O último suspiro do multilaterismo no G20?
A reunião do G20 que ocorreu no Rio de Janeiro nos dias 18 e 19 de novembro foi como um suspiro de multilateralismo antes da mudança de governo nos EUA. Trump, tendo vencido o processo eleitoral nos EUA, e garantido maioria na Câmara e no Senado, além de já ter uma maioria de juízes afinados com sua visão de mundo na Suprema Corte, terá pouca oposição institucional para tocar as suas ideias na gestão do Executivo nos EUA, a partir de janeiro do próximo ano. Nos temas internacionais, a visão de Trump é fortemente unilateralista, pouco afeita a negociar a aceitação de seus interesses em espaços multilaterais como o G20.
Mais complicado ainda: está previsto que os EUA serão o anfitrião da reunião do G20 de 2026. Isto significa que já a partir de agora os EUA passam a integrar a chamada “troika”, um grupo de três países composto pelo anfitrião da próxima reunião (no caso, a África do Sul), o último anfitrião (o Brasil, onde acabou de acontecer a reunião) e o anfitrião da subsequente reunião (no caso, os EUA), que é um importante espaço de concertação entre os membros do G20. Ou seja, os EUA automaticamente já entram nesse novo espaço de alta articulação no G20, e é exatamente neste espaço que a partir de janeiro estarão os representantes diplomáticos do governo Trump.
Na presidência do G20 desde a finalização da reunião da Índia, em setembro de 2023, o Brasil colocou para a reunião três prioridades: o enfrentamento das mudanças climáticas; a reforma de instituições multilaterais, como a ONU, para que países emergentes tenham mais representatividade; e o combate à fome, à pobreza e à desigualdade. No Comunicado final da reunião (que tem versão em português) esses pontos se apresentam claros, mostrando um protagonismo da diplomacia brasileira ao longo desse período.
A questão climática, expressa em vários pontos do Comunicado, mais importante do que por sua redação (vale lembrar que o G20 ocorreu em paralelo à COP 29, espaço específico para esta discussão mais aprofundada), prepara a atuação do Brasil a respeito da COP 30, que vai ser presidida pelo Brasil e realizada em Belém, no ano que vem.
A reforma do sistema multilateral, em especial ONU e instituições financeiras (FMI e Banco Mundial), também presente em vários parágrafos, se conecta a antigas aspirações do Brasil, como a participação permanente no Conselho de Segurança da ONU, ou a aspirações expressas desde a crise de 2007 e 2008, de um maior protagonismo nas instituições de Bretton Woods, expressa em vários documentos dos BRICS, outro grupo internacional do qual o Brasil participa.
Finalmente, o tema do combate à fome, pobreza e desigualdade é um tema forte para o Brasil, que busca através dele um protagonismo em âmbito mundial a partir de sua articulação com países menos desenvolvidos e em desenvolvimento. Vale lembrar que foi um tema-chave do deslanche diplomático do Brasil nos primeiros governos Lula, entre 2003 e 2010, e voltou com força agora. O lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza durante o G20, com o apoio do G20, mas, já de partida, com quatro vezes mais membros, é um ponto importante. Assim como é importante a sua capacidade de mobilizar financiamento e compartilhamento de conhecimento, para a implementação de programas de larga escala, com o objetivo de reduzir a fome e a pobreza em todo o mundo. O Brasil ganhou, seguramente, e de novo, projeção internacional com o tema.
Dito isso, a resolução final busca navegar no mar de tormentas da conjuntura internacional, com suas guerras (Ucrânia, Oriente Médio), conflitos internos nos países, e o pano de fundo da disputa hegemônica entre os EUA e a China, cada lado buscando estreitar laços com seus parceiros. Não é fácil, e de novo aqui a diplomacia brasileira conseguiu contornar possíveis problemas que poderiam inviabilizar um comunicado final de peso.
Assim, está lá no Comunicado a defesa do multilateralismo e da paz, mas é exatamente onde a resolução não parece considerar o que vem por aí. Do ponto de vista de um dos principais países do G20, os EUA, o documento não expressa a posição do governo que vai começar em janeiro, mas do que vai sair em janeiro (no caso da COP, onde também no documento aparece a expressão do governo Biden, que está se despedindo, e aí é até pior, pois a posição do governo Trump é simplesmente não acompanhar as reuniões e os acordos internacionais sobre mudanças climáticas). Por isso, talvez o Comunicado expresse um último suspiro desse último período de quatro anos. A ver.
O Brasil fez o seu papel, como anfitrião da reunião, gerenciando tensões e chegando a conseguir um documento final denso, dado o cenário internacional. Mais do que isso, conseguiu embutir no documento as prioridades brasileiras, e tem como se mover diplomaticamente em temas de seu interesse com base no documento. A grande questão é até quando. A ampulheta está virada, a areia está se esgotando, e o governo Trump vem por aí. Com uma agenda que, a princípio, confronta o conjunto do documento aprovado quase que integralmente.
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Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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