Tudo começou no início de 2022, após as forças aéreas estadunidenses terem divulgado dados e vídeos de supostos discos voadores. Por ter sido feita na primeira audiência pública do Congresso Americano sobre o assunto em 50 anos, esta divulgação acabou gerando uma onda de opiniões, inclusive de cientistas, a respeito do assunto.

Nas últimas semanas, quando qualquer balão meteorológico ou “espião” vem sendo, estranhamente, chamado de OVNI, a boataria e as fakes parecem não ter limites. Parte da população agora tem certeza de que os ETs estão por aqui.

Mas o que há de realidade em tudo isso? Por que diabos os governos resolveram, agora, estimular a crença na existência de extraterrestres?

Bom, antes de tudo, precisamos fazer uma importante ressalva. Neste texto, não discutimos se há algo semelhante ao que entendemos por vida em galáxias distantes. Essa é uma linha séria de pesquisa acadêmica que vasculha o universo atrás de locais que guardem as condições necessárias ao surgimento da vida, quiçá por algum mecanismo análogo à evolução.

Aqui nos referimos a discos voadores, ou seja, a naves tripuladas por seres de outros planetas. Nada a ver com a busca das condições descritas acima. Também não falamos em OVNI porque essa sigla tem sido usada para incluir tudo que é objeto aéreo (tipo balão) ou fenômenos atmosféricos não identificados, sejam eles uma nuvem estranha ou uma descarga elétrica diferente. Evitamos assim provocar uma turbulência na informação semelhante à que se dá quando governos como os dos Estados Unidos e do Canadá se referem à sigla (no caso, UFO).

Nesse sentido – e indo direto ao ponto: não há qualquer evidência científica que aponte para a existência de tais naves espaciais. Não há naves conservadas em galpões da NASA ou das forças aéreas estadunidenses, brasileiras, de Cuba ou de qualquer outro país. Também não há corpos de aliens provenientes de acidentes com essas naves em Varginha, na Chapada Diamantina ou em qualquer outro local do mundo. Nunca houve! Não há trabalhos científicos que reportem dissecções de cadáveres extraterrestres, nem que apresentem argumentos passíveis de repetibilidade, falseabilidade, comensurabilidade etc.

Você consegue imaginar pesquisadores segurando informações sobre aliens em seus laptops, sem divulgar isso em revistas científicas? Você consegue imaginar revistas científicas, hoje fortemente comerciais, evitando publicar tamanha novidade? Veja, não é incomum a ideia de um conluio global para esconder tais naves. Mas imagine Estados Unidos, Venezuela, Israel, Palestina, Rússia e China sentados à mesa para discutir como esconder mais um acidente interplanetário…

Trata-se de um cenário totalmente implausível, ainda mais hoje em dia quando, por algum motivo sombrio, os próprios governos parecem querer, a todo momento, insinuar a sua existência, usando balões chineses. Por que não simplesmente mostrar as provas?

A existência de extraterrestres e suas naves espaciais é tão científica quanto são o pé-grande, o monstro do Lago Ness ou o chupa-cabra. Claro, especulação e opinião são boas e fundamentais para a nossa relação com o mundo. Devemos ser livres para pensar e esticar os limites da razão. Afinal, nem tudo é passível de ser investigado dentro da perspectiva da ciência.

Algo pode não ser científico, mas existir. Por mais estapafúrdia que seja a crença, se ela não se materializa, acaba também não fornecendo provas de sua inexistência. Justamente por isso, uma das tarefas mais difíceis para cientistas é defender a inexistência de algo ou se contrapor à famosa e traiçoeira pergunta: “por que discos voadores não poderiam existir?”. Para um cientista que não conheça filosofia, essa pergunta é uma verdadeira sinuca de bico, afinal, a princípio, tudo pode existir. Mas vale a pena acreditar em algo só porque esse algo não é impossível?

Independentemente da resposta, o importante é sabermos que o território onde entramos com essa e outras perguntas similares é o da fantasia, da imaginação e da especulação. Não estamos mais falando de ciência. Embora isso pareça claro, muita gente se confunde nesse ponto, em especial quando as especulações partem de cientistas.

Em tempo, cientistas, sejam eles químicos, biólogos, físicos ou matemáticos, adoram debates. Nessa hora, eles usam o repertório que têm à mão e isso é ótimo. Entretanto, o fato deles debaterem, mesmo quando se baseiam em teorias bem estabelecidas, não confere ao assunto o grau de ciência. Até que se prove o contrário, tais teorias funcionam como ferramentas científicas usadas para se especular com um pouco mais de base técnica.

Astrofísicos e matemáticos, por exemplo, tendem a especular sobre vida extraterrestre com base em discussões sobre o espaço-tempo; enquanto biólogos especulam, traçando paralelos com as hipóteses sobre o surgimento da vida na Terra. Acontece que, por mais que tais especulações carreguem jargões acadêmicos e firmem seus pilares em teorias consolidadas, nada disso coloca seres similares ao ser humano no comando de naves interplanetárias.

Recentemente, em uma discussão com amigos, um colega da bioquímica afirmou que, como há “bilhões e bilhões de galáxias, a probabilidade seria quase nula de não haver vida. Então, por que não crer em ETs?”

Bom, para começar, como já visto, imaginar a existência de algo similar à vida em outras galáxias é uma coisa, pensar em ETS pilotando naves aqui na Terra é outra totalmente diferente. Além disso, essas “certezas” probabilísticas carregam muitas armadilhas! A equação de Drake, o Paradoxo de Fermi e tantas outras fórmulas usadas para estimar o número de planetas com vida em nosso Universo jamais alcançaram o grau de científicos. Isso porque o número documentado de vezes que a vida surgiu, ou seja, uma vez, não confere consistência e base estatística para qualquer cálculo. Como muito bem expresso pelo astrofísico teórico americano Ethan Siegel: “Até que tenhamos mais informações, não se deixe enganar pelas manchetes: não são estimativas brilhantes ou trabalhos inovadores. É suposição, na ausência de qualquer boa evidência. Não é assim que se faz ciência. Na verdade, até que tenhamos melhores evidências, não é ciência, de forma alguma.” *

Mais uma vez, não há mal algum em especular, mas é importante colocar as coisas nas caixinhas certas. Ciência precisa ser verificável, falseável, ter consistência lógica etc. E isso tudo esconde uma pergunta que, de certa forma, pode ser considerada ainda mais interessante: por que diabos então esses governos estão chamando balões e drones de OVNIs?

O filósofo francês Bruno Latour chama de escapismo o ato de alimentar a ideia de que podemos destruir o planeta à vontade e nos safar ilesos. Essa ideia se materializaria em duas vias. A primeira, pela defesa de uma resiliência infinita do planeta. Boa parte do negacionismo científico na área do aquecimento global serviria a esse fim. A segunda, pela crença na possibilidade de colonizarmos outro planeta e, nesse sentido, a recente moda de envio de multimilionários para o espaço se encaixaria como uma luva.

Tudo isso seria particularmente interessante para um determinado segmento da sociedade, que ganharia duas vezes ao longo do processo. Primeiro, sugando nossos recursos naturais sem freio e depois, conseguindo financiamento para seus megaprojetos interplanetários. Se esticarmos um pouco a tese de Latour, veremos que pode ser bem conveniente para esses segmentos da sociedade estimular a crença na existência de ETs. Afinal, se eles conseguem vir, nós conseguimos ir.

Por menos tangível que seja a ideia de Latour, fica, evidentemente, uma pulga atrás da orelha. Poderia algo parecido só que mais simples estar acontecendo? Sabemos muito bem o poder que o medo gera e como ele pode ser capitalizado. Sabemos a força que um inimigo comum pode ter. Sabemos o tamanho, a importância e o poder da indústria bélica e da aeroespacial.

De uma forma ou de outra, em tempos de negacionismo científico e crescente perda do contato com a realidade, parece ser cada vez mais necessário o estímulo ao desenvolvimento de nosso senso crítico. Temos também que cuidar para que nossos desejos não moldem demais as nossas percepções do mundo e nossos referenciais éticos. Caso contrário, metáforas quase reais como as apresentadas na recente paródia “Não olhe para cima” se materializarão cada vez mais frequentemente até que estejamos imersos na mais profunda distopia.

*https://www.forbes.com/sites/startswithabang/2018/06/26/no-we-cannot-know-whether-humans-are-alone-in-the-universe/

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone 

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