Nós somos a esperança (Paulo Freire)

Às amigas e amigos que me perguntam se vai ter golpe, ou algo semelhante: devo confessar que estou me sentindo um tanto forçado a postar o que se segue. Vai junto um tanto de tristeza, muita preocupação, mas sempre muita esperança. Sei que corro o risco de ser rotulado de extremista, exagerado… e outros adjetivos menos nobres. Minha consciência, fruto de muita reflexão, me impele a fazê-lo. Sempre com cuidado e respeito a quem pensa diferente.

Minha intuição me inclina a pensar – e arrisco dizer – que talvez não seja mais possível segurar a catástrofe, mas é preciso ao menos gritar! Tomo como razões próximas alguns comentários que ouvi e li, anteontem e ontem e, o mais surpreendente, vistos em jornais que dificilmente podem ser chamados de radicais (FSP, Estadão).

A gota d’água para que me decidisse a escrever foi a entrevista do Chico Buarque no programa da Regina Zappa (TV 247), dia 10 de junho. Há um momento em que ele se emociona, começa quase a chorar e diz, com um sentimento de desamparo, que estamos caminhando para uma ditadura. E isso junto com meio milhão de mortes sendo jogadas para baixo do tapete.

Ouvindo o Chico, pensei: os cientistas que procuram pesquisar e analisar os fenômenos sociais chegam sempre um tanto atrasados. Antes de nós chegam os artistas, pois eles sentem os problemas. E primeiro a gente sente, para depois começar a pensar e a pesquisar. O Chico sente; cabe a nós agora explicitar, penso.

Começo com um ponto importante: os estudos mais criteriosos, sérios, principalmente os mais recentes, que discutem os golpes e as ditaduras mostram que agora não se veem mais tanques e soldados desfilando pelas ruas. A democracia é golpeada por dentro – as instituições, até mesmo exército, igrejas, imprensa, vão tombando devagar. As coisas vão se naturalizando, passo a passo e os regimes autoritários vão se instalando, sorrateiramente. Quando nos damos conta, estamos envolvidos por eles.

Por exemplo: como entender esse armamento inexplicável da população, com distribuição de dezenas de armas a quem desejar? Não estaria sendo preparado um exército paralelo? Não podemos ser ingênuos. E isso é feito com justificativas que chegam à hipocrisia. Esse arsenal nas mãos de civis, inclusive fuzis restritos às Forças Armadas, vai a quase dois milhões de peças, com farta munição.

Além disso, a chocante questão das PMs dos estados, que não se sabe de fato a quem obedecem. É só ver os casos de Fortaleza, onde um comandante, por própria conta, ordena a repressão a manifestantes. Em Brasília um comandante encerra seu discurso com o slogan … dele. E ainda: o baixo oficialato do Exército, cooptado com cargos, benesses e uma sutil ideologia.

O exemplo mais evidente dessa naturalização, do meu ponto de vista, pode ser lido no próprio editorial do Estadão (11/06/2921). Copio: “A declaração do deputado Ricardo Barros, como a do próprio B (lá está o nome por inteiro) antes dele, constitui ameaça explícita de desobediência civil … Esse desafio à ordem constitucional, de clara natureza golpista, é parte do processo de deterioração da democracia … Ao avisarem que não pretendem acatar ordens judiciais, a não ser as que consideram “fundamentadas”, os bolson (sim, eles) expõem com clareza sua estratégia de desmoralizar a democracia, as instituições da República, para submetê-las a seus propósitos liberticidas”. É assim que ditaduras e golpes vão se naturalizando…

E há ainda mais. Surpreende – para quem não para para pensar – os pesados “silêncios” que vão sendo impostos, de maneira indisfarçada: primeiro ao Exército, onde o capitão impôs sua vontade na escolha dos comandantes; depois aos presidentes da Câmara e Senado, eleitos também com seu apoio; a própria Procuradoria-Geral da República, as Polícias…

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NR: Outros colaboradores publicaram artigos sobre este tema, entre eles Paulo Nogueira Batista Jr. e Eduardo Scaletsky.