Há um consenso entre os técnicos que estudam o transporte urbano: o sistema ônibus marcha para a colapso em todo país. Alguns afirmam que isto vai acontecer em menos de uma década.

A tarifa é cara e o preço aumenta, o serviço é ruim e piora cada vez mais. Temos um círculo vicioso. Isto acontece num cenário de desemprego elevado, informalidade crescente e salários congelados. Os investimentos públicos necessários para a melhoria do sistema não aumentam; ao contrário, escasseiam. Em Porto Alegre há 20 anos se fala na implantação do metrô e dos corredores expressos, o Bus Rapid Transit (BRT) e a coisa não saiu do papel. E, o pior, não há qualquer perspectiva de se viabilizarem nos próximos anos, nestes tempos de arrocho fiscal do desgoverno Bolsonaro.

Os dados do sistema ônibus de Porto Alegre não deixam qualquer dúvida. Em 2009, o sistema ônibus transportou 235 milhões de passageiros pagantes (passageiros equivalentes, que pagam a integralidade); no ano passado foram apenas 171 milhões, uma queda de 27% em menos de dez anos. Menor número de pagantes, queda do índice de passageiros por quilômetro (o IPK), tarifa mais cara. A idade média da frota, que em 2009 era de apenas quatro anos, hoje é de oito anos.

No cenário atual não se vislumbra, pelo menos no médio prazo – cinco anos ou até mais -, a possibilidade de reversão deste quadro desfavorável. Em 2015, sob os efeitos das manifestações populares de 2013, que originalmente tiveram como causa os aumentos de tarifa, foi aprovada a Emenda Constitucional 19/2015 que tornou o transporte urbano gratuito um direito universal. Mais uma vez, as pressões políticas geraram novos dispositivos legais que, sabe-se, não serão cumpridos.

De qualquer forma, a Emenda Constitucional 19 colocou na ordem do dia, como obrigação do Estado, a tarifa zero.

Já há experiências com a implantação da tarifa zero no país e no exterior. Poucas. Na Europa e nos Estados Unidos são menos de uma centena. Foi tentada em Roma, sem sucesso. No Brasil, restritas a cidades pequenas e médias, 16 no total. Maricá, com 150 mil habitantes, é a maior cidade brasileira que implantou a tarifa zero. Não há, ainda, nenhuma grande cidade que tenha esta experiência.

Vargem Grande, em São Paulo, implantou a tarifa zero. Cidade com população próxima dos 50 mil habitantes, tem uma área de 38 quilômetros quadrados. Que recursos tornaram viável a gratuidade do transporte da cidade? Em primeiro lugar, o volume de recursos necessários para manter o sistema ônibus de uma pequena cidade é infinitamente menor do que o exigido em uma grande cidade. Com uma frota de menos de duas dezenas de ônibus, foi possível em Vargem Grande atender à demanda de viagens da cidade. Um custo baixo, de cerca de R$ 8 milhões/ano é coberto pela isenção do imposto sobre serviços, receita da propaganda nos veículos e recursos do vale transporte pago por todas as empresas da cidade aos trabalhadores (6% do salário). Como a gratuidade desobrigou os empregadores do custeio do vale transporte, foi feito um acordo com os empresários que transferem uma parcela desses recursos para o fundo municipal de transporte que mantém do sistema.

Numa cidade grande, o furo é mais embaixo. Em Porto Alegre, atendida por uma frota de 1.300 ônibus, o sistema consome um volume de recursos que supera os R$ 800 milhões/ano. São Paulo, com uma frota de mais de 14 mil coletivos, tem um custo operacional de mais de R$ 9 bilhões/ano. Mesmo com um montante de subsídios de R$ 3 bilhões, a tarifa ainda assim é elevada e inacessível para milhões de paulistas.

Transformar o transporte em direito gratuito do cidadão passa pelo aporte de considerável montante de recursos públicos – dezenas de bilhões de reais – a um fundo federal do transporte público. Para que isso seja possível deverão ser feitas alterações na estrutura tributária e não há nenhuma perspectiva de que isso venha acontecer no curto prazo. A origem dos recursos poderia ser o aumento das alíquotas do Imposto de Renda, da progressividade das alíquotas do Imposto de Transmissão de Bens Imobiliários (ITBI Causa Mortis), ou o fim da isenção criminosa do imposto de renda dos dividendos distribuídos a acionistas, instituída por FHC em 1995.

Em Porto Alegre a Câmara recentemente aprovou lei autorizando a transferência de recursos do Tesouro Municipal para subsidiar a tarifa. Lei inócua. As finanças municipais nos próximos quatro ou cinco anos enfrentarão um período delicado. Em maio de 2021 completam-se cinco anos de congelamento salarial, as despesas previdenciárias do regime de repartição simples (RPPS) continuarão crescendo e o prefeito eleito prometeu suspender o aumento do IPTU aprovado em 2019 e reduzir as alíquotas do imposto sobre serviços (ISSQN).