Há um certo tom de surpresa com o tamanho e o barulho da carreata de sábado contra o genocida. Pelo menos em Porto Alegre. A maioria talvez não esperasse que fosse tão forte.

Foi uma carreata vigorosa, alegre, embandeirada e barulhenta. E foi fracionada, com pedaços sem ligação entre si, como muitas vezes acontece nesse tipo de manifestação não muito comum nas esquerdas, que gostam de andar a pé.

Sinaleiras e paradas fazem com que uma carreata seja algo com um começo, um meio dividido em várias partes e um fim que não se sabe onde acaba.

Deu pra ver que o gaúcho perdeu um pouco da prática, ainda mais dentro de um carro (mas não acredito e não vi indícios, como alguns levantaram, de boicote da Empresa Pública de Transporte de Porto Alegre – EPTC para que a carreata não fluísse).

Mas talvez um comboio assim, meio quebrado, tenha valor até por isso, por ser uma manifestação que vai passando, em fatias, entrecortada, diante de quem olha de longe.

Quando as pessoas nas ruas e nos edifícios acham que a carreata terminou, ela continua, porque lá vem mais um bloco atrasado. E assim foi ontem em Porto Alegre.

Pode ter sido a primeira grande manifestação pró-impeachment. Que seja a primeira, mas que não se cometa o grande erro de manifestações anteriores.

Desde 18 de maio de 2017, o Brasil faz protestos intermitentes. Aquele de maio foi no dia seguinte ao da divulgação pelo jornal O Globo do grampo da conversa de Michel Temer com Joesley Batista, em que o jaburu pede que o empresário continue comprando o silêncio de Eduardo cunha (tem que manter isso, viu?).

Um bom pedaço do Brasil foi para a rua com fúria naquele dia, uma quinta-feira. A classe média achou que iria derrubar Temer, que não amanheceria presidente na sexta-feira.

O jaburu não caiu. E no dia seguinte, quando alguns (eu entre eles) esperavam que Temer fosse receber o golpe de misericórdia, com mais gente nas ruas, ninguém apareceu.

No dia 19, a Esquina Democrática, em Porto Alegre, tinha um caminhão de som e menos de cem pessoas em volta. A explicação mais usual até hoje é essa: como o jaburu não caiu depois das passeatas do dia 18, o povo se frustrou.

O brasileiro que havia derrubado Dilma era mais persistente do que o brasileiro que desejava derrubar o jaburu.

Desde então os movimentos de rua têm sido assim, acontecem num dia e no outro não há quase nada.

Os bravos estudantes da UFRGS promoveram a maioria das raras manifestações dos últimos anos em Porto Alegre.

No Chile, os estudantes saíram às ruas todos os dias a partir de outubro e até o início da pandemia, em março. Eram reprimidos com violência pelos carabineiros.

Mais de 400 perderam um olho pelos tiros de balas de borracha. Mas os estudantes voltavam e enfrentavam a repressão.

Até conseguirem a grande vitória, no plebiscito que garante a convocação da Constituinte que finalmente irá sepultar a Constituição pinochetista.

Aqui, Michel Temer declarou várias vezes que, depois do caso Joesley, achou que as ruas iriam derrubá-lo.

Ele pensou que as manifestações teriam continuidade. Mas a classe média teve fôlego para apenas um dia de protestos contra o chefe do golpe que comprava o silêncio do operador do golpe no Congresso.

E agora o que acontecerá depois das carreatas do sábado? Quando teremos de novo outra manifestação com esse formato, enquanto não dá pra sair às ruas a pé?

Foi um dia para reenergizar a luta pela democracia, que vinha sobrevivendo na internet. E agora, como muitos já repetiram, é preciso perseverar, mesmo que a tática das carreatas mobilize só a classe média motorizada.

As respostas devem ser dadas nas ruas, por enquanto de carro. O genocida testa há muito tempo a capacidade de mobilização dos que foram testados em 2017 e vencidos pelo jaburu.

***

Publicado dia 24/01/2021 no blog do autor: https://www.blogdomoisesmendes.com.br/o-que-vem-depois-das-carreatas/