O novo nazifascismo ao vivo e em cores

Quando iniciei este artigo, pouco após a posse de Trump 2.0, comecei alertando: alguns podem pensar que é puro exagero a simples ideia de tomada do poder por Trump, já que ele teve uma vitória retumbante nas eleições presidenciais contra Kamala Harris.

Agora, não creio que haja mais qualquer dúvida neste sentido.

Entretanto, esse artigo continua com o objetivo principal de alertar para a essência, insisto, a essência do período que se inaugura, para o mundo ocidental e nosso país, com a chegada de Trump a essa nova presidência, e os riscos para a democracia liberal americana e demais democracias ocidentais, inclusive a nossa.

A tomada do poder por Donald Trump e o moderno nazifascismo

É fundamental, desde o início, registrar com clareza o cerne do significado desses acontecimentos, para além do que, com raras exceções, fazem crer muitos acadêmicos e analistas, com sua linguagem rebuscada que se perde na miríade de aspectos de um evento complexo como essa posse de Donald Trump, na presidência da maior potência econômica e militar do ocidente.

E o cerne do significado da tomada do poder por Trump e sua entourage é a chegada do moderno nazifascismo à presidência e ao governo dos EUA. Sobre isto, vale a pena registrar os alertas de Dorrit Harazim, que seguramente não pode ser acusada de esquerdista, em seu artigo “A ameaça que a ‘arquitetura cívica’ de Trump representa”.

No artigo, a autora nos lembra que “foi no apagar de seu primeiro mandato, em dezembro de 2020 … que Trump emitiu um decreto sobre… arte e arquitetura. O documento determinava que a edificação de qualquer prédio novo do governo federal deveria seguir “o estilo clássico“ da “arquitetura tradicional”. E elogiava as edificações da Grécia e de Roma na Antiguidade, por “duradouras” e “úteis””.

Conforme Harazim, a “gritaria de várias correntes artísticas” contra esse decreto denunciou que “o neoclassicismo nos Estados Unidos está diretamente ligado à edificação da branquitude… Enterrado por Joe Biden em 2021, o malfadado decreto retornou com força logo na primeira leva assinada por Trump nesta semana”.

E termina o artigo com esse alerta: ““O intelecto arruína o cérebro”, garantia Joseph Goebbels às massas na Alemanha de 1935. Ciência pura, dissenso, intelecto, arte, humor, diversidade cultural têm pouca utilidade para o projeto Maga de Trump – Make America Great Again. É bom ter medo de sua “arte cívica””.

Por isso, como se verá, é importantíssimo gritar e demonstrar para o mundo que a posse de Donald Trump e sua entourage (melhor dizendo, quadrilha), na presidência dos EUA em janeiro de 2025, teve todas as características de uma tomada do poder por Trump e seus seguidores, e é o exemplo mais acabado da versão atual de instalação no poder do moderno nazifascismo.

É disso que se trata: a instalação do moderno nazifascismo no poder da maior potência econômica e militar do ocidente.

Para explicitar esta essência nazifascista é necessário, como veremos no próximo bloco, destacar certas medidas objetivas tomadas por Trump desde o dia de sua posse, bem como seu método personalista, patológico, violento e ditatorial de governar, para dentro e para fora dos EUA, por meio de mentiras doentias, ameaças e decretos (ordens executivas, etc), à revelia do Congresso americano, da Constituição e da metade dos eleitores que votou contra ele. Aliás, método que é dele e dos acólitos que colocou no governo, à frente Elon Musk.

A compreensão desta natureza explicitamente nazifascista do governo Trump 2.0 é essencial, para que se possa combater corretamente o moderno nazifascismo que vem há tempos se desenvolvendo e se impondo em diversos países, inclusive no nosso (“A onda fascista encobre a Europa”), e agora se instalou em sua forma mais acabada no governo dos EUA.

É fundamental que se perceba que já não se trata mais de uma “direita”, ou mesmo de uma “ultradireita”, mas da versão moderna do nazifascismo redivivo, e tão perigoso quanto seu original.

Também não podemos nos iludir com as declarações expansionistas de Trump e supormos que se trata apenas de bufonaria para uma versão moderna do imperialismo americano.

Para evitarmos quaisquer ilusões, também é importante que se perceba que o moderno nazifascismo tem amplas diferenças estruturais e organizacionais com o nazifascismo original, haja vista as profundas diferenças entre nossa época e os anos 20, 30 e 40 do século passado.

Entretanto, é no plano funcional que algumas semelhanças fundamentais são marcadores importantes, que nos permitem definir como nazifascistas certas dinâmicas políticas atuais, como a tomada do poder por Trump e sua entourage.

Sobre essas semelhanças funcionais, vale a pena acompanhar a série documental “Hitler e o Nazismo: Começo, Meio e Fim”, na Netflix.

Tais semelhanças são particularmente evidentes, nos Episódios 1 e 2 da série, quando se compara a ascensão, a campanha e a eleição de Trump 2.0 com a ascensão, a campanha e a chegada de Hitler ao poder.

O moderno nazifascismo trumpista

A ascensão de Hitler ao poder se deu com base:

  1.  no sentimento de revolta e humilhação da sociedade alemã, resultante da derrota na Primeira Guerra e das condições escorchantes a que foi submetida pelos vencedores;
  2.  no nacionalismo e xenofobia radicais daí decorrentes;
  3. na crítica feroz à República de Weimar;
  4. num discurso que tinha como centro “fazer a Alemanha grande de novo” (atenção para a coincidência!); e
  5. na escolha de um inimigo preferencial, o povo judeu, responsabilizado por todo tipo de problemas e dificuldades da sociedade alemã de então.

Foi assim que Hitler dominou completamente o “Partido Alemão dos Trabalhadores”, futuro “Partido Nazista”; criou e liderou um movimento nazista de massas; criou as “Sturmabteilung” (“Destacamento Tempestade”, as temíveis “SA”), depois as “Schutzstaffel“ (“Tropa de Proteção”, as “SS” ainda piores); dominou o parlamento alemão em março de 1933, quando, já então Chanceler, recebeu do Reichstag plenos poderes; e criou um Ministério da Propaganda, chefiado por Joseph Goebbels, que foi a alma do regime nazista.

Também Trump chegou ao poder, agora, com base:

  1. no sentimento de revolta e humilhação de grande parte da sociedade americana empobrecida e desempregada devido à hiper globalização da economia e das empresas americanas, consequência do neoliberalismo e do acelerado e disruptivo desenvolvimento tecnológico das últimas décadas, e da acelerada e disruptiva reorganização estrutural, organizacional e funcional da economia dos EUA e da oferta de empregos;
  2. no nacionalismo e xenofobia radicais daí decorrentes;
  3. na crítica feroz ao sistema político e eleitoral americanos, que tem como base a acusação reiterada de que sua derrota para Biden em 2020 foi fraudada;
  4. num discurso que tem como centro “fazer a América grande de novo” (atenção para a coincidência!); e
  5. na escolha de um inimigo preferencial, os imigrantes, responsabilizados por todo tipo de problemas e dificuldades da sociedade americana atual.

Foi assim que Trump em sua ascensão, à semelhança de Hitler, dominou completamente o Partido Republicano; criou e liderou um movimento de massas com características nazifascistas, porque apoiado em um nacionalismo paranoico, xenofobia, racismo e supremacismo branco, homofobia, antifeminismo, anticultura e contrário a todas as ideias de diversidade e inclusão; e venceu as eleições, dominou o governo e o Congresso americanos.

Assim, Trump retornou à presidência como o grande salvador e vingador do segmento da sociedade americana que o elegeu.

Talvez alguns estejam respirando aliviados, pois, apesar de sua veia explicitamente arrogante, nazifascista, ditatorial e violenta, Trump até agora não deu sinais de criar um Ministério da Propaganda nem algo similar às SA ou SS. Lamento, mas aqui cabe lembrar o que já mencionamos anteriormente. É no plano funcional, e não no organizacional, que o moderno nazifascismo pode ser identificado por sua semelhança com seu original.

Trump já criou seu Ministério da Propaganda logo que assumiu, ao compor o que eu nomearia como seu Comitê Goebbels, integrado por seus reverentes súditos e bilionários donos das Big Techs, com destaque para dois desses elementos, Mark Zuckerberg e Elon Musk (“A foto que exibe o ‘bromance’ dos barões das big techs com Trump”).

Mark Zuckerberg, dono da Meta e do WhatsApp, Facebook e Instagram, em 07.01.2025 “anunciou que está abandonando o uso de checagem independente de fatos no Facebook e no Instagram”. Já Elon Musk, notório dono do X (ex-Twitter), faz questão de garantir a mais ampla “liberdade de expressão” em sua rede.

Ambos defendem a total ausência de qualquer regulamentação que signifique impor alguma responsabilidade a essas empresas pelo que é publicado em suas redes.

Assim, se considerarmos que os algoritmos de gestão dessas redes definem o grau de alcance do que é nelas publicado, conforme os interesses de seus proprietários, fiéis súditos de Trump 2.0, é fácil percebermos que aí está seu Ministério da Propaganda.

Quanto ao equivalente às SA e SS, que tanto contribuíram com Hitler em sua ascensão, com o uso da violência sistemática contra seus inimigos, particularmente os judeus e comunistas, Trump logo tratou de promover seus modernos similares, na figura das muitas milícias americanas de caráter racista e supremacista branca, indultando todos os cerca de 1.500 acusados e condenados pela invasão do Capitólio em 06.01.2021, quando cinco pessoas morreram. Entre os beneficiados estavam os líderes dos grupos de extrema direita Oath Keepers e Proud Boys, que estavam cumprindo longas penas de prisão.

Ao fazer isto, Trump explicitamente autorizou que todas as milícias desse tipo atuem, com a violência que lhes é peculiar, na defesa dos próprios interesses dele, à semelhança de como as SA e SS atuaram em defesa dos interesses de Hitler.

Mas, além disto, esse tipo de terror como instrumento de dominação foi institucionalizado por Trump 2.0 na perseguição porta-a-porta aos imigrantes pela ICE (Immigration and Customs Enforcement), além da decisão de enviá-los para uma prisão na Base Militar de Guantánamo, em Cuba, o que já teve início.

A prova definitiva do nazifascismo trumpista

A grande vantagem dos analistas com Trump é que este não tem papas na língua, e fala abertamente de seus planos por mais criminosos que sejam.

E foi assim, numa entrevista coletiva em 04.02.2025 com o notório nazifascista Benjamim Netanyahu, que Trump revelou ao mundo, com todas as palavras, a prova definitiva de seu nazifascismo: os EUA vão expulsar os palestinos de Gaza, assumir o controle da área e fazer ali a “Riviera do Oriente Médio”. Essa ideia é tão criminosa, que até os comentaristas internacionais da Globonews, normalmente tão contidos e polidos, descreveram esse absurdo como “limpeza étnica” e “crime contra a humanidade”.

E, apesar das fortes reações contra esse projeto, vindas de todas as partes do planeta, nos dias seguintes Trump o reafirmou detalhadamente.

Mas o caráter criminoso deste projeto de Trump parece ser ainda mais hediondo, pois, por detrás dessa ideia pode haver um projeto imobiliário da família para a Faixa de Gaza, conforme várias matérias sobre o tema (“Ideia de construir ‘Riviera’ em Gaza remonta ao genro de Trump, Jared Kushner”).

“Um imóvel à beira-mar de Gaza poderia ser muito valioso”, disse Kushner, que certa vez descreveu todo o conflito árabe-israelense como “nada mais do que uma disputa imobiliária entre israelenses e palestinos” em um evento em Harvard em fevereiro de 2024.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
Leia também “Novo regime político nos Estados Unidos“, de Reinaldo Guimarães.