O desamparo é o pai de todos os sofrimentos. É queda no vazio, sem norte ou sul. Sem referências. É o caos. A solidão. Da bagunça que incomoda ao medo da morte, é sempre ele que está à espreita de nossos sentimentos. É sempre ele e suas crias que nos tiram o sono, a energia e a paz.
Há desamparo na solidão do cancelado e na exclusão do que não odeia as mesmas coisas e pessoas que outros odeiam. E há ainda mais desamparo na solidão de quem não odeia ninguém enquanto todos amam odiar. Há desamparo no vazio de ideias preenchido por palavrões, ofensas, ironias e despautérios.
Há desamparo na incerteza das instituições. Nos adultos que brigam, indecorosos, como crianças de quinta série. E no decoro superficial de ofensas ditas por Vossas Excelências contra Vossas Excelências. E há ainda mais desamparo no injustiçado a quem só se olha quando perigoso. E na indiferença vaidosa dos doutores que por saberem falar difícil, pensam que são sábios.
Há desamparo na favela quando a polícia caça bandidos pobres. E na incerteza do destino da bala perdida. Há desamparo na tristeza da mãe do menino morto a tiro na batalha. E na revolta de quem vê chamarem o morto de bandido só porque morreu de tiro. Há desamparo nas mortes às dezenas e também na perversidade de quem comemora a chacina.
Há desamparo no padre que abençoa fuzil e no pastor que sorteia escopeta. Para matar em nome de Cristo! E mais desamparo ainda por essa gente que vê arma como solução para tudo, inclusive para o próprio desamparo. Há desamparo na notícia de atirador que, lá longe, fuzila preto, latino e criança. E ainda mais desamparo na ideia de quem quer evitar tiroteio armando mais gente.
Há desamparo no trabalhador que dá um pouco de vida a cada dia de trabalho, mas que no fim do dia mal ganha para sustentar a vida. Há desamparo no empobrecimento de quem já era pobre e no enriquecimento de quem já era rico. Há desamparo na fome. E mais desamparo ainda no choro do filho faminto.
Há desamparo no policial assassinado pelo doido na rua. E no doido asfixiado pelo policial numa câmara de gás. Há desamparo na confusão de autoridade com autoritarismo. E mais desamparo ainda no silêncio meio cúmplice dos poderosos. Ou nos discursos cínicos que lamentam, como se fosse acidente, o assassinato lento e cruel.
Há desamparo na nossa indigência moral. Na bagunça institucional. Na irresponsabilidade de quem legisla, julga e governa. Na má fé de quem confunde anarquia econômica com liberalismo. Na dificuldade de se ouvir e respeitar. Na boçalidade do inculto que se acha gênio porque assistiu ao vídeo de WhatsApp.
E só há amparo – verdadeiro – na sabedoria, na generosidade, na justiça, no amor e em tantas outras virtudes de que somos capazes, mas que deixamos de lado porque não dão dinheiro ou poder. Tolos, preferimos caos e ilusões ao amparo que cabe no espaço de um abraço.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli
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