Temos mais um liberal confuso com a ascensão da extrema direita no Brasil. O cineasta José Padilha se arrependeu da forma como homenageou em sua produção audiovisual recente a operação Lava Jato e os capitães do mato de Curitiba. O diretor, que hoje mora nos EUA, foi mais um daqueles que achou que o grande monstro a ser destruído no Brasil era a centro-esquerda desenvolvimentista, lutou como pôde contra ela e agora precisa rever sua posição em face da barbárie bolsonarista. Neste sentido, Padilha pode ser caracterizado como o típico liberal brasileiro, aquele que deu colaboração consciente, inconsciente ou mesmo dissimulada, para a chegada do fascismo na presidência e agora está “boladinho”.
Padilha é provavelmente um liberal progressista, daqueles que são simpáticos ao identitarismo racial e contrários às opressões de gênero. Mas como liberal-raiz, reduziu a política à corrupção estatal e acabou se confundindo. Vejamos. Enquanto os parasitas do mercado financeiro dos EUA quebravam o capitalismo no final dos anos 2010, Padilha só falava de Lula. Enquanto, no Brasil, o lawfare da Lava Jato e a mídia empresarial desmoralizavam a Petrobras para ensejar um golpe jurídico-parlamentar e entregar a maior riqueza que o Brasil já descobriu – o pré-sal – para o grande capital internacional, Padilha saudava a operação numa série.
Depois disso, enquanto as forças democráticas levantavam-se para impedir a chegada de um notório fascista à presidência da República, Padilha incensava o juiz que viabilizou a vitória do fascista, ao prender, alguns meses antes da eleição, o candidato que iria derrotá-lo. Mas a condescendência do liberalismo brasileiro com o fascismo vai além. Em 2018, todos viram o então candidato da extrema direita elogiando torturadores, sugerindo o fuzilamento de adversários, ensinando crianças a fazerem “arminha” com as mãos e prometendo que ia privatizar tudo que pudesse, seguindo a orientação do banqueiro pinochetista que viria a se tornar seu ministro da economia. Do outro lado, Fernando Haddad apresentava seu liberalismo de esquerda inofensivo e com a cara de PSDB da USP.
Mas, como a maioria dos liberais brasileiros, Padilha via ali uma disputa entre dois “extremos”, a já famosa “escolha difícil” de outra liberal confusa, a jornalista Vera Magalhães. Como muitos, Padilha fingiu que não viu que Bolsonaro era Bolsonaro, criticou o PT mais uma vez, falando de Cuba (!), e ficou “isentão”. Perante a disputa entre uma centro-esquerda ultra-moderada e um extremista de direita orgulhoso, o liberal se isentou. Mas todo mundo sabe que na luta política não existe vácuo, e ficar neutro num segundo turno significa necessariamente apoiar quem está na frente. E ponto final.
Ao alardear a falsa equivalência entre Haddad e Bolsonaro, a maioria dos liberais brasileiros transigiu com o fascismo, e, na prática, apoiou a ascensão do bolsonarismo ao poder. Assim o fez a Folha, a Globo, o Estadão, Luciano Huck, Miriam Leitão e mais um monte de gente “bacana” e educada. Seja pela adesão às arbitrariedades da Lava Jato ou pelo apoio ao ultraliberalismo de Paulo Guedes, os liberais brasileiros operaram e ainda operam como a segunda perna do bolsonarismo, sem a qual este último não fica de pé. Basta ver que o Novo (kkk) é o partido mais fiel a Bolsonaro no Congresso.
Contudo, agora, muitos destes liberais estão arrependidos com o anti-Lula que ajudaram a construir (talvez seja a hora de uma autocrítica, hein). Mas não há nada de inédito nesta tabelinha entre liberalismo e fascismo. Para combater o reformismo de conciliação do petismo, os liberais brasileiros são capazes de tudo. Quem conhece um pouco da história do capitalismo no Brasil, sabe que mesmo os liberais mais “modernos” são capazes de alimentar o cachorro louco do fascismo se for para derrotar as esquerdas organizadas que questionam nossas desigualdades históricas. E sempre com base na mesma falácia: a do combate à corrupção no Estado.
O fascismo e o liberalismo no Brasil vieram do mesmo lugar: da burguesia escravocrata monocultora voltada para o mercado externo que em parte se converteu num empresariado industrial urbano subordinado ao centro do capitalismo mundial. E das camadas médias que servem a estes setores, que vão pra universidade, ocupam o serviço público e cultivam um ódio atávico e apaixonado de tudo o que se refere à emancipação do popular e à desconcentração da riqueza nacional. Por isso, o liberalismo brasileiro reluta e esperneia um pouco, é verdade, mas, no final das contas, apoia o mais genocida dos nossos atrasos civilizatórios.