Da perda de dinamismo ao caos econômico

Preâmbulo

A economia brasileira está de mal a pior. Tal entendimento é comungado por número crescente de profissionais da área em questão. Até mesmo economistas tradicionalmente inscritos na seara do liberalismo (L. Resende e A. Fraga, por exemplo) têm formulado questionamentos críticos à política econômica levada adiante a partir do governo Temer. Também vale assinalar que o entendimento em tela vem sendo verbalizado por analistas de outros aspectos da vida societária do país, bem como sentido/manifesto por parcela considerável da população, dados a falta de emprego, o baixo salário, a elevação do custo de vida, a perda de direitos sociais e trabalhistas (…) – e mais recentemente inclusive por grandes empresários atuantes no país. Por outro lado, é trivial, há os economistas fundamentalistas (especialmente, vide S. Pessoa e G. Franco) e os jornalistas formados segundo essa visão de mundo, a do liberalismo econômico, que apesar da tragédia dos últimos anos continuam defendendo mais do mesmo. De outra forma: esses arautos do caos e da iniquidade social tanto se escusam de assumir que são as suas receitas que produzem o atual cenário de estiolamento societário como propõem jogar ainda mais lenha na fogueira da gravosa e ampla crise em curso da qual a condução da economia é parte crucial.

Para o exame de tal “démarche”, sublinhe-se que consideraremos como ponto de partida o primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff por duas razões*: de um lado, porque foi a partir dali que a economia brasileira começou a apresentar indícios de perda de dinamismo em si e principalmente face o governo imediatamente precedente e, de outro, porque mesmo com problemas tal período/governo permite mostrar o quanto a situação posterior foi degradada com a adoção das políticas orientadas pela radicalização da receita neoliberal. Por fim, após a exposição de alguns dados estatísticos selecionados e de sucintos comentários apresentaremos uma visão sintética das principais conclusões a tirar da trajetória da economia brasileira do período de tempo ora recortado. Dois adendos: a) ao final do artigo constam algumas notas explicativas acerca de indicadores nele utilizados; e, b) os dados utilizados neste artigo foram extraídos do IPEAData, da Fundação IBGE e do Jornal Valor Econômico.

Isto posto, como anotado, alguns indicadores serão examinados de sorte a mostrar que os apontados indícios de inflexão econômica recessiva do governo Dilma (2011-14) foram sensivelmente agravados nos governos que se seguiram (Temer, 2017-18; e Bolsonaro, 2019-20). Eles serão dispostos em cinco grandes grupos: I) atividade econômica; II) emprego e renda; III) preços, juros e câmbio; IV) balanço de pagamentos; e, V) finanças públicas. Adendo adicional: os dados/indicadores expostos nesta seção seguem os períodos presidenciais logo acima referidos.

Análise sucinta dos indicadores selecionados

Nota 1.

    Ver Nota 1.

Os dados acima confirmam o que já enunciamos. Explicando: os indicadores PIB, Investimento real e Vendas no varejo despencaram pronunciadamente no período em análise. Mas duas situações chamam especial atenção: a primeira, é o aumento da produção industrial no período Temer e, a segunda, a redução do Coeficiente de Gini do governo Bolsonaro. No caso da produção industrial, possivelmente o “animus” liberal da ascensão de Temer e Meirelles ao poder somado com a relativa paralisia econômica do triênio 2014-16 parecem explicar o surto episódico então verificado – como evidenciado pela queda expressiva verificada logo em seguida (no período Bolsonaro). E no segundo caso, a diminuição do Coeficiente em questão nos anos 2019-20, em que pese o ingresso expressivo de recursos públicos na economia via pagamento do nomeado Auxílio Emergencial (aos setores mais vulneráveis da sociedade brasileira), apenas confirma a natureza recessiva e antipopular das atuais políticas públicas federais. Concluindo: a trajetória da economia brasileira é de acentuado descenso e de agravamento da chamada questão social.

Ver Nota 2.

Os dados acima ‘falam’ por si só: diminuição do número de pessoas ocupadas, avanço expressivo do desemprego e reajuste real do salário mínimo a taxas cada vez menores diante da inflação. Em resumo: agravamento das condições de vida da maioria da população trabalhadora que tem no salário mínimo a referência por excelência das suas remunerações e, consequentemente, grave constrangimento do mercado interno.

Ver Nota 3.

Os dados anteriores revelam o seguinte: quanto ao IGP-DI e ao IPCA, as tensões inflacionárias do período Dilma, o peso das políticas econômicas de natureza recessiva da gestão Temer (daí o viés baixista dos preços) e a volta das pressões inflacionárias no governo Bolsonaro, em especial no que trata do primeiro índice de preços (o IGP-DI). Em tempo: no caso do governo Dilma, a tentativa de sustentar pelo menos em parte o crescimento econômico do período anterior sem a devida ampliação da capacidade produtiva contribuiu para a alta da inflação; e, no caso do atual governo, as pressões inflacionárias se explicam por três fatos imbricados: a completa desatenção com a estrutura produtiva doméstica (obsoleta e com baixa capacidade ociosa para atender a demanda interna) e a desvalorização acentuada da moeda nacional face às divisas internacionais robustas (o que resulta na importação de uma inflação em dólar, principalmente) vis a vis o socialmente necessário incremento da demanda agregada da economia via Auxílio Emergencial. Sem deixar de lado, é trivial, que por conta da agenda neoliberal do governo alguns preços estão sendo fortemente reajustados (energia elétrica, gás de cozinha, diesel, planos de saúde etc.), o que puxa para cima a média dos preços domésticos e sacrifica a imensa maioria da população brasileira.

Quanto à taxa Selic, verifica-se a sua contínua queda, mas sem a correspondente diminuição da chamada Dívida Mobiliária Federal e da participação da Dívida Bruta do Setor Público no Produto Interno Bruto (como nos reportaremos mais adiante). Quanto à Taxa de Câmbio, como assinalado no parágrafo anterior, consta-se importante aumento, agradando assim apenas os exportadores sediados no país (notadamente, o setor do agronegócio).

Ver Nota 4.

Do exame dos indicadores acima sobressaem (dado o mote desta reflexão): a diminuição do valor das exportações (apesar do câmbio favorável), a queda do valor das importações (o que reforça a recessão econômica, posto que as Importações possuem relação direta com a dinâmica da economia) e o retorno preocupante do déficit em Transação Corrente (dada a abrangência dessa conta).

Ver Nota 5.

Os dados acima coligidos evidenciam a gravidade acelerada da questão fiscal brasileira. Neste caso, vale reiterar que no caso do atual governo isso se deu em simultâneo com a queda da Taxa Selic. Não fora suficiente, os dados oficiais mostram que a participação da Dívida Bruta do Setor Público Brasileiro no PIB alcançou no ano passado 89,3% – ou seja, R$ 6,615 trilhões, informou o Banco Central em 29.01.21. Numa expressão: o ‘cassino Brasil’ continua a pleno vapor.

Uma visão de conjunto ou as principais conclusões

Os indicadores apresentados e sucintamente analisados confirmam o enunciado no início destas reflexões: o agravamento acelerado da situação da economia brasileira a partir do governo Dilma. No que trata da atividade econômica, a queda do PIB, do investimento (ou Formação Bruta de Capital Fixo) e da produção industrial combinadamente com a diminuição das vendas no varejo mais a elevada concentração da renda vêm sistematicamente constrangendo o mercado interno, bem como o chamado ambiente dos negócios; e, portanto, desestimulando as decisões de consumo, produção e investimento produtivo.

Reforça o exposto o fato de estarem sendo reduzidos o contingente de pessoas ocupadas (com elevação do desemprego), o rendimento médio dos trabalhadores e o poder de compra das pessoas que vivem do seu trabalho. É dizer: a apontada contração do mercado interno também pode ser apreendida por esse ângulo analítico.

Ademais, os índices de preço IGP-DI e IPCA estão em alta, assim como a taxa de câmbio que, por suposto, também pressiona os preços internos (alta em dólar das importações). Vale dizer: essas pressões sobre o processo de formação de preços evidentemente penalizam os elos mais vulneráveis da nossa sociedade, incapazes que são de se proteger, por exemplo, no mercado financeiro. E o curioso disso tudo é que mesmo com a elevada desvalorização da moeda nacional nem desse modo os valores das exportações vêm aumentando, pelo contrário, o que revela a fragilidade das economias que se assentam exageradamente em “commoditties” (que é o nosso caso), posto que elas têm preços e demandas definidos externamente – abandonar o setor industrial e não investir em desenvolvimento científico e tecnológico, como atualmente, mostra assim a sua face extremamente problemática. E veja-se que esse último setor, o do “agrobusiness”, é dos poucos que ainda ‘ganham’ na economia brasileira!

Insistindo um pouco mais na área das relações econômicas do país com o chamado Resto do Mundo, veja-se que, além da queda dos valores das importações, das exportações e do saldo do conjunto do Balanço de Pagamentos, a importante conta das Transações Correntes também tem apresentado resultados negativos. E esses fatos, em seu conjunto, aduzem mais uma preocupação: a de uma potencial crise cambial (embora ainda aparentemente longínqua) não obstante as generosas reservas cambiais que os governo Temer e Bolsonaro herdaram dos governos Lula e Dilma.

Temos ainda a gravíssima situação das dívidas públicas a crescentemente engolir a renda nacional, graças sobretudo ao pesado ônus da dívida mobiliária interna e aos custos elevados com dadas carreiras da máquina pública – claro está que não estamos aqui a falar dos médicos, dos enfermeiros, dos professores e congêneres tão afeitos a atender diretamente à maioria da população brasileira e sabidamente tão mal remunerados.

Nesses termos, conclui-se que muito poucos são os que ainda se beneficiam da atual conformação da economia brasileira: a galera da bufunfa (como diz o economista Paulo Nogueira Batista), o setor exportador (mas tendo lá seus percalços), dados estratos/carreiras do funcionalismo público e, claro, os ‘amigos do rei’ que obtêm perdões de dívidas com o fisco etc. O restante da população, dado o conjunto dos indicadores apresentados, chafurda a cada dia que passa no desemprego ou no emprego precário, nas baixas remunerações auferidas, na perda do poder de compra dos seus rendimentos (dados os preços crescentes), nas dificuldades de sustentar os seus negócios (notadamente, os pequenos e médios empresários) etc. Portanto, resulta que a economia brasileira precisa com urgência trocar a chave da condução da política econômica. Definitivamente: as coisas estão fora de lugar para efeito da construção de uma economia estável em termos de dinamismo, com alargamento do seu mercado interno e maior equidade social. Em suma: estamos chegando a uma situação limite. Infelizmente!

 

* O 1,5 ano que se seguiu, assim entendemos, não serve de referência na medida em que ele foi inteiramente ‘contaminado’ pela ambiência política daquela época.

NOTAS

  1. Indicadores I. Coeficiente de Gini: varia de 0 a 1, e quanto mais perto de zero maior é a igualdade e, ao reverso, quanto mais próximo de uma unidade mais concentrada é a renda nacional.
  2. Indicadores II. Pessoas ocupadas: esse número foi obtido somando-se os dados obtidos dos anos de 2012-14 e dividindo-os por três. Neste caso, infelizmente, não conseguimos a informação referida ao ano de 2011; e, Taxa de desemprego: tal percentual foi calculado somando-se os dados de 2019 com os apurados em novembro de 2020 e dividindo-os por dois.
  3. Indicadores III. IGP – DI: acumulado no ano, tendo em vista o mês de dezembro, dividido por quatro no primeiro caso e por dois nos dois outros casos; IPCA: idem; SELIC: número médio (como antes); e, Taxa de câmbio: idem.
  4. Indicadores IV. Importações e Exportações registram, na Balança Comercial do Pagamento de Pagamentos, respectivamente, as saídas e as entradas monetárias relacionadas as transações que envolvem bens tangíveis entre o país e o que se denomina de Resto do Mundo; e, Saldo de Transações Correntes: considera as mesmas relações monetárias entre o país e o apontado Resto do Mundo incluindo os aspectos saldo da Balança Comercial, saldo de serviços (não-fatores, de capital e de mão de obra), transferências unilaterais e outros.
  5. Indicadores V. Dívida Bruta do Setor Público: ela compreende os três níveis federativos mais a Previdência Social; e, Dívida Mobiliária Interna: é a parte da dívida pública que pode ser paga em moeda nacional. Não foi considerada no artigo a Dívida Mobiliária Externa (que deve ser paga em divisas estrangeiras).

 

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