Está sendo cometido um verdadeiro crime contra o patrimônio público dos gaúchos e das gaúchas. O governo quer privatizar a Companhia Estadual de Energia ElétricaCEEE. Esse assunto não é novo. Desde o início de seu mandato, o governador Eduardo Leite (PSDB) vem adotando a política de acabar com o patrimônio público e retirar direitos dos servidores. Como tem maioria de aliados na Assembleia Legislativa, tem conseguido passar essas medidas sem muita dificuldade. Por isso, em 2019 ele fez aprovar uma mudança na Constituição Estadual para permitir que a CEEE pudesse ser privatizada sem a realização de um plebiscito. [NR: A Assembleia aprovou, em julho de 2019, por 39 a 13 votos, privatizações sem plebiscito. E no ano passado, Eduardo Leite foi autorizado a colocar à venda três empresas.]

Todos sabem que as empresas privadas de energia prestam um serviço muito ruim e mais caro que o das empresas públicas. Isso vemos no Rio Grande do Sul, com a RGE, e também vimos, há pouco, na tragédia do Amapá, que viveu os apagões tenebrosos durante muitos dias.

Depois de acabar com o plebiscito, o governador enviou à Assembleia os projetos de privatização e aprovou todos. CEEE, CRM (Companhia Riograndense de Mineração) e Sulgás (Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul) foram colocadas a leilão. Foi uma vergonha. A Assembleia deu um verdadeiro cheque em branco ao governo, ao aprovar os projetos que não indicavam como seriam feitas essas privatizações. Isso aconteceu no ano passado. Mas não bastava o governo fazer aprovar esses projetos de privatizações. Precisava também apresentar sua modelagem. É isso que está sendo feito agora. O governo contratou o BNDES para fazer essa modelagem. Para viabilizar a privatização da CEEE, o governo alega que precisa sanear as contas da empresa. É a lógica do mercado: quem é que vai querer comprar uma empresa e assumir suas dívidas? Eles só querem a parte boa. A parte ruim fica com o governo. Essa é a lógica que preside as privatizações aqui no estado, há mais de 20 anos. O governo atende os interesses do mercado. Faz tudo para que a privatização seja feita como o mercado quer, mesmo que prejudique a população.

A CEEE no papel é chamada de CEEE-Par, que é uma holding composta por duas empresas: a CEEE-D, responsável pela distribuição de energia, e a CEEE-GT, que faz a geração e transmissão de energia elétrica. Acontece que a CEEE-D tem uma dívida de R$ 4,4 bilhões em ICMS. Desses, o governo quer abater R$ 2,8 bilhões para poder privatizá-la. O mesmo governo que se queixa que não tem recursos, que não tem dinheiro, que está falido, vai abater R$ 2,8 bilhões para privatizar a empresa. Se o governo quer vender a CEEE, não seria justo que quem queira comprá-la assuma também a dívida? Mas não é assim que funciona.

O governo quer fazer uma manobra contábil ilegal para assumir a dívida e passar à iniciativa privada só a parte boa. Ele quer pegar esses R$ 2,8 bilhões de dívidas da CEEE-D e repassar para a CEEE-Par. Ou seja, para aquela parte que vai ficar com o Estado. Tudo para retirar a maior parte das dívidas da CEEE-D e facilitar a sua privatização. Mas para conseguir fazer essa transferência de dívida o governo precisa aumentar o capital da CEEE-Par no mesmo valor da dívida que vai ser assumida. São manobras financeiras, feitas em uma linguagem técnica para que ninguém entenda. É isso que acaba mantendo o povo afastado de decisões que são tão importantes para o estado e para a população.

Toda essa complicação, na verdade é muito simples: o governo fará uma oferta de novas ações da CEEE, no valor de R$ 2,8 bilhões, o mesmo valor da dívida a ser repassada para a parte da empresa que vai permanecer pública. Só que quem vai comprar essas ações é o próprio governo. Então, em uma só manobra, a CEEE-D fica limpa de dívidas, prontinha para ser entregue para a iniciativa privada. E o governo fica com a dívida.

O problema dele é que conforme o Código Tributário Nacional isso tudo precisa passar pela Assembleia Legislativa; tanto a extinção da dívida quanto o aumento de capital. A lei que a Assembleia aprovou para autorizar a privatização da CEEE não diz em nenhum lugar que fica autorizado o aumento de capital da empresa para compensar dívidas.

Qualquer ato unilateral do governo que abra mão de dívidas da CEEE ou que promova aumento de capital para compensá-las é absolutamente ilegal se não passar pela Assembleia Legislativa. Sem isso, o governador incorrerá em crime de responsabilidade. A Lei 1.079, em seu artigo 11, diz que negligenciar arrecadação de rendas, impostos e taxas, bem como a conservação do patrimônio público é crime de responsabilidade.

Se o governo pode fazer todo esse esforço para sanar a dívida da CEEE, por que quer privatizar a empresa? Por que não fazer isso para manter a empresa pública e fortalecer e melhorar o serviço prestado à população? Isso é uma opção política e ideológica do governador Eduardo Leite. É o DNA da direita, é o DNA do PSDB: entregar tudo que é público, nem que para isso o Estado arque com o prejuízo, para que a iniciativa privada receba o filé.

A CEEE não é uma empresa inviável que precise ser vendida para que tenha condições de seguir prestando serviços à população. A CEEE tem mais de R$ 8 bilhões para receber do governo federal. Esse valor representa mais que o dobro de todos os ativos da empresa. Isso está sendo cobrado na Justiça. Quando o governo federal pagar esse dinheiro, quem o receberá?

É uma vergonha que o Rio Grande do Sul não tenha um governador que atue com firmeza em defesa do Estado e dos interesses do povo. Que vá a Brasília cobrar do Bolsonaro e do Guedes essa dívida que não é apenas com a CEEE, é com todo o estado, para o bem de toda a população. Mas o que se vê é o contrário: é sua atitude servil diante dos interesses do mercado. O processo de privatização da CEEE está podre, repleto de ilegalidades e precisa ser parado. Mas sem a pressão da sociedade nós vamos perder a CEEE. É hora de nos mobilizar.

NR: A Companhia Estadual de Energia Elétrica foi criada no início do governo de Leonel Brizola. Em 11 de maio de 1959, com três meses de governo, depois de infrutífera negociação para que a norte-americana Bond & Share melhorasse o atendimento e expandisse o fornecimento de energia no estado, o governador expropriou a filial local da multinacional e criou a estatal CEEE. Em 1962, Brizola nacionalizou também os serviços e bens da Companhia Telefônica Nacional (CTN), filial da International Telephone & Telegraph (ITT) e criou a Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT). Antônio Britto (PMDB) privatizou a CRT em duas etapas, em 1996 e 1998.

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