Desde bem pequena, Amélia queria ser professora. Orgulho para os pais numa época em que o futuro de uma mulher era ser esposa, doméstica, freira ou professora. Melhor a última opção, que lhe garantiria alguma independência.

Fez escola normal. Conseguiu uma vaga no internato de uma escola de prestígio. Compensava a caridade trabalhando como dama de companhia de algumas freiras. Lembra-se como bons momentos.

O primeiro trabalho foi em presídio. Alfabetizando. O clima era tenso, mas nunca teve problemas por lá. Era tratada com respeito pela maioria. Indiferença pela minoria. Sentia-se importante pelo que fazia. Mas não contava para ninguém. Sabia que a reprovariam por ensinar algo a bandidos.

O tempo de presídio durou pouco. Havia sempre alguma professora nova para mandar para lá. Espécie de filtro pós-concurso. Quem aguentar aquilo, aguentaria qualquer coisa, pensavam. Amélia descobriu que não era bem assim.

Ganhava menos que gente que estudou menos do que ela. Talvez por ser tida como profissão de mulher, não faria sentido pagar muito. Continuou estudando, crente no que ensinava a seus alunos de que o futuro depende dos estudos de cada um. Volta e meia algum aluno, pai ou mãe lhe esfregavam na cara que era uma fracassada porque ganhava mal.

Uma vez, pediram sua opinião sobre uma campanha para valorizar a leitura e o estudo. Seria estrelada por ídolos da juventude. Jogadores de futebol, cantores e youtubers. Nenhum deles tinha escrito um livro. Como aprendeu que se não tiver nada de bom para dizer, melhor não dizer nada, nada disse.

Greves foram muitas. Nas primeiras que participou, alunos e pais apoiavam. A polícia batia. Nas últimas, a polícia não aparecia, exceto se fechassem uma rua. Poucas coisas são mais sagradas que o trânsito. Agora, quem bate são os pais e alunos.

Foi ameaçada algumas vezes. No começo não levava a sério. Era só mais uma aporrinhação, não maior do que a burocracia e as pessoas ressentidas que lhe atravancavam a vida.

Com o tempo, a coisa foi ficando séria. Além de caras feias, vieram intimidações e xingamentos. Chamou os pais quando a coisa pareceu ter ultrapassado os limites. Foi pior. Também a intimidaram.

Aprendeu que essa coisa de limites não existe. Passou a ser ameaçada de morte por causa de notas de matemática ou português. Difícil de entender. Como quem não liga para o que se aprende na escola pode querer matar alguém por causa de uma nota que lhe diz que nada aprendeu?

Quando um aluno lhe esmurrou na frente da turma que filmava para colocar nas redes, pensou em largar a profissão. Foi cobrada por permitir que aquilo acontecesse. Os pais a culparam pelos filhos serem o que são. Forte, aguentou sozinha.

No dia do professor, recebe pelas redes mensagens sobre a importância do professor, dos estudos, do conhecimento. Parecem vir de outros tempos. De outro lugar. De outra gente. De onde humanidade significa alguma coisa. Os lê com nostalgia. Esperançosa de um dia, quem sabe, voltar a ensinar sem sentir medo.