Está prevista para o próximo dia 11 de janeiro a divulgação do IPCA, um dos índices que medem a inflação no Brasil e o que é utilizado para os compromissos assumidos na política de metas de inflação, adotada desde a primeira crise do chamado Plano Real, quando a âncora cambial vigente na primeira fase foi substituída pelo chamado “tripé macroeconômico”: câmbio flutuante, superávit fiscal e juros determinados pela política de metas de inflação.
Como o IPCA para o ano de 2021 que será anunciado (algo em torno de 10%) vai ser bem superior à meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional para o ano, na sequência o presidente do agora novo Banco Central independente terá que fazer uma carta explicando o resultado (no caso, o fracasso em manter a inflação dentro da meta) ao governo e ao Congresso. A meta hoje é de 3,75%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, podendo chegar, portanto, até um máximo de 5,25%. Além de tentar justificar por que a meta não foi cumprida, o presidente do Banco Central deve explicitar como planeja corrigir o problema.
Todos sabemos a explicação que vai ser dada – não deve ser nada muito diferente do que já está explicado nas atas das reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. E a proposta também não deve indicar nenhuma novidade, a receita do Banco Central vai ser subir as taxas de juros, como ele já vem fazendo.
Não há uma discussão sobre o insucesso de meses de subida das taxas de juros, nas várias reuniões do Copom ao longo de 2021, frente a uma inflação que seguiu subindo o tempo todo junto com os aumentos das taxas de juros, impulsionada não por qualquer questão de demanda, mas pela efetiva dolarização dos principais preços da economia brasileira (é, o tal do Plano Real afinal não acabou com a indexação, apenas ancorou esta ao dólar estadunidense) e a desvalorização do real frente ao dólar. Tudo isso já discutimos em textos anteriores aqui neste espaço (o último deles, “Inflação e Ajuste Produtivo”, em 15/10.
A novidade que cabe observar a partir daqui é que o tema da inflação, ao qual os brasileiros são tão sensíveis até pela história econômica das últimas décadas no país, voltou a ser uma preocupação mundial, como não era desde meados da década de 1980. Evidentemente, em várias partes do mundo seguiu sendo até a década seguinte, como na América Latina, mas até o começo da década de 1980 a inflação também era uma preocupação de economias da Europa, assim como dos EUA, Canadá e outros. O tema voltou a lugares privilegiados da agenda de discussão em vários países nesse momento – e isso é uma novidade importante, que pode também ter consequências importantes.
Parte da discussão, pelo interesse mais direto da turma do mundo financeiro, acaba apontando o problema do excesso de liquidez da economia mundial, resultante de mais de uma década de políticas de expansão monetária nas economias capitalistas centrais, EUA à frente. Essa expansão da liquidez é fato, e foi usada para recolocar a economia mundial para funcionar desde a crise financeira de 2007-2008, passando por governos de natureza política diferente, como nos EUA (Obama, Trump, Biden) e conseguiu colocar o mercado financeiro de novo no jogo, depois de crise aguda. Porém, isso foi feito mantendo esse mercado adicto ao excesso de liquidez, como era o seu ambiente antes da crise de 2008. Não houve qualquer discussão profunda sobre reestruturação do mercado financeiro.
Por outro lado, pelo lado das cadeias de produção global, os desacertos também têm sido grandes, forçando altas de preços. Estruturas concentradas, falta de insumos, movimentação brusca nos preços de algumas commodities (o petróleo, por exemplo, vem subindo tendencialmente de preço, recuperando parte das perdas expressivas que teve em meados da década anterior), dominância de interesses financeiros na composição acionária das empresas, trabalhando com uma lógica de maximização de ganhos de curto-prazo que joga os preços para cima sempre que possível – tudo vem levando à subida dos preços, e aí também são temas de difícil administração.
Como pano de fundo, temos ainda a China. Transformada em “fábrica do mundo” e responsável, por conta dos baixos custos de produção, pela queda generalizada de preços desde fins dos anos 1990, hoje se move de outra maneira, incorporando tecnologia a seus produtos e salários aos seus trabalhadores, fazendo também subir os preços de seus produtos. Mudança significativa.
Enfim, o tema deve ser um dos pontos-chaves de discussão ao longo desse ano que entra, e provavelmente nos seguintes. Vale observar, e certamente voltaremos a ele em breve por aqui.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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