O uso de nudges oferece soluções criativas e de baixo custo para problemas complexos. O relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento tem trazido experiências valiosas para o aprendizado de novos comportamentos.
No meu artigo “Nudge: Um gesto criativo no cenário urbano do Rio de Janeiro”, comentei sobre um muro recém-pintado na Praça XI, no Rio de Janeiro, que exibia a provocativa inscrição: “muro reservado para pichadores amadores”. Argumentei que essa mensagem ilustrava um exemplo de nudge, uma estratégia da ciência comportamental que busca influenciar comportamentos de forma sutil e criativa, sem recorrer a proibições diretas. Em vez de desencorajar o vandalismo com restrições, a inscrição utilizava o humor para afetar a autoestima dos pichadores, promovendo uma reflexão capaz de desestimular a prática.
Nos primeiros dias de dezembro de 2024, porém, a cena havia mudado. O muro, antes marcado pela provocação escrita, agora exibia um grafite, semelhante aos outros da vizinhança.
Esse aparente insucesso da experiência não é suficiente para considerar a estratégia ineficaz. Avaliar se esse nudge fracassou requereria uma análise mais aprofundada, considerando fatores como o tempo decorrido até o muro ser pichado e comparações com outros muros recém-pintados que não adotaram a mesma abordagem criativa.
Adicionalmente, seria interessante investigar a aplicação dessa estratégia em São Gonçalo, apontado pela mídia como o local de origem desse tipo de nudge e onde sua adoção parece ser ampla. A popularidade dessa abordagem é inegável, evidenciada pela comercialização de placas com a mesma mensagem em plataformas como o Mercado Livre (ver aqui anúncio).
Os limites dos nudges
Apesar de sua ampla disseminação como ferramenta de política pública, os nudges têm sido alvo de críticas, especialmente em relação à redução de sua eficácia ao longo do tempo. No Reino Unido, por exemplo, o governo utilizou nudge para aumentar as declarações de imposto de renda, enviando cartas que informavam aos contribuintes que uma grande porcentagem dos cidadãos já havia declarado seus impostos. Nos primeiros anos, a estratégia funcionou, mas, com o tempo, sua eficácia caiu à medida que as pessoas se acostumaram ao formato da mensagem.
Outra limitação é que muitas vezes sua aplicação é feita de forma genérica, impactando indivíduos fora do público-alvo e gerando efeitos colaterais. Um exemplo é o envio de cartas comparativas para reduzir o consumo de água e energia: enquanto eficaz para muitos, algumas residências com baixo consumo aumentaram sua demanda ao perceberem estar abaixo da média. Isso indica a necessidade de direcionar melhor essas intervenções, focando nos maiores consumidores.
Além disso, nudges são ineficazes quando direcionados a pessoas com pouca capacidade de mudar o comportamento esperado, como incentivar o uso de transporte público em lugares onde há escassez de oferta adequada ou tarifas acessíveis.
Por fim, há o risco de que os nudges afetem negativamente aqueles que já apresentam o comportamento desejado. Por exemplo, um nudge para incentivar a poupança pode levar indivíduos que já poupam de forma equilibrada a adotar práticas excessivas, resultando em um efeito contraproducente.
Casos de sucesso e perspectivas
Essas limitações reforçam a necessidade de testes rigorosos em diferentes contextos. Em 2022, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) divulgou o relatório “Pequeños Empujones para América Latina y el Caribe: Una Década de Mejorar la Política Pública con la Economía del Comportamiento”, descrevendo e avaliando a experiência do uso de nudges em 14 países da América Latina. Essas intervenções abrangeram setores estratégicos como educação, gênero, saúde, Covid-19 (com foco no controle da propagação do vírus), seguridade social e poupança para aposentadoria, tributação, administração pública e promoção de pequenas e médias empresas (PMEs).
Uma das experiências mais interessantes descritas no relatório foi a aplicação de nudges no Peru, para incentivar os professores mais qualificados, aprovados em concursos, a escolherem trabalhar em escolas desfavorecidas. Foram testados três tipos de mensagens direcionadas aos professores:
- Uma mensagem altruísta, como: “Escolas com maiores necessidades precisam de professores comprometidos como você.”
- Uma mensagem que enfatizava os benefícios monetários e profissionais pré-existentes, como: “Ao escolher esta escola, você poderá receber X% a mais no seu salário.”
- Uma mensagem neutra, sem apelo específico.
Os resultados mostraram que as duas mensagens não neutras aumentaram a probabilidade de os professores escolherem escolas desfavorecidas. Notavelmente, os professores mais qualificados foram mais influenciados pela mensagem altruísta, indicando que esse tipo de apelo pode ser especialmente eficaz nesse grupo.
No Brasil, enfrentamos desafios semelhantes, e essa abordagem pode ser altamente relevante. Um estudo conduzido por Leonardo Rosa, pesquisador do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), analisou as escolhas dos professores na cidade de São Paulo e revelou que os profissionais mais bem classificados nos concursos evitam escolas que atendem crianças mais pobres, situadas em áreas vulneráveis e com os piores desempenhos em testes de aprendizagem. (ver O Globo 28/08/2017).
Embora os nudges ofereçam soluções criativas e de baixo custo para problemas complexos, sua eficácia depende de uma implementação cuidadosa e de um monitoramento constante. Continuar a explorar seu potencial, como nas experiências descritas no relatório do BID, pode gerar aprendizados valiosos sobre como promover mudanças sustentáveis de comportamento.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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