O Brasil é um país partido em três: os que aprovam Bolsonaro, os que rejeitam e os que não aprovam, mas também não rejeitam. É certo ter Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais de 2022. Este foi o prognóstico de Marcos Nobre, no ensaio publicado na Revista Piauí de dezembro de 2019, onde radiografou o surgimento do movimento extremista de direita. Desde então, somou-se aos que chamavam por uma frente reunindo os que são contra Bolsonaro.

Poucos meses depois, em março de 2020, inspirado pelo artigo na Revista Piauí, publiquei “O papel do centro para o pêndulo”. Minha intenção era duvidar da positividade de certos discursos que não acreditavam numa frente com o centro e a direita, pois viam a esquerda como a única corrente realmente interessada em impedir o avanço do autoritarismo bolsonarista. Estas observações direcionaram a conversa para a avaliação do “quanto o pêndulo da sociedade, não dos partidos, moveu-se no sentido esquerda => direita e o quanto ela, a sociedade, está disposta a aceitar mais autoritarismo e menos democracia”.

A desorganização do centro, resultante de seus sucessivos erros políticos em 2014, 2016 e 2018, tornou ainda mais frágil a democracia do país e deu espaço ao distanciamento direita-esquerda. Foi um adubo para a expansão dos movimentos de extrema direita. Os partidos de centro ocupavam a posição que Norberto Bobbio denomina de terceiro incluído, que funciona como um amortecedor de choques induzindo o surgimento de soluções negociadas.

A pressão sobre Dilma Rousseff, a partir do dia seguinte a sua re-eleição, voltou-se contra eles. A incompreensão dos gritos das ruas cobrou um preço alto ao PSDB, que nas eleições de 2018, comparando a 2014, perdeu 65% dos votos para deputado federal e seu candidato à Presidência da República obteve apenas 4,8% dos votos. O MDB, por sua vez, viu sua bancada federal reduzir-se a metade e, para Presidência, recebeu apenas 1% dos votos.

A partir de 2018, o Brasil caminhou para uma situação de terceiro excluído, na qual desaparece o espaço de centro e as escolhas se tornaram do tipo “ou…ou”.

O quadro que levou Bolsonaro ao governo tinha pelo menos três enigmas a serem desvendados: (a) a rápida expansão organizada da extrema direita, representada por Bolsonaro; (b) o enfraquecimento dos dois principais partidos tradicionais de centro; e, por fim, (c) a redução da capacidade de o PT aglutinar em seu entorno a esquerda e a centro-esquerda.

Alguns dias atrás (6 de junho), Nobre, entrevistado por Laércio Portela para o Marco Zero, voltou a reafirmar que a sociedade irá para as eleições de 2022 dividida em três, como mostra a pesquisa PoderData: Jair Bolsonaro tem 33%, o ex-presidente Lula 31%, e o terço restante se divide entre os demais candidatos e os que se dizem indecisos, votam nulo ou branco. Mas ele avalia que no segundo turno “pode ser que quem seja contra [o governo] acabe achando que Bolsonaro é menos pior do que a candidatura que chegar”. Quer dizer: “Bolsonaro passa de 30 para 51%, e é possível que isso aconteça”.

Por outro lado, diferente de 2018, as eleições de 2022 se realizam após três anos e meio de destruição do país pelo governo Bolsonaro, após milhares de mortes pela pandemia e por ameaças cotidianas à democracia. A soma negativa e a reação das instituições enfraqueceram os movimentos de extrema direita bolsonarista, mas não o suficiente para retirá-los do segundo turno em 2022, mesmo tendo sido afetados duramente por dois outros fatores relevantes: o primeiro, diretamente relacionado à perda de um suposto apoio de Trump, enquanto presidente da maior potencia mundial, aos desejos de Bolsonaro de liderar um putsch caboclo, uma quartelada; o segundo, novidade recente e inesperada, a volta de Lula ao jogo eleitoral, que talvez um ano antes até fosse o opositor favorito de Bolsonaro, mas somando os acontecimentos deste período, ele se torna um pesadelo.

A tese mater de Marcos Nobre, com a qual estou inteiramente de acordo, continua sendo a de que Bolsonaro é a grande ameaça a ser vencida em 2022. Para ele, Bolsonaro bateu no seu piso, e deve crescer até as eleições. Seus argumentos fazem sentido: o aumento na vacinação deve começar a ter efeitos, a economia mostra sinais de recuperação, ainda que lenta. Portanto, dirá o cientista social, “esperar que 2022 vá ser pior do que 2021 é uma aposta errada do ponto de vista das condições gerais”.

Podemos fazer reparos aqui e ali, mas sua análise está no alvo. Aproveitando-se de sua capacidade ímpar de sintetizar em poucas palavras situações complexas, o professor defende a formação de uma “Frente Ampla”, sem necessidade de uma candidatura única no primeiro turno, mas que as coisas sejam feitas de tal forma que reúna no segundo turno as esquerdas e a direita não bolsonarista.

Segundo o entrevistado, conseguir concretizar esta Frente exige mudanças na postura da esquerda, pois ela deve aceitar que o “Fora Bolsonaro” é de todo mundo: “Não importa em quem você vai votar desde que você não vote em Bolsonaro”. Esta mudança implica em aceitar estar no palanque ao lado daqueles que defenderam a destituição de Dilma Rousseff em 2016, são favoráveis a políticas econômicas neoliberais para o país ou dos que votaram em Bolsonaro nas eleições anteriores.

Desde que Lula recuperou sua liberadade política arbitrariamente retirada, a mudança de rumo do PT é um indicativo eloquente da percepção da necessidade de ampliar. Os acenos para além da esquerda têm sido a marca das ações. O encontro de Lula e Fernando Henrique Cardoso é o retrato mais emblemático desta postura, junto com suas visitas aos estados e as reuniões com lideranças de centro e de outras forças de esquerda, como as que está realizando neste fim de semana no Rio de Janeiro. Os temas destes encontros são os seguintes: o compromisso com a vacinação e outras ações recomendadas pela ciência para derrubar a pandemia; auxílio emergencial, pois quem tem fome tem pressa; e defesa da democracia.

Em certo sentido, penso existir por parte da maioria da sociedade o desejo por um pêndulo mais centralizado, a partir do qual as coisas voltem a oscilar entre projetos de direita e de esquerda – mais ou menos liberalismo econômico, por exemplo – desde que mantida e fortalecida a democracia. No entanto, é pouco provável surgir uma liderança de centro ou direita capaz de vencer Bolsonaro numa disputa eleitoral. O enfraquecimento do PMDB e do PSDB, resultante de seus erros, foi até maior do que se poderia prever. As eleições de 2022 não serão este momento, pois não surgiu, e não surgirá a tempo, uma liderança capaz de reunir os cacos do centro. Parece que os eleitores de centro e suas lideranças, mesmo atomizadas, terão de ser convencidas a votar em Lula, e a esquerda terá de compreender que se trata de um voto contra o autoritarismo, não no programa do PT.

Este texto era para ter duas ou três dezenas de palavras, para sugerir a leitura da entrevista de Marcos Nobre. Acabei escrevendo dez centenas de palavras. Paro aqui. Mas deixei um punhado de assuntos para que o leitor clique no link da entrevista e possa continuar usufruindo das opiniões do intelectual, que respondeu perguntas como estas:

  • Quando se fala em 2022, se diz que Bolsonaro tem um plano “a” e um “b”, um é ganhar a eleição e o outro é o golpe, a ruptura da democracia. Você acha que o golpe está no horizonte e o quanto do apoio das Forças Armadas e das policiais militares pode fortalecer essa quebra institucional?
  • O quanto o antipetismo é um capital que pode gerar votos para Bolsonaro? É o antipetismo que explica esses 25 a 30% de apoio ao presidente?
  • Vencendo, Bolsonaro fecha o país. Perdendo, mobiliza militares e milicianos para um golpe de estado. Como evitar esses dois cenários?

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