As qualificações são variadas: desinvestimentos, aberturas de capital, limitações de controle acionário, reestruturações societárias, extinção de empresas, desestatizações, privatizações. As razões para ações dessa natureza vêm sendo repetidas há anos: ineficiência, prejuízos ao Tesouro Nacional, ocupação indevida de espaços que deveriam ser reservados à iniciativa privada, privilégios que a maioria do povo brasileiro desconhece concedidos a trabalhadores, necessidade de equilíbrio das contas públicas, atração de novos investimentos que venham a colaborar para o crescimento do país, entre tantos outros argumentos que, repetidos à exaustão, podem vir a ser considerados como verdadeiros.

Na década de 1990, época que marcou o início da nova onda de grandes privatizações no país, a moda publicitária foi apresentar as empresas estatais como elefantes, paquidermes que por onde passavam tudo destruíam. Usando a figura desse animal tão lindo que nem originário do Brasil é, os responsáveis de então por nosso país conseguiram privatizar, desestatizar, extinguir ou outra coisa semelhante, grandes empresas dos mais variados setores, como siderúrgicas, mineradoras, empresas de telefonia, bancos e financeiras, empresas de água e saneamento, distribuidoras de gás e de energia elétrica, apenas para citar o que me vem à memória neste momento.

Venderam a ideia de que o Estado devia cuidar apenas de saúde, segurança e educação, apesar de que na época a saúde já caminhasse a passos largos para a iniciativa privada com um verdadeiro boom de planos de saúde privados implantados e geridos por empresas nacionais e estrangeiras, o mesmo acontecendo com a educação e com a segurança.

A educação pública pouco a pouco foi sendo destruída pelo pagamento de salários aviltantes aos professores de todos os níveis e das esferas federal, estadual e municipal, redução sistemática de recursos para manutenção de unidades escolares e medidas afins. As escolas e universidades particulares proliferaram e o que era público passou, pouco a pouco, a ser sinônimo de ineficiência, ainda que quase sempre sem comprovação, graças à resistência e dedicação dos profissionais da área.

Ainda que estranho possa parecer, o mesmo aconteceu com a área de segurança. Afinal, a partir dos anos 1990 começaram a crescer em todas as grandes cidades do país essas verdadeiras pragas que são as milícias e os milicianos, que hoje controlam percentuais incríveis – quase que inacreditáveis – de áreas urbanas e suburbanas, em especial nas regiões sul e sudeste de nosso país. E o mais grave, todas elas com origem em organismos estatais de segurança, em especial nas polícias civil e militar e no corpo de bombeiros, estas últimas instituições militares por decisões tomadas no período da ditadura – 1964-1985. Assim, as instituições de segurança também foram sendo destruídas de todas as formas possíveis com baixos salários, instalações precárias, políticas de péssima qualidade que não protegiam nem a população nem a parcela responsável por, minimamente, assegurar a segurança da população. Daí para as milícias foi um pulo!

Em resumo: as ações dos anos 1990 e pedaços dos anos 2000 não cumpriram nenhuma de suas promessas nos campos econômico, social ou político. Ganharam apenas os mesmos de sempre: grandes banqueiros nacionais e internacionais, grandes empresas estatais estrangeiras e representantes da elite brasileira, sempre associados aos vencedores de todos os processos de empobrecimento nacional.

Passaram-se alguns anos, durante os quais esse processo de venda do país sofreu uma trégua, em especial durante o período 2003-2016. Mas depois de 2019 voltou com toda a força.

Em outro texto, gostaria de discutir algumas medidas do período acima mencionado que, mesmo sem serem caracterizadas como privatizações, também resultaram em alterações substantivas nas matrizes de alguns segmentos da economia nacional, caracterizadas como PPPs (parcerias público privadas) ou simples concessões de serviços públicos. Isto porque, em muitos casos, representaram fragmentações que ameaçarão por anos a prestação de serviços de forma contínua, com modicidade tarifária e com a qualidade com que devem ser permanentemente fornecidos. Um exemplo recente de fato execrável para a economia nacional foi o apagão no Amapá, onde uma empresa do setor financeiro está responsável por uma linha de transmissão que liga aquele estado ao Sistema Interligado Nacional. Mas isso são outros quinhentos e merece ser tratado com muito cuidado para que não venhamos a cometer injustiças.

O que esperar do futuro?

Podemos esperar o pior. Estamos submetidos a um projeto de destruição da economia nacional, no qual tudo que é público ou estatal deveria desaparecer. O grande comandante para levar esse plano adiante é um economista pouco conhecido, ex-aluno da Escola de Chicago na época de Milton Friedman, com medíocre passagem pelo Chile nos anos 1980, durante a ditadura de Augusto Pinochet, onde, além de algumas classes na Universidade do Chile, auxiliou o irmão do presidente Sebastián Piñera a implantar o atual sistema de aposentadorias daquele país, todo baseado num processo de capitalização e que resultou no enriquecimento de umas poucas famílias da elite chilena e de grandes banqueiros internacionais.

Tudo deverá mudar, caso a Constituinte chilena decida enterrar definitivamente o sistema e restabelecer a metodologia de repartição simples que ainda vigora em nosso país, apesar dos esforços do Sr. Paulo Guedes para eliminá-lo. Aliás, em pouco mais de um ano, o atual governo já destruiu muito mais do que podemos imaginar e ainda pretende destruir muito mais.

Em primeiro lugar, trata de destruir a Petrobras. Vende refinarias, dutos de gás e de distribuição de petróleo, plataformas e unidades de exploração de todos os tipos, inclusive do pré-sal, desativa unidades da empresa no exterior, faz o possível para apequenar no menor espaço de tempo possível a nossa maior empresa e a todo esse processo chama de desinvestimento.

Com velocidade semelhante destrói a Eletrobrás, aliás, o que restou da Eletrobrás. Com seu capanga Wilson Pinto, presidente da empresa, tenta descaradamente promover um processo de venda da estatal que arrecadaria cerca de R$ 16 bilhões, quando só os ativos da mesma somam mais de R$ 100 bilhões. E o processo, mascarado como uma operação de aumento de capital com redução da participação acionária da União, está eivado de ilegalidades com o objetivo de beneficiar alguns acionistas da empresa como os controladores da 3G do grupo Lehman. Talvez queiram transformar a Eletrobrás numa cervejaria!

Fazem inacreditáveis manobras com as ações da companhia com a total conivência da Bolsa de Valores e do órgão regulador, a Comissão de Valores Imobiliários – CVM. Diga-se de passagem, também se calam – claro – a Bolsa de Valores Americana e os órgãos de controle daquele país, já que as ações da Eletrobrás são negociadas na NYSE (Bolsa de Valores de Nova Iorque). E ao que tudo indica também nada será feito ou dito pela Bolsa de Valores de Madrid, onde a Eletrobrás também tem ações negociadas.

É fundamental não só barrar o processo como também levar o presidente da empresa e o ministro de Minas e Energia às barras dos tribunais.

Como se não bastassem esses exemplos, outras empresas estão na boca da caçapa. Correios, Casa da Moeda, portos importantes de todas as regiões do país, empresas de água e saneamento básico, enfim o que restou da destruição levada a cabo em décadas anteriores. Os argumentos são os de sempre. Os resultados também serão os de sempre: mais concentração de renda, piora na prestação de serviços públicos essenciais, aumentos tarifários desproporcionais aos rendimentos básicos da população brasileira, redução de nossa nação à condição de subordinação total às grandes potências mundiais.

Porém, caso não consigamos parar já com toda essa desconstrução, veremos mais, muito mais destruição. O plano dos atuais dirigentes do país prevê o fim das Universidades públicas e gratuitas, o fim da autonomia universitária, a aniquilação de centros de pesquisa que hoje são referências mundiais, a destruição da ciência, das artes e da cultura, um país triste.

Infelizmente, tudo leva a crer que os pobres elefantes serão novamente utilizados para empobrecer ainda mais o nosso país e a maioria de nossa população.

***

Ver sobre o tema das privatizações o artigo recentemente publicado: Privatização da energia elétrica …