Todos os agrupamentos políticos na atual conjuntura estão em articulações para a constituição da segunda via.

As pesquisas, principalmente as presenciais, convergem para a consolidação da posição de liderança de Lula no processo eleitoral. Mesmo considerando que as pesquisas refletem fundamentalmente uma fotografia do momento, nada indica que ocorrerá uma grande mudança estrutural nas condições sociais, econômicas e políticas presentes na conjuntura atual.

A questão social – a trajetória futura dos principais indicadores de inflação e desemprego – tende a piorar. O mesmo pode ser dito sobre o estrutural agravamento das condições de subsistência da população mais carente, tais como fome, condições sanitárias, educação, transporte público e moradia.

Essas condições, junto com a desastrosa gerência da crise da Covid-19, a continuidade das declarações negacionistas e o desprezo do Bozo com a vida estão refletidos nas pesquisas de opinião pública, sejam eleitorais ou para avaliação do governo.

Porém, os dados mostram também sua notável resiliência, dado o seu governo de destruição em massa das instituições democráticas e sociais construídas com base na Constituição de 1988, que se mantém em apoio eleitoral de 20% a 25% e de 30% de aprovação ao seu governo.

Esses dados ainda lhe conferem uma boa dose de flexibilidade de articulação política, mesmo que essa, em grande parte, tenha sido terceirizada ao presidente da Câmara e líder do Centrão, deputado Arthur Lira.

A provável entrada do Bozo no PL e todas as articulações e declarações da sua direção indicam que um acordo será alcançado para garantir a filiação da família 00. Mas também sinalizam que o sucesso dessa empreitada está nas mãos do Bozo e dos seus 00s e principalmente de como a sua base fundamentalista, aquela que tem garantido os 20 a 25% nas pesquisas vai se a manifestar.

Ao que parece, o centro da confusão está na decisão de não apoiar os candidatos de João Doria em São Paulo e de Lula no Nordeste. E ainda há um novo problema para o Bozo administrar: a candidatura do Moro que, ao que tudo indica, já angariou apoios na grande mídia liberal conservadora e entre intelectuais e formadores de opinião que comungam da continuidade da estratégia, mesmo que falida, da “Ponte para o Futuro”. Sai Guedes e entra Pastore como o fiador da racionalidade neoliberal. Uma pequena grande diferença é que o Pastore tem muito mais prestígio, estofo acadêmico e profissional do que o Posto Ipiranga. É o mais articulado elaborador da estratégia liberal/conservadora para o país.

Não acredito que o PL resistirá aos apelos irresistíveis do Bozo para a sua “ideologia”. Nessa escolha, o Bozo finalmente terá que decidir claramente a sua entrada oficial no Centrão.

Ao fazer isto, aumenta a sua força no Congresso e, estrategicamente, se posiciona como favorito como a segunda via e para enfrentar Lula no segundo turno em 2022. Possivelmente sofrerá um grande desgaste na sua base mais fiel, ainda mais que o Moro entrou na corrida. Isso aponta para um menor enfrentamento institucional por parte do Bozo e uma maior atividade na centralidade da agenda comportamental ou identitária para amarrar a sua base ao seu destino. A crítica ao ENEM parece ser um indicador dessa estratégia de guerra cultural ao acusar a esquerda de tê-lo transformado em um instrumento de doutrinação.

Na área militar, outra base importante do Bozo que também está sob ataque do Moro, as declarações recentes do vice-presidente indicam que continuará com o chefe para manter a unidade do seu grupo político nas Forças Armadas. Mas elas também mostram que existem divergências entre os militares e que um possível fator de unidade nas eleições de 2022 pode ser o enfrentamento de Lula, cada vez mais favorito para vencer.

Se realmente o Bozo se enfraquecer a ponto de se tornar um “pato manco”, restará ao vice-presidente e seu grupo uma candidatura ao Senado ou ao governo do Rio de Janeiro, o que poderá levar a um rompimento com o Bozo e uma aproximação com Moro.

Uma questão crucial para essas definições sobre as articulações e desdobramentos políticos será o resultado da PEC dos precatórios no Senado. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, joga um jogo diferente do presidente da Câmara. Além de ser um político com outras pretensões (disputar a Presidência da República em 2022), tem mostrado que não quer ser o tesoureiro-chefe do cofre das emendas do orçamento secreto. O que faz com que o cenário da tramitação da PEC no Senado seja bastante distinto daquele da Câmara.

É possível projetar duas trajetórias para essa tramitação. A primeira, menos provável, é postergar o seu andamento processual para que não seja votada em 2021. Seria a inviabilização da PEC e o enfraquecimento ainda maior do governo. Seria um embate frontal com o governo, não muito ao estilo do presidente do Senado.

A segunda, mais provável, é aprovar a PEC com restrições aos gastos fora do teto e eliminando as emendas de relator. As articulações com o líder do governo no Senado indicam que esse deve ser o caminho a ser seguido. Inclusive, já criaram o bode expiatório, com o anúncio pelo Bozo do reajuste dos servidores públicos e a imediata indignação da mídia e dos intelectuais liberais conservadores.

Essa tem sido a tática preferida do Bozo: joga no ar uma bondade e depois diz que foi o Congresso ou o STF que não o deixam governar e se fortalece com a sua base. Porém, na situação atual, corre o risco de ter a PEC muito restrita e com uma capacidade de gerar recursos inaceitável para o Bozo.

Daí a importância da sua filiação ao PL. Reforça sua base no Senado, enfraquece Arthur Lira e retoma uma boa parte da articulação do Executivo com o Congresso perdida recentemente.

Por último, é de se esperar uma maior agressividade do Bozo na pauta de costumes e identitária. O sucesso da viagem do Lula na Europa mostra claramente o isolamento do governo brasileiro. Não se pode acreditar em coincidência que a União Europeia anuncie pela primeira vez regras para a proibição da importação de produtos provenientes de terras desmatadas enquanto Lula era recebido com honras de chefe de Estado pelo presidente Macron, da França – que não é de esquerda. A vingança se come fria.
As recepções de Lula na Europa significam a sua reabilitação internacional e uma indicação tácita da preferência de que o Bozo não seja reeleito.

De qualquer modo, é bom botar as barbas de molho, pois o Bozo pode ser trocado pelo Moro, muito mais perigoso e bem-visto pela nossa elite neoliberal que não gosta de pobre, que tem horror a que empregada vá a Miami e que filho de porteiro não pode cursar universidade.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone 

Sobre o tema, clique aqui para ler o artigo “O capitão vai mesmo ser candidato à reeleição em 2022?”, de Reinaldo Guimarães.