Foto: Reuters

Os efeitos da pandemia da Covid-19 na economia brasileira resultaram em projeções que indicam que o País está diante de uma queda histórica do PIB. Na sua revisão para junho, o Fundo Monetário Internacional (FMI) atualizou projeção de queda anual do PIB brasileiro para -9,1%. O Instituto de Economia da UFRJ projeta um cenário de referência com uma queda de -6,4%. Caso uma dessas previsões seja realizada será a maior queda anual da economia brasileira desde 1947, quando a taxa de variação do PIB começou a ser medida.

Em um contexto de crise econômica desta magnitude, potencializada pela forma como foram adotadas as medidas para enfrentar a pandemia da Covid-19 no Brasil, o reflexo no frágil mercado de trabalho foi catastrófico. Traduzindo em números, a economia brasileira fechou 3,4 milhões de postos de trabalho com carteira assinada somente nos meses de março a maio, o maior saldo negativo em 29 anos de série histórica. Em abril, houve também 4,4 milhões de contratos de trabalho suspensos e outros 3,5 milhões com redução de até 70% das horas trabalhadas, em relação ao mês anterior. Foram ainda solicitados 1,3 milhão de pedidos de seguro-desemprego desde maio, um aumento significativo em relação ao ano anterior.

Passando para a análise ampliada do mercado de trabalho, e não apenas o mercado formal, a PNAD Contínua do IBGE apontou redução de 10 milhões de pessoas ocupadas no trimestre terminado em junho de 2020, quando comparada a igual período do ano passado. Desses, 6,5 milhões de ocupados não possuíam carteira de trabalho assinada ou eram trabalhadores por conta própria. Resultado que evidencia que o impacto, extremamente forte e generalizado no mercado de trabalho, atingiu com mais ênfase os trabalhadores mais vulneráveis.

Neste contexto, a taxa de desemprego passou de 12,0%, no trimestre encerrado em junho de 2019, para 13,3% em igual período deste ano. Uma taxa elevada, mas que não retrata totalmente a gravidade do momento. Frente à crise e à percepção de estagnação, pessoas que perderam suas ocupações tendem a deixar de procurar trabalho por estarem desalentadas e, apesar de estarem sem trabalho, não são consideradas desempregadas pelas estatísticas oficiais. Dessa forma, outros indicadores devem ser monitorados, dos quais se destacam a taxa composta de subutilização da força de trabalho e o nível de ocupação. (Ver o artigo que publiquei com Esther Dweck no Jornal Valor Econômico, 02/07/2020)

A taxa composta de subutilização, que inclui, além dos desempregados, os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas – ou seja, aqueles que estão disponíveis e gostariam de trabalhar mais horas – e os trabalhadores que estão na força de trabalho potencial – que inclui as pessoas que não realizaram busca por trabalho apesar de desejarem e estarem disponíveis para começar a trabalhar – passou de 24,8% no segundo trimestre de 2019, para 29,0% em 2020, um acréscimo que reflete mais fidedignamente a desaceleração econômica e as consequências do isolamento social iniciado na segunda quinzena de março.

Mas é no nível de ocupação, – proporção de ocupados sobre a população em idade ativa – que o desastre no mercado de trabalho se revela de maneira mais contundente, na medida em que, pela primeira vez na história documentada, há menos pessoas trabalhando do que desempregadas ou fora da força de trabalho. Na comparação entre o trimestres terminados em junho, o indicador passou de 54,6% para 47,9% da população em idade ativa, respectivamente em 2019 e 2020.

Ao contrário de crises anteriores em que o trabalho informal surgia como alternativa (relativamente inferior em qualidade, diga-se) à queda do emprego formal, na crise atual esta opção não se apresentou e a população ocupada mais vulnerável foi atingida com mais força, como João Saboia e outros já desmonstraram. Os grupos populacionais que formam o contigente de trabalhadores informais são majoritariamente compostos pela população de cor preta ou parda e por pessoas com menores graus de escolaridade. Assim, no que tange ao mercado de trabalho, a pandemia tem o potencial de ampliar as desigualdades historicamente constituídas no País.

Por enquanto, o cenário de caos social é atenuado com políticas compensatórias como o auxílio emergencial aprovado pelo Congresso – um benefício financeiro equivalente a R$ 600 mensais, destinado justamente aos trabalhadores informais e aos desempregados, pago inicialmente por três meses, para até duas pessoas da mesma família. Medidas desta natureza têm o potencial de amenizar as desigualdades e manter o consumo de itens básicos, sobretudo alimentos, por parte significativa da população.

Embora seja certo que amenizem as consequências da crise no tecido social brasileiro, não se sabe ainda por quanto tempo e em que volume o auxílio emergencial irá permanecer. A necessidade da preservação, e por que não dizer, da melhoria das condições de vida da população determina que recursos não podem ser poupados. Os gastos públicos devem ser destinados tanto para políticas assistenciais, como também para a oferta de serviços de qualidade e estímulo ao desenvolvimento econômico e social.