O mercado financeiro, a imprensa e a oposição política ao governo adotaram uma agenda obsessiva, de uma nota só, sobre os gastos do governo e o famigerado déficit público. Ficou insuportável a interminável repetição desse mantra nos jornais e meios de comunicação.

Infelizmente, não existe debate sério sobre o assunto. Tal diagnóstico não tem respaldo em referências internacionais, não há paradigmas. As opiniões não são balizadas. A impressão é de um monte de papagaio de pirata falando superficialmente sobre dogmas.

Seria isso um argumento para justificar a manutenção da elevadíssima taxa de juros de referência (Selic) no patamar de 10,5% a.a. até o final do ano, quando termina o mandato da maioria bolsonarista do Copom no Banco Central do Brasil? Será isso mesmo? Se for, essa tática certamente estaria inserida na estratégia da oligarquia, do mercado financeiro e da oposição de desestabilização do governo de turno. Nada republicano.

Vamos aos fatos.

Primeiramente, não é certo que em 2024 exista descontrole orçamentário do governo e nem tampouco que o déficit fiscal aponte para níveis insustentáveis de descontrole das finanças públicas. O déficit fiscal primário encontra-se em níveis plenamente administráveis. Foi orçado para 2024 em R$ 70 bilhões (0,6% do PIB) e a mais recente sondagem Focus aponta para uma nova previsão de 0,70% do PIB. a relação dívida bruta/PIB (da ordem de 75,7% em março/2024) está em linha e até mais baixa do que muitas referências internacionais(inúmeros países em desenvolvimento e desenvolvidos). Além disso, nossa dívida pública é em moeda nacional, existindo USD 350 bilhões de reservas líquidas (abril/24) que não entram na conta.

Em segundo lugar, não é verdade que a inflação está a ponto de sair de controle por causa do pequeno déficit primário projetado para 2024. A inflação brasileira é gerida por um sistema de metas estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que é composto pelo ministro da Fazenda, ministra do Planejamento e presidente do Banco Central do Brasil. A meta de inflação para 2024 era de 3% dentro do intervalo de 1,5% a 4,5%. Em maio/24 o IPCA dos últimos 12 meses atingiu 3,93%, dentro do intervalo projetado. É de responsabilidade do Banco Central do Brasil a operacionalização e acompanhamento das políticas fixadas pelo CMN.

Em terceiro lugar, não existe, presentemente, na economia brasileira, nenhum problema inadministrável de escassez de oferta e nem de excesso de demanda agregada que possam pressionar a inflação a ponto de tirá-la do controle, nem mesmo as recentes enchentes do Rio Grande do Sul que prejudicaram a economia gaúcha.

Em quarto lugar, quase não se fala do déficit nominal (que inclui o pagamento dos juros da dívida pública), da ordem de 9% do PIB, significativamente afetado pelo elevado nível da Selic (que nos coloca como o país com a mais elevada taxa de juros real do mundo). Esses juros, sim, afetam negativamente, e muito, o potencial crescimento econômico pela redução da capacidade de investimento do governo, a níveis irrisórios de 2% do PIB.

Em quinto lugar, não é verdade que a política monetária operacionalizada pelo Banco Central do Brasil seja eminentemente técnica, isenta e transparente. É evidente que o caráter ideológico permeia suas decisões e narrativas econômicas. Elas são levadas a cabo com base em modelos (todos caixa preta) e em pesquisas de expectativas. É sabido que os modelos matemáticos, quando usados em ciências sociais, não são capazes de produzir resultados precisos e confiáveis. Isso porque as premissas simplificadoras que lhes são impostas não são necessariamente válidas/verdadeiras. Por outro lado, o Banco Central do Brasil faz pesquisas de opinião exclusivamente junto ao mercado financeiro, que não produz bens e, portanto, não participa da formação de preços na economia. Assim, as respostas do mercado financeiro às sondagens são todas pautadas pelo dogma do risco fiscal, e não sobre expectativas de preços da economia. Nesse sentido, quem termina determinando a taxa de juros Selic no Brasil é o mercado financeiro, cujo desejo é de que a taxa real de juros seja, sempre, a mais elevada possível.

Em sexto lugar, na letra da lei que criou sua autonomia, o Banco Central do Brasil é responsável pela fiscalização do mercado financeiro, pela inflação e pelo emprego. Assim, a rigor, não deveria tratar de política fiscal, mas sim, exclusivamente de política monetária. É certo que, no mundo atual, elas são indissociáveis, mas juros elevados seguramente prejudicam tanto o equilíbrio fiscal como o emprego. É fora de propósito manter uma taxa referencial de juros tão elevada sem real necessidade.

Em sétimo lugar, é importante entender que nem sempre o combate à inflação é bem sucedido com a elevação da taxa de juros. Nos dias atuais, em que a inflação está dentro da meta, a justificativa para a manutenção da taxa Selic passou a ser única e exclusivamente o risco fiscal, o que é falso.

O Banco Central do Brasil conquistou sua autonomia, mas, no fundo, opera como se tivesse virado um ente independente. Muitas vezes atua como se fosse um quarto poder, sem massa conceitual, sem transparência e com poder exorbitante. Modelos matemáticos sofisticados dão a aparência de rigor científico, mas poucas vezes funcionam por força de suas premissas irrealistas e simplificações absurdas. São todos confidenciais? Que tal dar acesso aos mesmos para quem tenha interesse e conhecimento para um escrutínio, a exemplo do que foi feito pelo TSE em 2022, em relação às urnas eletrônicas?

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e Revisão: Celia Bartone
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