Os países pobres precisam continuar pobres porque os ricos fizeram muito para destruir o planeta.[1]

A recente visita de John Kerry, o enviado especial climático do governo americano à China foi para debater a redução das emissões chinesas de gases de efeito estufa. O governo chinês, por seu presidente Xi, disse a Kerry que a China não avançaria com sua meta atual, que é começar a reduzir as emissões até 2030.

A maioria da mídia ocidental publicou que a China está colocando o planeta em risco ao se recusar a avançar no cronograma de redução de suas emissões. O fato de a China ser a líder mundial em energia eólica, energia solar e carros elétricos e que todos os três estão crescendo a taxas anuais de dois dígitos não é levado em consideração.

A reclamação básica é que a China deve começar a reduzir suas emissões agora, por causa da crise que o planeta enfrenta e por ser ela a maior emissora mundial de gases de efeito estufa. De novo, o fato de que tenha quatro vezes a população dos EUA e emita menos da metade por pessoa não importa. Também não é considerado e nem importa que sua economia esteja a crescer rapidamente enquanto tenta alcançar os padrões de vida dos Estados Unidos e dos demais países ricos. Se isso vale para a China, vale muito mais para os demais países pobres em renda per capita que é o indicador que interessa para a nossa análise.

Essa reclamação dos países ricos contra os pobres se baseia em dois tipos de argumentos que seriam descartados como absurdos se fossem usados contra os países desenvolvidos. Primeiro: o tamanho da população não importa – apenas quanto eles estão emitindo como um todo e não por habitante. Segundo: os níveis não importam – apenas nos preocupamos com as taxas de variação. Ou seja, para a defesa do clima e da transição verde, as emissões per capita não importam, apenas as emissões totais. Qual o sentido dessa ideia?

O descalabro dessa ideia é que um país pequeno, com baixa população e renda per capita poderia ter um enorme aumento de emissões porque a política só se preocupa com as emissões totais, não per capita. Um pequeno e pobre país mesmo com centenas de vezes suas emissões atuais, estaria emitindo apenas uma pequena fração do que os EUA e os demais países desenvolvidos emitem.

Se disséssemos isso sobre todos os países com uma população relativamente pequena, teríamos muito mais emissões do que agora. Presumo que qualquer pessoa que realmente se preocupe com o futuro do planeta não diria que é normal que países pequenos tenham emissões per capita muitas vezes maiores que os EUA.

Medido em termos per capita, os Estados Unidos estão entre os piores emissores do planeta. Ou seja, são os outros países, em especial os pobres, que emitem muito menos per capita e ajudam a prevenir um desastre climático.

Ao que parece, o argumento traz em si a ideia de que as emissões históricas, de alguma forma, autorizam um país a emissões futuras. Daí, o argumento de nos preocuparmos apenas com as taxas de variação e não com os níveis naturaliza o fato de que os altos níveis de emissões passadas nos permitem ter altos níveis de emissões futuras. O maior absurdo dessa argumentação é que ignora o fato de que quanto maior o PIB, maiores os níveis de emissões. Historicamente, na medida em que os países ficaram mais ricos, eles passaram a emitir mais gases de efeito estufa.

Voltemos para o exemplo da China, que não é mais pobre, tem renda per capita média, está em um processo de rápido crescimento e desenvolvimento econômico e social. Limitar o crescimento futuro de suas emissões seria efetivamente dizer que o país não tem o direito de alcançar os padrões de vida dos ricos.  Pior seria aplicar esse critério aos países de renda per capita mais baixa da África Subsaariana, América Latina e Sul da Ásia, que praticamente teriam negada a oportunidade de melhorar os padrões de vida de suas populações porque não tiveram altas emissões em anos anteriores.

A história fica ainda pior quando consideramos que a única razão pela qual o planeta enfrenta agora uma crise climática é que os Estados Unidos e outros países ricos vêm lançando grandes quantidades de gases de efeito estufa na atmosfera desde o final do século XVIII, com a revolução industrial e a crescente utilização de energia fóssil.

Por trás do argumento dos países desenvolvidos, existe a ideia de que aos países em desenvolvimento deve ser negada a oportunidade de melhorar os padrões de vida de sua população porque eles exploraram as fontes fósseis de energia para o seu bem-estar e sujaram muito a natureza.

Ao invés de tirar a escada e cortar a energia dos países pobres, os Estados Unidos e os outros países desenvolvidos deveriam adotar uma política de deixar a tecnologia que desenvolvem totalmente em código aberto, para que todos no mundo pudessem aproveitá-la, sem preocupações com monopólios de patentes ou outras proteções para alterar a matriz de consumo de energia.

A China está avançando rapidamente na promoção de energia limpa e carros elétricos. Mas tem a projeção de ter seu pico de emissões em 2025, após o qual as emissões serão reduzidas. Isso é resultado de políticas agressivas que adotaram para controlar suas emissões, políticas que são muito mais agressivas do que qualquer coisa que implementamos aqui. Isso ajudaria a acelerar o processo de difusão para que as tecnologias limpas pudessem ser adotadas mais rapidamente em todo o mundo. Mas fazer isso pode significa tirar o dinheiro do bolso dos países detentores dessas tecnologias e de seus direitos de propriedade intelectual e industrial. Dessa maneira, não espere ver nenhuma discussão sobre tecnologias limpas de código aberto. Manter pobres os países no mundo em desenvolvimento é mais rentável do que tirar os lucros dos grandes oligopólios globais.

A tensão geopolítica e geoeconômica não se refere só à guerra dos chips. Dados para o ano de 2021 do Fundo Monetário Internacional (FMI) indicam que a renda per capita americana é de, aproximadamente, US$ 65.000; a chinesa é de US$ 10.000 e a indiana, de US$ 2.000, aproximadamente. Quem vai dizer para a China e para a Índia que não podem melhorar seu padrão de vida para se aproximar daquele dos países desenvolvidos? EUA e União Europeia vão diminuir o consumo de energia per capita? Como desbancar a dependência das fontes não renováveis? As populações da China e da Índia são quatro vezes maiores do que as dos EUA e EU. Com o atual paradigma energético, o meio ambiente explode se eles forem para a igualação do padrão de bem-estar dos EUA e da UE. É uma fonte junto com os chips das tensões geopolíticas. Olha a confusão aí, gente!

Referência:
[1]  Muitas das ideias apresentadas aqui estão no artigo Baker, D. The Chinese need to stay poor because the United States has done so much to destroy the planet, RWE, July 31, 2023.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
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