E eles? Esperam quem? Esperam o quê? Esperam? A espera.

Ela não chega. E Gustavo detesta esperar. “Como sempre”, pensou. Deu outra volta pelo shopping. Era a terceira. O amontoado de luzes, cores e músicas de elevador deveriam excitar o consumo. Mas em Gustavo causa só vertigem e tédio. Voltou ao pontonde encontro. Nada, ainda. Sentou-se, meio por cansaço, meio por não saber mais onde mais encaixar seu corpo naquele cenário. Mecanicamente, pegou o celular.

Viu mensagens. Nenhuma importante. Nós vários grupos de WhatsApp, mensagens demais para se ler. Ficou só nas figuras. Piadas. Acontecimentos que deveriam ser sensacionais anunciados de forma exageradamente sensacional. Algumas mentiras e comentários que denunciam a estupidez do crente na mentira. Uma pornografia enviada por quem se esforça por ser levado mais a sério do que merece, rapidamente apagada, seguida de um lacônico “mandei no grupo errado”.

Pôs-se a deslizar o dedo pela tela, passando de imagem a imagem a esmo. Grande promoção oferecia descontos imperdíveis. Moça de vestido curtíssimo despencava ridiculamente do alto de uma sacada. Policial parrudo dava lições de moral a um garoto preto em meio a comentários racistas. Cadê ela que não chega?…

Ligou. “Ninguém mais liga”, pensou. Ela não atendeu. Caiu na caixa postal onde ninguém mais deixa mensagens. Mandou mensagem escrita. Sem resposta. Gravou áudio. “Estou esperando, vai demorar?”. Silêncio. “Deve estar dirigindo. É, deve ser isso”.

Pensou em dar mais uma volta, mas a vertigem voltou só com a ideia. Voltou ao celular. Mais vídeos que lhe pareciam aleatórios, mas na verdade são bem planejados pela inteligência matemática de quem ganha dinheiro com sua audiência. Gatinhos dando cambalhotas e encestando bolinhas a patadas com a invejável habilidade felina. Carros em sequência de colisões patéticas. Humorista tentando fazer graça falando de coisas que detesta.

Passou mais tempo do que imaginava. “Será que aconteceu alguma coisa com ela?”. Enjoou das aleatoriedades e passou às notícias. Pareciam de sequência ainda mais aleatória.

Bombas que caem indiferentes a vidas palestinas. Operação militar, dizia o texto. Bombas explodem habitações ucranianas no que a notícia chamava de invasão. Gente gringa que se diz entendida de dinheiro dizendo que a economia do país vai bem. Gente local que se diz entendida de economia dizendo que a economia vai mal. Sertanejo mostra seu novo carro esportivo. Influencer posta fotos de biquíni e ganha elogios. “O mundo está na iminência de uma guerra e ela não chega!”.

Saturou-se do vazio. Afundou-se na poltrona a contemplar o teto do shopping, só para variar de vazio. Com olhar perdido no teto feio, lembrou-se de si mesmo. Por um instante, além de respirar, tinha consciência de que respirava. Sentia e pensava no que sentia. Pensava e sentia o que pensava. Elencou tarefas. As que fez e as que tem por fazer no dia. Passou para as tarefas do mês. Do ano. Da vida. Ponderou sobre coisas que espera ter para se esquecer da espera. Não sabia dizer ao certo o que fez da vida. Pensava só no tempo perdido esperando. Esperando ela. Passivo, esperando algo da vida. “Será que ela se esqueceu?”. “Falta muita coisa na vida. Falta vida. Falta ela…”.

Olhou mais uma vez o relógio. Passou menos tempo do que imaginava. Pensar na vida é coisa mais lenta que não pensar em nada. Mais lenta que entreter-se com o nada. Pensou na gente que ia a vinha pelo shopping. “Procurando o quê? Para quê?”. Pensou no porquê de pensar nisso. Por que se importar? “Com o que essa gente se importa?”. “O mundo acabando e eles procurando o último lançamento. A roupa da moda. A engenhoca mais high-tech, agora com IA”. “O mundo acabando e eu esperando ela.”. “E eles? Esperam quem? Esperam o quê? Esperam?”.

Viu uma silhueta caminhando em sua direção, ofuscada pelas vitrines. “Chegou! Chegou?…”. Parecia. Não era ela. “Cadê ela que não chega?…”.

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Ilustração: Mihai Cauli 
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