O governo caribenho tenta implementar um novo pacote de medidas que provocou um grande descontentamento devido ao aumento de preços de todos os bens e serviços básicos e levou a destituição do  ministro da Economia .

Desde dezembro do ano passado, o governo cubano tem repetido que suas medidas econômicas mais recentes – que entrariam em vigor entre fevereiro e março – não são um pacotaço neoliberal. Este esclarecimento, vindo de um governo dirigido por um partido comunista, é perturbador e contraditório.

As medidas anunciadas pelo governo cubano consistem basicamente em cortes de subsídios que abrangem oito setores de serviços: aumento da tarifa do transporte público, elevação dos preços dos combustíveis e do botijão de gás de cozinha – a modalidade mais usada nos setores populares –, da água e da eletricidade. Além desses serviços, deve-se acrescentar o aumento de preços da fundamental “caderneta de abastecimento” – uma cesta subsidiada de alimentos e produtos de higiene, com a qual a maioria popular cubana se abastece – assim como os poucos produtos que o governo vende no varejo. As novas medidas também afetam uma rubrica que poderia parecer menor, mas que no cenário cubano não é: aumento do preço da medicina natural. Diante da escassez e do desabastecimento dos fármacos, o uso deste tipo de medicamentos se generalizou.

Em linha com as medidas, o ministro da Economia Alejandro Gil e o primeiro-ministro Manuel Marrero insistiram que a política agora será “subsidiar pessoas e não produtos”. Para reforçar esta ideia, o primeiro-ministro anunciou em seu discurso do dia 20 de dezembro passado que somente as pessoas economicamente vulneráveis é que comprarão os produtos da caderneta com preços subsidiados. Acontece que em Cuba as pessoas “economicamente vulneráveis” não são apenas as de setores de baixa renda, como está estabelecido, mas também a grande maioria da classe trabalhadora cubana que, com um salário médio de 20 euros por mês, também vive numa situação de vulnerabilidade econômica.

Mas, embora a rejeição às novas medidas seja um tema comum que pode ser ouvido nas ruas cubanas, a reação ao pacote econômico teve conotações políticas mais complexas do que a típica catarse nas sonolentas paradas de ônibus. O economista cubano Miguel Hayes, coordenador do meio de comunicação não oficial La Trinchera, escreve em sua conta na rede social X que as novas medidas são um “pacotaço neoliberal”. De sua parte, o especialista em economia cubana Pedro Monreal também alertou, no antigo Twitter, que “não necessariamente um pacote econômico tem que ser de corte neoliberal para produzir efeitos parecidos com os de um pacote neoliberal”. A conceituada historiadora cubana Alina López declarou à Revista Ctxt que “o nome não importa tanto quanto o fato de se tratar de um tremendo pacotaço [entenda-se ajuste econômico]”. E Alina López acrescentou que na economia cubana existem “traços neoliberais”.

Ciente destas e de outras afirmações semelhantes, o ministro da Economia refutou os ataques ao novo plano econômico. “Todas as comparações que estão fazendo com pacotes neoliberais não passam de má intenção”, declarou o ministro numa entrevista especial na televisão, realizada no dia 27 de dezembro. Gil também apontou algo fundamental: “O neoliberalismo visa reduzir ao mínimo a intervenção do Estado (…). Nós estamos falando de aumentar o papel do Estado como ente regulador da economia (…). Não estamos falando de mais privatização.”

Mas as medidas polêmicas extrapolaram as costas cubanas, chegando à Argentina, onde a organização trotskista Izquierda Socialista chegou a publicar um artigo comparando este pacote de medidas com o ajuste que o ultradireitista presidente Javier Milei está propondo. Este polêmico artigo, assinado pelo dirigente trotskista argentino José Castillo, foi reproduzido na imprensa digital da oposição cubana, que – através de VPN –, é amplamente lida na ilha caribenha, gerando maiores questionamentos entre muitos trabalhadores.

Um ajuste econômico para uma Cuba em crise (e a burguesia crescendo)

Este pacote de medidas acontece em uma Cuba que ainda não saiu da crise econômica. O turismo, principal setor econômico de Cuba, está muito longe de alcançar os números anteriores aos da epidemia do coronavírus. Se, em 2019, Cuba registrou a chegada de mais de quatro milhões de turistas, segundo fontes oficiais, em 2023, a ilha caribenha só recebeu 2,4 milhões de visitantes estrangeiros e “cubanos radicados no exterior”. Para tornar a situação mais complexa, a maior parte destes turistas se hospedou em instalações do setor privado. O resultado disto foi que, de acordo com o Escritório Nacional de Estatísticas e Informação, em 2023, a ocupação dos hotéis estatais foi de somente 25,8%. Este é um dos principais fatores pelos quais o Produto Interno Bruto cubano em 2023 foi de -2%.

A isto se soma o fato de que o setor da economia privada – que desde 2023 está autorizado a importar – controla a venda de alimentos em Cuba, oferecendo-os a preços quase impossíveis para o trabalhador médio. O preço dos produtos oferecidos na “caderneta de abastecimento” não aumenta desde a modificação feita pelo governo em janeiro de 2021; no entanto, os alimentos vendidos no setor privado tornam-se desproporcionalmente mais caros a cada mês: o Escritório Nacional de Estatísticas e Informação anunciou em dezembro passado que o preço dos alimentos aumentou 79,11%. A isto devemos acrescentar que a cada mês, ao longo de 2023, o preço dos alimentos cresceu mais de 50%.

Como sempre acontece em Cuba – e agora não há motivo para exceção –, quando o Estado aumenta os preços, o setor privado também os aumenta. Agora, o impacto será ainda mais forte: o número das empresas privadas supera o das empresas estatais. De acordo com o Ministério da Economia, em janeiro já existiam 9.122 empresas privadas, que contratavam a metade da classe trabalhadora cubana.

Propaganda política versus realidade econômica

Diante da recepção negativa do novo pacote econômico – oficialmente chamado de “projeções para corrigir distorções e reestimular a economia” – o governo cubano tem se dedicado amplamente a esclarecer a necessidade das medidas. Para isso, porta-vozes oficiais explicam que as “distorções” são as perdas causadas pelos subsídios e, consequentemente, os preços tiveram que ser “atualizados”.

Para ajudar a compreender porque é necessária a aplicação das controversas novas medidas, o ministro da Economia, Alejandro Gil, proferiu várias palestras televisivas no final de dezembro. Paradoxalmente, Gil aumentou as expectativas ao dizer que no aumento dos preços “o que está por trás é a eliminação do subsídio”.

Um alto funcionário cubano, que pediu para preservar seu anonimato, declarou à CTXT que o aumento de preços planejado inicialmente seria muito maior e atingiria mais setores, mas o descontentamento popular levou à reorganização do novo programa econômico. “As atas das reuniões dos núcleos do Partido [Comunista] (células-base da organização partidária) evidenciaram um grau de insatisfação que não prevíamos e decidimos retirar parte das disposições”, declarou ele.

Diante disso, o governo cubano prepara toda uma artilharia de propaganda política: não só para convencer os trabalhadores descontentes, mas também os militantes do Partido. No dia 29 de janeiro, na primeira reunião do Conselho de Ministros de 2024, o presidente cubano anunciou que se criariam comissões de “quadros do Partido” para visitar as bases do PCC para “explicar-lhes” a necessidade de implementar o novo pacote econômico. “Podemos nos encontrar com coletivos de trabalho, núcleos do Partido que não entendam [as novas medidas econômicas] e temos que lhes explicar bem”, disse Díaz-Canel. Basicamente, a explicação oficial é que o governo não pode continuar a subsidiar estes setores, e que o aumento de preços e cortes de subvenções ajudaria a “relançar” a economia nacional. No entanto, mesmo com todas as explicações que possam dar os funcionários do Partido Comunista, elas não mudarão o impacto que o aumento de preços provocará na realidade dos trabalhadores.

Quanto os preços subirão?

No início de janeiro, o governo cubano anunciou os percentuais de aumento dos preços de transporte, que entrariam em vigor em 1º de fevereiro. As tarifas de uma parte do transporte em Havana e Santiago de Cuba (a segunda cidade mais importante) aumentaram 100%, enquanto que as dos ônibus interprovinciais subiram em média 280%. O preço da passagem de trem, utilizado principalmente por setores mais carentes, aumentou aproximadamente 710%.

O preço do combustível subiria 570%, argumentando-se que o litro de gasolina custa entre 0,95 centavos de dólar e 1,25. No entanto, isto deve ser entendido no contexto cubano, onde o salário médio é de 20 euros mensais. O aumento do combustível também impactará os táxis e, portanto, os milhares de pessoas que utilizam esse serviço.

Ao mesmo tempo, o preço dos botijões de gás aumentará 80%, e eles são utilizados principalmente pelos setores de menor renda. A tarifa da eletricidade só aumentará para os chamados “grandes consumidores”, que são uma minoria considerável, pois, segundo o ministro das Finanças e Preços, Vladimir Regueiro Ale, chegam a 1 milhão e 700 mil habitantes. A nova tarifa para estes quase dois milhões de consumidores crescerá uma média de 19,5%. O novo pacote de medidas também afeta a tarifa da água, que aumentará 300%.

Uma dona de casa, que pediu para não se identificar, declarou à Ctxt que “agora, além dos alimentos serem caros, também será caro acender o fogão – praticamente quase não poderemos comer”. Uma estudante universitária acrescentou à conversa: “desde que subiram os preços do transporte em janeiro de 2021, passei a ir caminhando para a universidade pelo menos duas vezes por semana. Agora, vou virar maratonista”.

Aparentemente, o “descontentamento imprevisto” pode ser a razão pela qual não foi detalhado quanto aumentarão os preços dos alimentos oferecidos na caderneta de abastecimento. Por coincidência, no dia 31 de janeiro, o governo anunciou um acontecimento inusitado: a venda de combustíveis com os novos preços foi adiada devido a “um problema de segurança nos sistemas computadorizados de comercialização”, provocado por um “vírus vindo do exterior”, informou numa coletiva de imprensa a vice-ministra de Economia e Planejamento, Mildrey Granadillo.

Parece que o governo prefere esperar o resultado do trabalho político de seus quadros partidários. O novo pacote de medidas, no meio de uma crise econômica agravada, pode provocar a eclosão de protestos semelhantes às manifestações populares ocorridas em 11 de julho de 2021, algo impossível de se prever pelos vulneráveis sistemas computadorizados que atualizariam a venda de combustível, mas, sim, temido por aqueles que ordenaram o aumento dos preços.

Poucas horas depois desta nota ser escrita, o Politburo de Cuba anunciava, no dia 2 de fevereiro, a destituição do ministro da Economia, Alejandro Gil. Será substituído no cargo por Joaquín Alonso Vázquez, atual ministro-presidente do Banco Central de Cuba. (Publicado pelo Ctxt em 03/02/2024)

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Tradução e Revisão: Celia Bartone
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