O show terminou. Uma enorme fila no estacionamento. Manobristas competentes fazem malabarismos, quase inacreditáveis, para tirar os carros. Paciência é virtude difícil de vivenciar, mas é preciso.
Um senhor simpático, de Minas. Falante, cumprimenta a todos e fala muito. Tinha ido a São Paulo para ver o jogo de futebol americano. Seria no estádio do Corinthians. Mas não só, como veremos.
Um elevador lateral. Dele saem três senhores enfatiotados. Mesmo àquela hora da noite, com nós das gravatas bem posicionados. Seu carro já está do lado de fora. Parecem conhecer o mineiro e a ele se dirigem:
-Até sábado, na paulista!
Não entendo e pergunto:
– O que vai acontecer?
Perplexo respondeu:
– Não sabe? É o grande evento. A marcha pelo Estado Democrático de Direito. Temos que dar um susto no Xandão. Até nos proibir de usar Twitter fez. Esqueceu que o nome mudou para X.
Com cara de leso tento argumentar:
– Pelo que li ele só queria que se pagassem as multas e que a empresa, como todas as que operam no país, tivesse um representante legal aqui. Tem que ter alguém responsável para responder pelos atos que se cometem, não é?
Sem responder, argumenta:
– Está muito ruim. Tudo muito ruim. O Brasil está uma bagunça. Nada dando certo.
Com calma, falo:
– Li hoje que o PIB vem crescendo consistentemente acima das previsões, que o desemprego diminuiu acentuadamente, que a oferta de moradias aumentou muito no último ano.
Começando a se exasperar, responde:
– Vejo que o senhor não é um dos nossos. Não vê com os mesmos olhos. As migalhas que se pagam no trabalho não compensam.
Já provocando, continuo:
– Também vi que o salário mínimo voltou a ter reajuste real depois de anos, que isso tem impacto nos vencimentos dos aposentados, que a tabela de imposto de renda foi reajustada isentando quem ganha até dois salários mínimos e vai ser o mesmo para os que ganham até cinco salários, que o Bolsa Família teve aumento com recursos para crianças e adolescentes.
Com uma cara brava responde:
– Isso são medidas que pouco afetam nossa economia.
Impassível, respondo:
– Não, aumenta em muito o consumo das famílias. O crédito também aumentou, com juros subsidiados, permitindo que as empresas produzam mais. Mesmo com as estratosféricas taxas de juros que praticamos.
Fechando a cara, diz:
– Isso só aumenta a inflação. Você vai ver como os preços vão ficar. Espere um pouco.
Não resisto e coloco:
– Lembre que no início de 2022 a inflação estava em mais de 12% e agora caiu para quatro e pouquinho. Ser apóstolo do caos não é uma boa postura. As previsões que se fazem não têm dado certo.
Não havendo cadeiras na fila, um perigo hoje em dia, e chegando seu carro, se despede.
– Discordamos, mas vá à Paulista. Vai ser a maior manifestação de todos os tempos.
Evidentemente, não fui e o apinhamento de gente não foi lá essas coisas, a tal defesa do Estado Democrático de Direito parece não ter dado os resultados esperados.
Vou aprender a não provocar. De um ser simpático e gentil, ele se tornou uma fera agressiva e nervosa. Ainda bem que respeitou meus mais de 70 anos.
***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli
Clique aqui para ler artigos do autor.