Foram realizadas no último domingo as eleições na Alemanha, a maior economia da União Europeia (UE) e país que é um dos pilares políticos da UE, junto com a França. Os resultados apontam uma mudança à direita, com a coalizão que até aqui conduzia o governo alemão (social-democratas, verdes e liberais) perdendo bastante espaço. Os liberais nem vão conseguir superar a cláusula de barreira de 5% e estarão fora do próximo parlamento alemão, o Bundestag, enquanto os democratas-cristãos da CDU/CSU fazem a maior parte do Bundestag, com cerca de 28,5% dos votos, seguidos do partido de extrema direita AfD, com quase 21%. Os outros partidos que terão representação no Bundestag são os atuais governistas social-democratas do SPD (pouco mais de 16%) e verdes (quase 12%), e o partido A Esquerda, que chegou a quase 9% dos votos.

No geral, a extrema direita cresceu muito, CDU/CSU e A Esquerda cresceram pouco, Verdes perderam pouco e o SPD perdeu muito.

Apesar de rejeitado para uma possível formação de novo governo, vale ressaltar que, neste ano em que completamos 80 anos da derrota alemã na Segunda Guerra Mundial, a extrema direita recebeu sua maior votação desde então. Não é pouco, um em cada cinco alemães votaram na extrema direita, apesar da memória dos estragos do nazismo não ser pequena no país.

Vale ressaltar também a concentração dos votos. Enquanto a AfD concentrou seus votos em áreas do leste do país, na antiga Alemanha Oriental (exceção para Berlim e área em torno) e algumas áreas do Sul da antiga Alemanha Ocidental, a CDU/CSU concentrou seus votos no Sul da antiga Alemanha Ocidental (Baviera e áreas próximas). Ou seja, a CSU – o braço partidário que concorre na Baviera – se fortaleceu.

Por idade, a CDU/CSU e o SPD concentram seus votos entre os mais velhos (onde juntos fazem dois terços dos votos), A Esquerda tem seu melhor desempenho entre os jovens (sozinha tem um quarto dos votos entre 18 e 24 anos), enquanto a extrema direita tem sua melhor performance entre 35 e 44 anos, onde lidera com 26%. Essas estatísticas e outras estão em https://www.dw.com/en/german-election-results-and-voter-demographics-explained-in-charts/a-71724186.

Na composição do Bundestag, onde todos acabam crescendo com a exclusão dos percentuais dos partidos que não conseguiram vencer a cláusula de barreira, são esperados 208 assentos para a CDU/CSU, 152 para a Afd, 120 para o SPD, 85 para os Verdes e 64 para A Esquerda. Além desses, projeta-se um deputado ligado a um partido regional na fronteira com a Dinamarca, o SSW, em Schleswig-Holstein, pelas regras eleitorais alemãs.

Assim, as provavelmente longas discussões para a formação do novo governo vão se iniciar com duas propostas: uma coalizão entre CDU/CSU e SPD (que já representaria maioria parlamentar) ou uma coalizão entre esses mesmos dois partidos e os Verdes, o que representaria uma maioria de dois terços do Bundestag – muito mais estável. Do ponto de vista operativo, a primeira tem a vantagem da simplicidade do processo de negociação, envolvendo os dois partidos mais tradicionais e que sempre se revezaram na formação dos governos da antiga Alemanha Ocidental e depois da Alemanha unificada desde o fim da Segunda Guerra. A segunda opção tem a vantagem da ampla maioria de dois terços, e maior estabilidade.

Politicamente, a discussão é um pouco mais complexa. A CSU, o braço dos democratas-cristãos na Baviera, não gosta muito dos Verdes, com quem têm diferenças políticas importantes na discussão ambiental. Por outro lado, os social-democratas se sentiriam mais à vontade em um governo com os Verdes, com os quais já estão coligados hoje, mas, mais do que tudo, porque nesse quadro SPD e Verdes equilibram um pouco o jogo na discussão com os democratas-cristãos.

Qualquer das duas opções que vingue, teremos uma política mais liberal que a atual (o FDP era um parceiro muito minoritário na atual coalizão), mas no fundamental, não muito diferente: apoio forte à União Europeia (a atual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, é ligada à CDU), política fortemente crítica à Rússia, e a continuidade de uma política de transição energética que os próprios alemães não sabem muito bem como conduzir sem o gás russo.

No final da campanha, o provável futuro Chanceler alemão, o democrata-cristão Friedrich Merz, fez críticas ao governo dos EUA e suas propostas para as novas relações com os europeus – de novo, meio sem saber muito bem como alterar as relações umbilicais entre Europa e EUA desde a Guerra da Ucrânia. Ou seja, aparentemente as eleições definiram um novo governo para a Alemanha, mas fica bem difícil a definição de rumos da nova Alemanha. E isso em um governo que estará “flanqueado” à direita pela AfD, e do outro lado por A Esquerda – e se os Verdes ficarem fora do governo, vão acrescentar um grande flanco também na discussão ambiental. A instabilidade deve continuar, aparentemente.

Se o novo governo alemão, qualquer que seja ele, não parece desenhar uma perspectiva de futuro para a Alemanha, menos ainda para a União Europeia, que deve seguir sem um rumo definido no próximo período. Ao se vincular demais aos EUA, a UE perdeu autonomia e protagonismo no cenário internacional, se afastando dos russos, que poderiam lhe garantir suprimento de energia e matérias-primas; e passando a ter um diálogo difícil com os chineses, com os quais poderiam, por exemplo, defender o multilateralismo à escala global.

Escanteados pelo novo governo Trump nos EUA, em pouco tempo os europeus perderam muito da relevância que tiveram nos últimos anos em muitos planos: militar, comercial-tarifário, das instituições multilaterais, e outros.

Aliás, esse processo vem desde o Brexit, que, se foi ruim para a Inglaterra, parece ter sido bastante complicado também para a UE. Sem a capacidade de ter um rumo claro, a UE pode seguir seu processo de esvaziamento. O resultado eleitoral alemão não parece ter contribuído para começar a alterar essa situação, agravada pela instabilidade política francesa com Macron frente a um parlamento onde é minoritário e sem alternativa de futuro.

Os dois principais pilares da UE estão bambos nesse momento, em um mundo que já está bastante instável.

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Ilustração: Mihai Cauli  e Revisão: Celia Bartone
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