Inovação e região são alicerces da nova política. E, com esse direcionamento se constrói a proposta da Nova Indústria Brasil
O tema é o processo de modernização e inovação na economia brasileira e seus rebatimentos regionais. Tema que tem sido foco de meus estudos faz muitos anos. Tema que considero fundamental para um desenvolvimento mais harmônico e menos desigual de nossa sociedade.
Em agosto deste ano tivemos a Quinta Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Conseguimos colocar na agenda de debates a questão regional. Conseguiu-se chegar a alguns consensos.
Desde a época de transição para o novo governo, um grupo de estudiosos se fez presente com ações propositivas. Nas reuniões preparatórias da conferência, com temáticas estaduais e regionais, teve-se a preocupação de analisar o tema, trazendo subsídios para uma estratégia nacional que considerasse o assunto como fundamental para a proposta de desenvolvimento.
Entre os pontos consensuais, destacou-se que o regional tem que fazer parte da estratégia nacional; a regionalização não é apenas sinônimo de descentralização de recursos (é preciso uma política estruturada); as regiões periféricas apresentam uma problemática mais crítica, necessitando de enfoque privilegiado; a inovação e região incluem P&D stricto senso, assim como áreas estruturadoras como educação, capacitação, política industrial, entre outras.
Em recente reunião em Recife, a ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação anunciou medidas voltadas para o tema. Ficamos contentes. Agradecemos e procuramos entender melhor.
Se o caminho está correto, qual o sentido deste texto?
Um dos principais pilares da nova política de desenvolvimento nacional é uma mudança profunda enfatizando a indústria como setor estratégico, alicerce para uma mudança realmente significativa em nossos rumos.
Mazzucato, em seu livro Missões Econômicas[1], partindo da crise do capitalismo, da crise financeira de 2008, adensadas com as catástrofes ambientais e com a pandemia, tenta mostrar uma nova visão de planejamento. Aponta para uma economia orientada para missões, na qual os governos traçam objetivos e caminhos – a base de toda a proposta assumida pelo governo atual.
Nesse sentido, definiu-se vetores basilares para a política pública. Erradicar a fome, adequar e modernizar o complexo da saúde, enfrentar os problemas urbanos de moradia e mobilidade, aumentar a competitividade do setor produtivo através da transformação digital, abordar a questão ambiental através da transição energética e da bioeconomia, recuperar a infraestrutura bastante sucateada de escoamento da produção, são pontos que marcam as seis missões definidas e que são básicas para o processo de desenvolvimento.
Se a política industrial é fundamental, é importante entender como pode ser vista:
A política industrial não pode ser vista apenas como ações para segmentos isolados, mas tem que se alicerçar fortemente no processo de inovação disruptiva, na capacitação e formação de mão de obra compatível com um novo paradigma em que é fundamental entender algoritmos complexos e sua estrutura, entre outros. Para isso, o planejamento do futuro se torna cada vez mais premente. Criar as pré-condições num país continental com sua diversidade de realidades depende de ações estatais estruturantes.
Nessa direção, inovação e região são alicerces da nova política. E, com esse direcionamento se constrói a proposta da Nova Indústria Brasil, plano para reorientar a estratégia e fortalecer a indústria.
Esperava-se que fossem estruturadas ações que realmente pudessem trazer impactos em três direcionamentos básicos, quais sejam: criação e consolidação de Sistemas Territoriais de Inovação regionalizados como premissa para a Manufatura 4.0; fortalecimento da política de desconcentração da base técnico-científica, a exemplo do que foi feito e será ampliado com as universidades e institutos federais de ensino; pensar novos modelos de financiamento à inovação compatíveis com as lógicas regionais, seus complexos industriais e suas missões.
Surge então o ponto crucial, como tornar isso uma prática efetiva? Esse deveria passar a ser o foco.
A principal agência de financiamento à inovação no Brasil, que tem recursos e mecanismos bem estruturados para implementar ações efetivas, inclusive com porte adequado é a Financiadora de Estudos e Projetos- Finep. Ela tem, inclusive, um fundo que foi recuperado na atual gestão, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico- FNDCT, com recursos em volumes significativos.
Fazendo um trabalho sobre sistemas locais de inovação, procurei trabalhos oficiais que pudessem me dar subsídios para melhor compreensão do que vem se estruturando.
Recebi o texto oficial “A inovação na Política Industrial Brasileira: Relatório de Investimentos da Finep na NIB 2023-2024”. Vou lê-lo. Fico entusiasmado ao ver que neste período, até 1 de dezembro de 2024, foram investidos R$ 21,5 bilhões em inovação e desenvolvimento na indústria nacional, que adicionados às contrapartidas chegam a mais de R$ 25,5 bilhões.
Se analisarmos as missões específicas definidas ver-se-á que, em número de projetos, a defesa teve 36, a transição energética 308, a transformação digital 606, a infra-mobilidade 421, a saúde 190, e as cadeias agroindustriais 346 – números bastante significativos. No entanto, é assustador a concentração regional. Os números dizem por si.
A região Sudeste aprovou, de recursos da Finep 10,3 bilhões de reais, ou seja, 48% do total, sem grandes contrapartidas. A região Sul, da mesma forma, aprovou 41%. Ou seja, serão investidos cerca de 90% do total para a inovação da NIB apenas nessas regiões. Enquanto isso, a região Norte receberá apenas 1,1%, a Nordeste 5,5% e a Centro-Oeste 5,1%. Um escárnio e totalmente fora da lógica debatida e aprovada.
Em número de projetos se repete: Sudeste 32%, Sul 56%, Nordeste 6%, Centro-Oeste 3,3% e Norte 1,9%. Ou seja, um vetor de concentração absurdo.
Se analisarmos por estados, nota-se que na região Sudeste – São Paulo e Minas Gerais concentram 81% dos projetos, enquanto os três estados da região Sul têm uma distribuição mais equitativa.
O relatório é revelador. Passados dois anos, no principal pilar de transformação produtiva concebido, a preocupação com a questão regional é totalmente irrelevante. Adotam-se posturas que excluem importantes macrorregiões nacionais das prioridades nacionais. É fundamental reverter tal postura. A prática pode levar a um forte impacto negativo distributivo.
É necessário deixar claro os critérios alocativos e entender que o Estado Nacional tem um papel fundamental para redirecionar tendências perversas para a sociedade. Isso é obrigação de quem quer um país mais justo. Explicações devem ser dadas e mudanças de rumos tomadas.
Referência:
[1] Mazzucato, Mariana. Mission Economy: a moon shot guide to change capitalismo. New York, Harper Business, 2021, 272 p.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli
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