Na semana do Copom, uma avaliação metodológica da política monetária do Banco Central

A questão fundamental que separa metodologicamente a economia da corrente principal (main stream economics), de agora em diante chamada de ortodoxa, da corrente minoritária ou heterodoxa é definir qual o propósito da análise econômica. Com essa extrema simplificação da diversidade de correntes existentes no debate econômico acadêmico, pode-se dizer que existem duas visões fundamentais diferentes.

A primeira defende que o objetivo da análise econômica é prever melhor o que acontece na economia e desenvolver melhores instrumentos para conduzir a economia em uma determinada direção. A segunda afirma que a análise econômica deve, antes de mais nada, ter como objetivo compreender e explicar como a economia funciona.

As teorias, portanto, não devem ser julgadas com base em seu poder explicativo, mas em quão bons instrumentos elas são para fornecer previsões corretas. A teoria dominante tem sua própria solução para o problema – ela introduz uma cláusula ceteris paribus, que busca supostamente reproduzir o ambiente natural da sua matriz metodológica derivada da física clássica.

Mas, se o modelo não reflete a realidade, como podemos nos beneficiar dele? A ‘simplicidade’ e a capacidade de levar a ‘conclusões claras’ é o aspecto mais relevante do modelo? Como podemos ter certeza de que o modelo abstrai os aspectos “essenciais” da realidade?

Se as simplificações forem do tipo restritivo, a teoria/modelo não pode ser adequadamente utilizada para explicar ou prever eventos reais. Se a suposição restritiva for removida, não podemos ter certeza de que as relações estabelecidas na teoria/modelo permaneçam.

A estratégia predominante da ortodoxia é construir modelos matemáticos e fazer as coisas acontecerem nesses “modelos da economia”, em vez de projetar coisas que acontecem nas economias reais. Isso deriva da visão teórica de que existem leis na economia. Não há leis universais na economia. As economias não são como sistemas planetários ou laboratórios de física.

Outra condição para regularidades semelhantes a leis é que a relação entre os mecanismos causais e os mecanismos no ambiente que os influenciam devem ser constantes. Mas a maioria dos sistemas reais que encontramos não atende a essas condições. São sistemas abertos cujas regularidades possíveis são transitórias, locais ou aproximadas.

Ser capaz de “manipular” as coisas em modelos não pode, por si só, ser suficiente para justificar uma escolha metodológica. Certamente é uma questão justa pedir esclarecimentos sobre o objetivo final de todo o esforço de modelagem.

Economistas ortodoxos constroem teorias e modelos matemáticos-formalistas fechados, com o objetivo de serem capazes de fornecer deduções supostamente rigorosas que podem de alguma forma ser exportáveis para o sistema de destino. Ao analisar alguns fatores causais em seus “laboratórios”, eles esperam poder realizar “experimentos mentais” e observar como esses fatores operam por conta própria e sem impedimentos que causem confusão.

De uma perspectiva realista crítica, heterodoxa, no entanto, a falta de habilidade preditiva da ciência econômica advém do fato de que as causas econômicas nunca atuam em um vácuo socioeconômico. As causas devem ser definidas em uma estrutura contextual para poder operar. Temos que construir nossos modelos com base em suposições que não sejam em contradição tão flagrantes com a realidade.

O que há de errado com a economia dominante não é que ela emprega modelos per se. O que está errado é que ela emprega modelos pobres. Eles – e as suposições simplificadoras para o tratamento matemático das variáveis nas quais eles se baseiam em grande parte são ruins porque não fazem a ponte para o sistema de metas do mundo real em que vivemos.

No Brasil, as consequências deste rumo metodológico é a política de juros implementada pelo Banco Central. É o modelo baseado nessas premissas metodológicas que induz a que se discuta o modelo e não os dados da realidade. O caso atual da manutenção da taxa de juros em valores altíssimos com todos os dados da realidade indicando que a pressão inflacionária já passou confirma esse ponto.

Uma de suas variáveis muito importantes do modelo de determinação dos juros para redução das previsões inflacionárias de curto e médio prazo é a expectativa que os agentes têm sobre a inflação e os juros. Um dos principais instrumentos para esta avaliação é a pesquisa de expectativas Focus/BC.

O problema, portanto, está em atribuir a responsabilidade pelo controle da inflação ao Banco Central e ao uso da taxa de juros de curto prazo para implementar esse objetivo, dado que as taxas de juros de longo prazo se ajustam muito lentamente. Qualquer esforço para aumentar as taxas de curto prazo implica necessariamente em empurrá-las acima da estável e fortemente inercial relação com as taxas de juros de longo prazo, invertendo assim a curva de juros.

A inevitável consequência é uma corrida para ativos líquidos de curto prazo e um colapso em quaisquer setores que levaram o aumento anterior nos preços dos ativos de capital: investimentos em aumento da capacidade produtiva, tecnologia e infraestrutura. Seguir-se-ia uma crise em qualquer parte do setor financeiro estava mais profundamente implicado na expansão anterior. Assim, a política de um aumento sustentado das taxas de juro de curto prazo foi – e é – inerentemente um vetor de crise financeira.

Como são os representantes do sistema financeiro que formam o conjunto pesquisado pela pesquisa do relatório Focus do Bacen que define as expectativas sobre o comportamento futuro da inflação, eles o fazem de acordo com as suas concepções teóricas formadas na metodologia da ortodoxia.

Portanto, a estrutura do modelo leva a que as expectativas de curto prazo, inflação, se sobreponha ao incentivo ao investimento de longo prazo em produção, tecnologia e infraestrutura que gera o desenvolvimento econômico e social. Essa é uma questão-chave da economia política. Um governo progressista e democrático pode manter essa estrutura de política monetária?

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
Leia também “Autonomia do Banco Central e metas para a inflação“, de Paulo Nogueira Batista Jr.