As eleições de 2020 ocorrem num quadro de crescente desgaste do bolsonarismo. Esse fenômeno é mais visível nos grandes centros onde as pautas nacionais acabam tendo mais impacto e as disputas são menos fulanizadas.

A mídia tem dado destaque aos números absolutos de prefeituras vencidas por este ou aquele partido, avaliando um forte crescimento dos partidos do centrão. Essa leitura é errada, pois deveriam ser contados os grandes e médios municípios. Nestes, o que chama a atenção, é a derrota da maioria dos candidatos ligados a Bolsonaro, ainda no primeiro turno, e a recuperação da esquerda.

Em 2016, além de ter perdido São Paulo no primeiro turno, o PT disputou o segundo turno em quatro cidades, Recife, Juiz de Fora, Santo André e Santa Maria, perdeu nas quatro. O PSOL disputou três, Rio de Janeiro, Belém e Sorocaba e foi derrotado nas três. Este ano, o PT irá disputar em 15 cidades, o PCdoB em uma e o PSOL em duas, entre elas a importante São Paulo.

Nas capitais das regiões sul e sudeste, epicentro da vitória bolsonarista em 2018, o PT elegeu 19 vereadores, em 2016, e agora 22. O PSOL elegeu 16 em 2016 e agora 23. Somados, PT e PSOL passaram de 35 para 45 vereadores, o que mostra de forma clara a recuperação da esquerda e, por outro lado, que está mais plural. Embora o PT continue sendo o maior partido, a sua hegemonia no campo da esquerda não está mais dada.

Na direita tradicional também houve alteração e o DEM passou a ter um peso, no mínimo, semelhante ao PSDB.

Candidatos que reproduziram o discurso extremista de Bolsonaro foram invariavelmente derrotados, embora ele continue tendo uma base de massa. Luiz Lima no Rio e Mamãe Falei em São Paulo demonstram isso. A anti-política perdeu espaço e a política, seja pela esquerda, seja pela direita tradicional, retomaram o protagonismo. Esse é o principal balanço do primeiro turno.

Os resultados obtidos pelo PSB e PDT mostram que o discurso mediado, a opção pela despolarização, por candidaturas em tons de cinza, não é o melhor caminho. Marcio França e Martha Rocha não conseguiram chegar ao segundo turno nas duas principais cidades do país e nas capitais das regiões sul e sudeste o PDT fez apenas seis vereadores e o PSB três. Ambos apostaram em campanhas que gerassem baixa rejeição e dialogassem com parcelas do eleitorado conservador. A consequência foi a não construção de uma base mobilizada e firme capaz de alavancar a campanha. Os tempos continuam adversos para o centro político e a mediação.

Qualquer balanço que se faça sem conhecer os resultados do segundo turno será frágil. Os resultados eleitorais, particularmente em Porto Alegre, São Paulo, Vitória, Recife, Fortaleza e Belém, assim como em outras cidades de porte médio, vão permitir conhecer o tamanho da recuperação das esquerdas e o quanto o sentimento antiesquerda, por alguns chamado de antipetismo, ainda prevalece nas capitais.

Mesmo se for derrotada em Porto Alegre e São Paulo – cenários a princípio mais prováveis – significa um movimento de recuperação no peso das esquerdas, em alguns lugares sob uma nova direção. O PT continuará sendo um partido fundamental e os boatos sobre a sua virtual extinção são um tanto ou quanto exagerados. Na verdade, o partido precisa fazer uma transição geracional e tentar se conectar com as pautas emergentes que têm no PSOL seu principal canal de representação.

Chama a atenção a eleição de candidatas mulheres, LGBTs, transsexuais, negras e negros com ótimas votações em grandes cidades. Outra característica destas eleições foram as candidaturas de coletivos, muitas vezes atropelando candidaturas preferenciais das máquinas partidárias. Estes fatos mostram que pautas, às vezes chamadas pejorativamente de identitárias, vieram para ficar, porque dialogam com problemas reais e opressões cotidianas que não são mais toleráveis, em particular, para parcelas crescentes da juventude urbana.

Movimentos como o #elenão e o #viravoto em 2018 lançaram as sementes da retomada do protagonismo da esquerda e demonstram que a vitória começa a ser construída na forma como se lida com a derrota. Largar bandeiras pelo chão, moderar o discurso, diluir as diferenças com o adversário não são o caminho.