No momento em que mais uma vez a mídia estadunidense – e por extensão toda a mídia ocidental – tenta semear desinformação e histeria sobre os últimos acontecimentos no Afeganistão, se faz necessário colocar algumas coisas no seu devido lugar. Ou pelo menos tentar.
Comecemos pelo “momento Saigon” que vive Cabul. Segundo o governo estadunidense o seu serviço secreto previu a queda da capital para daqui a um mês. Se considerarmos que esse serviço secreto desmentiu categoricamente que havia armas de destruição em massa no Iraque enquanto o governo e a mídia dos EUA insistiam na mentira sobre sua existência, é bem possível que estejamos diante de uma nova fraude.
Difícil de acreditar que os EUA não sabiam de antemão que sua retirada faria o “exército” afegão colapsar imediatamente. Então por que a mentira? Para Biden poder fazer exatamente o que fez: jogar a responsabilidade pela derrota sobre a “falta de vontade” dos afegãos para lutarem contra o Taleban. Esse “repentino” colapso e o caos gerado por ele também pode ser usado como justificativa para o abandono à própria sorte de todos os que colaboraram com a ocupação estadunidense. Numa retirada organizada não haveria desculpa para não levar aos EUA tudo o que eles não querem, ou seja, uma horda de refugiados.
Outro tema em que a mídia ocidental não toca é o referente às negociações que os governos russo e chinês conjuntamente vem mantendo há um bom tempo com o Taleban. Zamir Kabulov, enviado presidencial especial da Rússia para o Afeganistão, declarou que tais negociações já vem ocorrendo há sete anos. Foram exigidos certos compromissos, sendo que o principal deles é não usar o território afegão como santuário para o terrorismo, a partir do qual se criaria na Ásia Central, onde há grande presença de populações muçulmanas, a instabilidade que tanto interessa aos EUA. A contrapartida à garantia da estabilidade é a oferta de estender ao Afeganistão um dos ramais da Nova Rota da Seda que conectaria a China ao Mar da Arábia. Tal acordo significa, também, a desclassificação do Taleban como organização terrorista e seu reconhecimento internacional como legítimo representante do povo afegão.
Depois de 20 anos de guerra seria difícil de imaginar que o Taleban não aprendeu alguma coisa. Essa irrecusável proposta significa ao Afeganistão sair da ruína completa provocada pelo longo conflito diretamente para um projeto de criação de infraestrutura que o conectará ao Novo Grande Jogo, que é nada mais nada menos – para completo desespero dos EUA – do que a irreversível integração da Eurásia formando o bloco econômico mais poderoso do planeta.
Obviamente os EUA não se conformaram com mais essa humilhante derrota e já estão agindo nos bastidores pra impedir a todo o custo a volta do Afeganistão à normalidade. Já são claríssimos os primeiros indicadores da guerra híbrida que o império decadente começa a articular. O primeiro deles é, sem dúvida, a campanha pirotécnica pelos “direitos humanos” das mulheres e meninas afegãs juntamente com a aposta na instabilidade provocada por uma suposta resistência apoiada contra o novo governo.
A invasão dos EUA não só degradou a vida das mulheres como a de todo o povo afegão. E tampouco garantiu a estabilidade naquele país. Depois de serem postos para fora, os estadunidenses vão fazer agora o que não fizeram quando eram ocupantes?
Artigo publicado originalmente no Grifo No. 12, setembro de 2021. Clique aqui para rir muito com as charges e as matérias desta publicação de humor.
***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial.
Sobre o mesmo tema, leia também o artigo “O Afeganistão será aqui?” de Celso Shröder.