Foto: (Marcos Corrêa/PR)

O Teto de Gastos é uma restrição política e não técnica como querem fazer crer os economistas ortodoxos, neoclássicos e neoliberais. É a subordinação da política macroeconômica aos interesses do mercado financeiro globalizado. Traz incorporada a expectativa de que vai expor o conflito distributivo e mostrar onde a sociedade prefere alocar os recursos.

O Teto de Gastos em uma economia em recessão e que vem de uma estagnação desde 2015 só vai prolonga-la, aumentará o desemprego e o caos social. Aqueles que ganharam com a pandemia, continuarão ganhando, os que perdem, vão continuar perdendo, como mostra a redução dos orçamentos da saúde e da educação na Proposta de Lei Orçamentária de 2102.

Em 2015, o governo Dilma não resistiu à chantagem do mercado financeiro e nomeou Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, que acreditava que o ajuste fiscal animaria o animal spirits dos empresários pelo reconhecimento da confiança na solvência do setor público. No entanto, a confiança não deu as caras.

O investimento privado não apareceu e a política de contração fiscal produziu uma recessão econômica de 3,5% em 2015, e 3,3%, em 2016. O déficit primário, que não existia desde 1998, e que tinha sido de 0,6% do PIB em 2014, aumentou para 1,9%, em 2015, e para 2,5% no ano seguinte. Em 2017, já com o Teto de Gastos em vigor, o déficit primário foi de 1,7% do PIB, 1,6% em 2018 e 0,9% em 2019, enquanto o PIB foi de 1,3%, 1,1 % e 1,35 em 2017, 2018 e 2019 respectivamente.

A Emenda Constitucional-95, do Teto de Gastos, aprovada no governo Temer, fazia parte do programa “Uma Ponte Para o Futuro”. Na verdade, o futuro não chegou a lugar nenhum, mas o programa continua a ser seguido pelo atual governo: reforma trabalhista aprofundada, previdenciária, tributária, administrativa e um amplo programa de privatizações. O objetivo dessas reformas, cantado em prosa e verso pelo mercado financeiro, é a redução do tamanho do Estado, diminuição do gasto público, trajetória sustentável da dívida pública e a consequente restauração da confiança do investidor privado para investir no aumento da capacidade de produção e na infraestrutura de serviços públicos.

Mas, novamente, a confiança empresarial esperada não veio. A reforma trabalhista foi aprovada, mas não criou os empregos prometidos, idem para reforma tributária, tudo porque o investimento privado esperado não veio. E dificilmente eles serão retomados sem uma perspectiva de aumento da demanda, dos investimentos públicos. No entanto, o Teto de Gastos vai na direção oposta, portanto não há sinais de crescimento, geração de emprego e renda.

Enquanto a pandemia não estiver sob controle o teto de gastos é uma crueldade que cabe na planilha dos economistas ortodoxos. Para confundir mais um pouco e posar de bem intencionados eles propõem rebaixar o piso. A política neoliberal não se contenta apenas com as fakenews. Criaram agora os fakefacts, uma mistura de falseamento da realidade histórica com chantagem política para amedrontar a sociedade.

O Teto de Gastos é a mais recente novidade para o controle dos gastos públicos. Já tínhamos a “regra de ouro” na Constituição desde 1988 e a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 1999. Nenhuma delas impediu o aumento do déficit e, em consequência, nem a elevação da dívida pública.

Os economistas ortodoxos publicaram um documento na grande imprensa em defesa do Teto de Gastos, no qual afirmam que somente a sua manutenção evitará que a forte elevação das despesas públicas em razão da pandemia obrigue o BACEN a elevar os juros. É um fakefacts. Adotam a premissa de que a partir de setembro a economia estará em condições de retomar o seu funcionamento normal, com a pandemia sob controle. Outro fakefacts. Não há nenhum indicador confiável que respalde essa previsão. Será que voltar a normal significa crescer à taxa medíocre de 1,1% ao ano, média de 2017 a 2019?

Em primeiro lugar, não é real a premissa de que a pandemia tem um comportamento previsível. A experiência de vários países europeus, por exemplo, monstra idas e vindas da infecção. No Brasil, o cenário da pandemia é ainda mais instável, com uma dinâmica do vírus muito heterogênea e diferente por região. Em consequência, o tamanho dos gastos públicos é determinado pela pandemia, pela evolução do contágio do coronavírus.

O que a história do “ajuste fiscal expansivo” tem nos mostrado, desde 2015, é uma queda nos investimentos, nos gastos realizados diretamente pelo setor público e nas transferências a estados e municípios. O setor educacional foi o que mais sofreu, mais que a área da saúde.

Existem desperdícios no setor público? Sim. Porém a agenda de reforma fiscal baseada no “Teto de Gastos” não vai resolver esses desperdícios. É necessário elaborar uma reforma fiscal mais estrutural para ser aplicada de forma gradual e cujo objetivo seja consolidar o estado de bem-estar social e, como manda a Constituição de 1988, ofereça serviços públicos de saúde e educação de qualidade e universais.

O “Teto de Gastos” cumpre uma função política específica: chantagear e aterrorizar a sociedade com o caos no caso de sua flexibilização ou extinção com o caos. O ministro da economia é um mestre nesses arroubos autoritários. Não devemos nos impressionar com isso. São fakenews e fakefacts. É essa política fiscal do ” Teto de Gastos” e do “ajuste fiscal expansivo” que vai dificultar a retomada e produzir uma maior crise social.

Nós temos que cobrar do governo uma política sanitária mais efetiva. Essa é a solução para o crescimento e para a crise fiscal. Como disse Brecht na Ópera dos Três Vinténs:“Primeiro vem o estômago, depois a moral”.