São muitos os livros inesquecíveis. Há uma velha mania que é a de fazer listas de melhores livros, lista de livros lidos ou listas de livros a ler. No outro dia um amigo comentou sobre os livros que a gente ainda teria tempo para ler. Fiz listas de livros para leitura na adolescência e nunca segui. Agora, quando pensei num livro inesquecível, logo veio um que me acompanhou numa viagem que fiz a Lisboa. Tinha estado em Israel para visita familiar, e fiz uma parada na capital portuguesa que não conhecia. Entre uma ida ao castelo de São Jorge que domina a cidade e o Mosteiro dos Jerônimos, entrava na casa dos livros para conversar. No final do dia entrei numa livraria próxima ao hotel e encontrei o livro que seria uma leitura inesquecível. Passei vários dias acompanhado de Ernesto Sábato.
“Antes do fim” é um livro autobiográfico que começa com a triste história de seu nome, pois Ernesto tinha sido um irmão que sua mãe chamava de Ernestinho e que morreu muito cedo. O nome recordava uma tumba, algo de soturno, e também por isso ele teve uma existência dificultosa. Foi marcado pela tragédia, já que sua mãe estava grávida dele quando ocorreu a morte do irmão. “Antes do Fim” é um passeio pela infância de Sábato, fez seu doutorado como físico junto ao professor Houssay, prêmio Nobel da medicina, de quem recebeu uma bolsa para estudar em Paris no Laboratório Curie em 1938. Alguns anos após, abandonou sua carreira de cientista para ser escritor. A partir da bomba atômica, percebe que a ciência não traria a salvação do homem, e em tempo de crise total, somente a arte pode expressar a angústia e o desespero do homem. Em 1948 é lançada sua primeira novela -“O Túnel”- muito bem recebida por Albert Camus, que indica logo sua publicação em francês. Muitos anos após viria “Sobre Heróis e Tumbas”, consolidando sua carreira de escritor. Na década de 80 do século passado presidiu a comissão que investigou a tortura e os desaparecidos argentinos.
Sábato expressa as lições de um homem que de tanto espanto já não tem o que dizer e ainda assim diz. Espanto que sentiu na morte da esposa Matilde, de seu filho Jorge, e de seu irmão Pancho, espanto diante da crueldade militar. O livro é triste, sofrido, chegou a rolar uma lágrima minha quando concluí a leitura, pois queria seguir com o sábio Sábato. Entretanto, ele nos indica a resistência na esperança, pois acredita que a arte salva, defende a utopia e conclui assim: “Somente os que são capazes de encarnar a utopia serão aptos para o combate decisivo: o de recuperar o quanto de humanidade tenhamos perdido”.
Numa de suas últimas entrevistas disse: “O importante é resistir, na resistência reside a esperança. Não devemos desperdiçar os pequenos momentos de liberdade que possamos gozar: uma mesa que compartilhamos com gente que amamos, uma caminhada entre as árvores, a gratidão de um abraço”. Gratidão a Ernesto Sábato, e aos artistas, pois se a vida já é difícil, sem arte seria impossível.
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Ilustração: Mihai Cauli
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