A pandemia ainda não acabou. Portanto, não tem como deixar de lado as medidas que foram tomadas para enfrentá-la. Isso é o que diz o relatório do Fundo Monetário Internacional – FMI, “Fiscal Monitor: Policies for the Recovery October 2020”, e afirma ainda: “principalmente aquelas voltadas para o aumento do investimento público”.

Antes de avançar na análise das propostas do FMI é necessário esclarecer o significado do termo investimento público. Isso é importante não apenas para os leitores que não estão familiarizados com os termos econômicos, mas principalmente para os economistas neoclássicos que o confundem apenas com investimento em máquinas, equipamentos e infraestrutura física de transportes e comunicações.

O investimento público geralmente se refere à formação bruta de capital fixo (valor total das aquisições, menos alienações, de ativos fixos) pelo estado, seja por meio do governo central ou local ou por meio de indústrias ou empresas públicas. O investimento público abrange o investimento físico ou tangível em infraestrutura (como transporte, telecomunicações e edifícios), mas em um sentido mais amplo, o investimento público pode incluir o investimento humano ou intangível em educação, habilidades (cursos de especialização) e conhecimento.

Até agora, o foco imediato dos governos para atenuar os efeitos da crise da Covid-19 tem sido adequado, atuando com apoio nos serviços de emergência de saúde e fornecendo linhas de vida para famílias, mediante concessão de subvenções sociais, e créditos subsidiados para empresas vulneráveis. A partir deste momento os governos precisam preparar as economias para uma reabertura segura e bem-sucedida, promover a recuperação do emprego e da atividade econômica e facilitar a transformação para uma economia pós-pandêmica que, com as políticas certas, pode ser mais resistente, menos desigual e mais sustentável. Nessa perspectiva, o investimento público pode dar uma contribuição crucial para essas metas.

Do ponto de vista macroeconômico, o investimento público encontra uma conjuntura nacional e internacional muito favorável na qual as taxas de juros nominais e inflação esperadas apresentam-se como os mínimos históricos das últimas décadas, o que oferece condições excelentes para financiar um aumento de investimento. Em muitos casos, é desejável tomar empréstimos para financiar investimentos de alta qualidade, uma vez que o financiamento barato diminui a barreira para a realização de um investimento. Além disso, os ativos criados geram retornos tributáveis e são avaliados pelos mercados quando avaliam o risco soberano.

Com amplos recursos ociosos, o investimento público pode ter um impacto mais poderoso do que em tempos normais. O investimento público e seus efeitos de fomentar e incrementar o investimento privado pode mitigar a estagnação da economia brasileira prévia ao coronacrise. A estagnação econômica foi exacerbada pela crise, já que a incerteza sobre o curso da pandemia diminuiu ainda mais o investimento privado e estimulou níveis mais altos de poupança preventiva.

Além disso, a recuperação da atividade econômica está sendo restringida por balanços patrimoniais enfraquecidos do setor privado e perdas de capital humano por causa do desemprego. O investimento público pode encorajar o investimento de empresas que, de outra forma, poderiam adiar seus planos de contratação e investimento.

Para os países em desenvolvimento e algumas economias avançadas, no entanto, que se encontram com elevada deterioração da dinâmica da dívida, ou com dívidas contraídas em condições de financiamento restritivas, os investimentos públicos continuarão limitados, especialmente nas economias com altos níveis de dívida externa denominada em moeda estrangeira.

Este não é o caso da economia brasileira. O grosso da nossa dívida está denominada em moeda nacional. Assim o risco de insolvência não existe.

Além de suas implicações macroeconômicas, o investimento público é essencial para elevar o crescimento econômico de longo prazo. E, se o ministério da economia não for dirigido pelo ministro da “ideologia econômica’, dará direção para onde esse crescimento deve ir. Ou seja, o investimento público fora do contexto do ministério da ‘ideologia econômica” deve se dirigir para fortalecer a resistência da economia às crises e para avançar em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Isto demonstra que a economia brasileira está numa fase de elevada resiliência às crises.

As necessidades de investimento eram claramente grandes antes da pandemia e aumentaram desde o seu início no Brasil. O investimento público diminuiu desde a década de 1990, reduzindo os índices de estoque de capital em relação ao Produto Interno Bruto – PIB e em relação ao capital privado, em especial decorrente das privatizações, as quais não trouxeram o resultado esperado.

As taxas de investimento público têm caído, especialmente nos setores de saúde, habitação, proteção ambiental, educação e infraestrutura social, enfraquecendo a resiliência da sociedade aos efeitos de qualquer crise sanitária como a Covid-19. Durante a última década ou mais, os estoques de infraestrutura tradicional não aumentaram rápido o suficiente, e ficaram abaixo das necessidades estimadas, isso vem ocorrendo num período especialmente crítico pois se esperava que a demanda por transporte público urbano mais do que duplique nas próximas duas décadas

Para o emprego de forma geral, o FMI estima que em períodos de incerteza o emprego pode aumentar entre 0,9% e 1,5% em dois anos, como resposta a um choque de investimento público em torno de 1% do PIB. Considerando as circunstâncias especiais da pandemia é muito mais difícil antecipar o índice do multiplicador de investimentos, portanto de quanto resultaria um determinado investimento. O FMI crê ainda ser razoável esperar que nas economias avançadas e várias economias emergentes, o multiplicador será maior que em tempos normais, bem acima de 1,0. Também indica que o investimento público ao nível da saúde e outros serviços sociais está associado a aumentos significativos no investimento privado, no horizonte de um ano.

Uma crise como essa não vai passar rápido e exige uma saída gradual com uma política de reconstrução econômica e social. Essa crise não acaba por decreto. A política de ajuste fiscal a qualquer custo e em curto prazo, determinada pelo ministro da “ideologia econômica com o apoio do mercado financeiro e do presidente da Câmara dos Deputados (Baby Maia), significa que eles pensam que a Covid-19 possa ser extinta por decreto a partir de 31 de dezembro de 2020 com o encerramento de todas as medidas emergenciais. Isso vai piorar a situação, aumentar a pobreza, o desemprego e manter milhões de brasileiros em condições de miserabilidade.

O dogmatismo neoliberal de Guedes e Maia, apoiado na Faria Lima, e a insistência em manter o teto de gastos não encontra mais apoio nem nas mais vetustas organizações ortodoxas, como o FMI. Além de propor o aumento do investimento público, o FMI recomenda que os países deveriam apostar em transferência de renda na saída da pandemia e, suprema heterodoxia, em tributar os mais ricos.

Infelizmente essa mudança de posição não chegou ao ministério da ideologia’ nem ao “Baby Maia”.

Em 2021, a economia brasileira estará menor do que em 2019. A economia brasileira não estava bem antes da crise do coronavírus, já dava sinais de desaceleração. A crise sanitária só aumentou essa fragilidade. Vivemos uma grande recessão e que será agravada com a política restritiva de gastos sociais. Não é preciso ser economista para saber que perseguir o equilíbrio fiscal com uma economia estagnada tem tudo para dar errado.

Nas principais economias do mundo, a discussão gira em torno de uma política fiscal que seja gradual e que possa durar cerca de dez anos. O Brasil deve seguir este caminho, adotar uma política fiscal que seja gradualista e construtivista como a prevê a Proposta de Emenda Constitucional 36/2020 (do líder do PT, senador Rogério Corrêa), que abre espaço no teto de gastos em 2021 e 2022 e transfere a definição de uma nova regra fiscal para 2023.

O fim do orçamento de guerra no meio da calamidade vai gerar medo, insegurança, e uma crise política, social econômica mais grave ainda. Como o “mundo gira e a lusitana roda” pode-se dizer que o outrora terror dos países emergentes e alvo das mais fortes críticas dos economistas heterodoxos está mais progressista do que o ministro Guedes e do que o presidente da Câmara Baby Maia.

Realmente o Brasil não é para amadores e de onde menos se espera “é que não vem nada mesmo”.