Não seria exagero dizer que 2022 será o “primeiro ano do resto de nossas vidas”, para o bem ou para o mal. Será o momento de a sociedade brasileira decidir se prefere aprofundar sua aposta em um projeto ultraliberal, autoritário e conservador ou se irá apostar numa mudança de rumos, reorientando a estratégia para uma concepção de desenvolvimento mais democrática, socialmente inclusiva e ambientalmente sustentável. Colocada desta forma, a escolha parece simples. No entanto, se as eleições de 2018 nos ensinaram alguma coisa é que, para uma parcela considerável da população, até o óbvio parece ser uma “escolha muito difícil”. Talvez uma análise dos principais determinantes de 2022 nos ajude a entender o desafio que se impõe para a sociedade brasileira.

No campo da economia, há algum consenso entre analistas de que o ano de 2022 será marcado pelo baixo crescimento, altas taxas de juros e inflação persistente, muito provavelmente acima da meta. De acordo com o boletim Focus do Banco Central, o crescimento do próximo ano deve se situar próximo de 1,2%, com a Selic alcançando 10,5% e a inflação, cujo centro da meta será de 3,5%, próxima a 4,5%. Há previsões muito mais pessimistas do que a mediana das instituições consultadas, com destaque para a MB associados, que aposta em crescimento zero, e ao banco Itaú, 2022: O primeiro ano do resto de nossas vidas que prevê uma recessão de 0,5%.

Motivos para o pessimismo não faltam. Se a economia brasileira foi uma das que melhor lidou com a fase mais aguda da crise econômica/social em 2020, foi também uma das que mais sofreu com a saída da pandemia em 2021, em grande medida por graves equívocos na condução da economia por parte do governo Bolsonaro. Em 2020, por pressão da oposição e do Congresso Nacional, o Brasil abandonou momentaneamente suas regras fiscais e adotou um Auxílio Emergencial de R$ 600 para 60 milhões de pessoas, além de implementar (mesmo que tardiamente) programas de manutenção do emprego formal e de crédito para pequenas e médias empresas. Essas medidas reduziram a queda do PIB dos esperados -9% para algo próximo de -4%, com repercussões positivas sobre a distribuição de renda e a redução de pobreza.

Em 2021, sob pressão do mercado financeiro e temente à ideologia ultraliberal de Paulo Guedes, o governo Bolsonaro retoma o teto de gastos por vontade própria, já que bastava a extensão do decreto de calamidade para ampliar o espaço fiscal necessário para combater os efeitos econômicos, sociais e sanitários da segunda onda da pandemia. Apegados ao seu credo negacionista, presidente e equipe econômica negaram a possibilidade de segunda onda e simplesmente encerraram todas as medidas de suporte à economia brasileira, jogando milhões de famílias desempregadas na miséria. Mesmo com a tardia e tímida retomada de medidas de suporte econômico e social a partir do final do primeiro semestre de 2021, a economia brasileira já apresentava sinais de desaceleração, apesar do avanço da vacinação e da mobilidade social.

A desaceleração é fruto de um conjunto de fatores: a queda na massa de rendimentos das famílias, o elevado desemprego/subemprego, o avanço da inflação, o encarecimento do crédito, a expressiva desvalorização cambial, entre tantos outros. Diante deste cenário de baixo crescimento e alta inflação, também é consenso que o Brasil será incapaz de reverter as tendências de elevação da desigualdade presentes na economia brasileira desde 2016, agravadas agora pelo grande desemprego e pela queda da renda real disponível das famílias.

Mesmo que o governo consiga driblar as regras fiscais (das quais ele mesmo afirmava ser um grande defensor) e implemente o chamado Auxílio Brasil, seu valor de R$ 400 e sua abrangência significativamente inferior ao atual Auxílio Emergencial, deve deixar milhões de famílias desamparadas e em situação de vulnerabilidade social. Em suma, as crises econômica e social tendem a favorecer uma mudança de governo em 2022, caso se confirme o cenário descrito acima.

No entanto, a decisão do eleitor atravessa um conjunto de fatores que nem sempre estão diretamente ligados com o desempenho do governo de plantão. A percepção da realidade, mais do que qualquer fato objetivo, é o que orienta as escolhas políticas dos eleitores. Diante do péssimo desempenho de seu governo, Bolsonaro se especializou em terceirizar responsabilidades e criar versões que, por mais fantasiosas que pareçam, apelam para o senso comum e são capazes de convencer seus seguidores mais convictos.

No primeiro ano da pandemia, a culpa pela crise econômica e sanitária foi dos governadores e prefeitos, que adotaram medidas de restrição social para evitar o aumento do contágio e das mortes. Em 2021, a culpa pelos graves problemas brasileiros se distribuiu entre o Judiciário, Congresso Nacional, partidos de oposição e, como é recorrente, a “esquerda comunista”. Ao mesmo tempo em que distribui as responsabilidades pelos problemas, Bolsonaro tem buscado algumas “soluções” para chamar de suas, criando uma marca para seu governo que vá além de promessas vazias baseadas em discursos conservadores. É isso que explica a obsessão de seu governo em acabar com o Bolsa Família, um programa social internacionalmente premiado e comprovadamente eficaz no combate à extrema pobreza, e substituí-lo por um novo programa de auxílio, recheado de penduricalhos e com uma parcela de seu valor sendo meramente provisória (até 2022).

Para viabilizar seu novo auxílio, o governo busca antecipar receitas (através da proposta de reforma do imposto de renda, que reduz tributação dos ricos no futuro, mas antecipa receitas patrimoniais no curto prazo), postergar despesas (em particular através de uma PEC que limita o pagamento de precatórios) e alterar casuisticamente o teto de gastos, de forma a abrir espaço para maiores despesas em 2022 e contratar uma restrição fiscal enorme para o próximo governo, que não terá mais o direito de alterar o indexador do teto em 2026.

Bolsonaro não busca recursos apenas para viabilizar o seu Auxílio Brasil. Atualmente o governo depende de uma farta fonte de dinheiro público para alimentar sua base fisiológica no Congresso Nacional. O segredo da sustentação política do governo Bolsonaro reside nas chamadas emendas do relator, que compõem o que ficou conhecido como “orçamento secreto”. Através delas, Bolsonaro negocia os votos dos parlamentares de forma obscura, através de Arthur Lira, que se tornou uma espécie de primeiro-ministro do governo, na ausência de uma verdadeira liderança política entre os ministros.

A decisão da ministra Rosa Weber, suspendendo o pagamento das emendas do relator e obrigando a adoção de medidas que deem transparência para o direcionamento desses recursos, pode se provar o maior desafio político do governo junto ao Congresso Nacional desde o seu início. Sem a fartura de recursos públicos utilizados de forma pouco republicana, a capacidade de negociação das pautas governistas diminuirá fortemente, exigindo que os projetos sejam finalmente debatidos de forma aprofundada, ao invés de “tratorados” (sem referência ao destino das verbas) através da negociação dos votos parlamentares.

O governo se encontra fragilizado, tanto devido ao cenário econômico/social, quanto aos desafios de gestão da máquina pública (cada vez mais desmontada e desarticulada) e do Congresso Nacional. Apesar disso, o presidente mantém um séquito fiel de seguidores, dispostos a comprar suas narrativas por valor de face e que se provaram bastante mobilizadas. O fato de o governo manter um índice de aprovação entre 20 e 30% em face à mais profunda crise social de nossa história recente é prova da resiliência de um movimento político que vai muito além de Bolsonaro, ganhando contornos globais.

Por todos estes motivos, as eleições de 2022 serão um ponto de inflexão na história brasileira. Ou retomamos o caminho do desenvolvimento e da democracia, ou afundaremos num regime autoritário e cujo projeto de país é a liquidação do patrimônio nacional em busca de “bons negócios”. Será um ano em que poderemos sonhar, apesar das agruras da atual realidade. No entanto, o faremos à sombra do pesadelo que ainda ronda sobre nosso país. (Publicado no Jornal dos Economistas de dez/2021)

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli 

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