu seus vaticínios e continuou seu rumo.

Por fim, o terceiro grande evento tem a ver com questões socioambientais. Desde a Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente humano, mais conhecida como Conferência de Estocolmo, em 1972, primeira reunião mundial de chefes de Estado para tratar dessa pauta, a degradação ambiental entrou na agenda mundial. Mas foi a realização da Eco-1992, no Rio de Janeiro, que deu início a uma tomada de consciência dos limites da natureza e da vida no planeta, ganhando força o conceito e o entendimento de desenvolvimento sustentável.

O mundo passou a reconhecer com mais frequência os ecocídios e a intensidade/irregularidade de eventos climáticos. E essas ocorrências são permanentes, não há como resolvê-las em definitivo e o que está em causa é mudar a vida e seus valores, pois a produção e o consumo implicam em descartar resíduos de vários tipos e de várias formas e nesse sentido, lixo e poluição é o que mais se produz, numa lógica suicida. Há que se pensar em formas alternativas de energia, produção e consumo. E esse impasse tem se expressado pela busca de uma economia verde.

Além dos três grandes eventos a que nos referimos, há também processos em curso que produziram mudanças na dinâmica socioeconômica mundial. No contexto de hegemonia neoliberal, as inovações tecnológicas e as lógicas de mercado sem contrapesos e regulação, resultou na retirada dos direitos sociais e trabalhistas tornando o mundo do trabalho mais precário e inseguro.

Por mais paradoxal que possa parecer, foi nesse quadro de complexidade crescente e dificuldades vividas pelas grandes maiorias, que assistimos nos últimos anos ao crescimento da direita antidemocrática em alguns países, como foi o caso do Brasil.

Assim é que, ao final de 2018, em reação a essa ameaça, o movimento pró-democrático e pan-europeísta DiEM25 e o Instituto Sanders, dos EUA, começaram a desenhar a formação de uma frente comum denominada Internacional Progressista (IP), para barrar o autoritarismo. Em 2019, em diversos países, ocorreu uma série de movimentos sociais em defesa de princípios democráticos, melhores condições de vida, trabalho e defesa do meio ambiente. Agora em 2020, no dia 11 de maio, os organizadores da nova frente entenderam que a crise sanitária e econômica desatada pela pandemia tornou necessário que os atores do campo progressista, em seus diferentes âmbitos e culturas, caminhem juntos para fazer valer a assistência médica universal, os direitos trabalhistas e a cooperação internacional.

Diferentemente da tradição da Internacional Socialista e das comunistas, que foram compostas por partidos políticos, a IP é integrada por movimentos e indivíduos. O coordenador geral é o economista David Adler, ex-assessor do senador Bernie Sanders para política externa, que declarou: “Nossa principal motivação foi o crescimento notável na última década de uma rede de líderes autoritários de direita, que pretendem representar uma nova forma, mais populista, de governo”. Há um conselho com 64 pessoas, com nomes conhecidos da esquerda mundial, como o lingüista Noam Chomsky, a primeira ministra da Islândia, Katrin Jakobsdóttir, a escritora canadense Naomi Klein, o ator mexicano Gael Garcia Bernal, a ministra argentina de Mulheres, Gênero e Diversidade, Elizabeth Gómez Alcorta, a escritora indiana Arundhati Roy, a ativista ecológica Vanessa Nakate, de Uganda, o ex-vice-presidente da Bolívia Álvaro Garcia Linera, o ex-presidente do Equador Rafael Correa, o economista Yanis Varoufakis, deputado e ex-ministro das finanças da Grécia. Pelo Brasil, participam o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, candidato do PT à presidência em 2018, o ex-chanceler Celso Amorim e a deputada federal Áurea Carolina, do PSOL de Minas Gerais.

Conforme informação veiculada pelo El País (11/5/2020), a IP tem como objetivo atuar em três níveis: promover a mobilização social, estimular a reflexão intelectual e incrementar a disseminação de novas ideias progressistas por meio de uma rede de mídia. Nesse sentido, a ideia é aumentar o impacto das informações criando um link entre diferentes redações. Entre os títulos que aderiram ao projeto estão a americana The Nation, a italiana Internazionale, a francesa Mediapart, a polonesa Krytyka Polityczna, a África Is a Country, a Brasil Wire, a Lausan Collective e a Wire India.

A IP é promissora nesse aspecto ao se colocar também como uma agência de notícias com qualidade e que tem como foco as questões da democracia em seus diferentes âmbitos, como os direitos civis, as liberdades políticas e os direitos sociais. Outro ponto favorável é a ampla diversidade e qualidade dos seus 64 membros. Estão representados ativistas sociais e lideranças progressistas de todos os continentes e vale à pena visitar o site para conhecê-los, assim como as notícias ali veiculadas, em geral com boa qualidade jornalística.

A IP tem a ver com os grandes eventos da virada do século assinalados na abertura do texto. Em boa medida ela representa um contexto de lutas pós-guerra fria e pós-colonialista, que marcou a maior parte do século XX. Traz novas utopias que estão a ser construídas nos movimentos ecológicos, no associativismo e na economia solidária, assim como na velha e boa luta social. Talvez seu maior desafio seja ganhar vida se enraizando na juventude e para fora da bolha progressista.

Já existe um site em língua portuguesa: https://progressive.international/about/pt-br