Crédito: Nayra Halm/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Na terça-feira passada, finalmente, o judiciário brasileiro decidiu o óbvio, o que milhões de brasileiros lúcidos e minimamente bem informados já sabiam há vários anos: que Moro nunca foi verdadeiramente um juiz e sim um mero instrumento de uma operação montada no exterior para derrubar um governo legitimamente eleito, condenar e tornar inelegível um personagem que a atrasada e apátrida oligarquia brasileira considerava seu inimigo maior: Lula.

Esta farsa se transformou na maior tragédia da nossa história: expôs de forma inequívoca a fragilidade do país como nação. Temos consciência, hoje, que somos muito menos do que pensávamos. Senão, como explicar que depois de 27 meses de um desgoverno genocida, Bolsonaro possa, ainda, ter o apoio de um terço da população, de mais de 70 milhões de brasileiros?

A gente conhece as mazelas da nossa história: o genocídio dos povos indígenas, séculos de escravidão, o eixo central da economia voltado para os interesses forâneos: pau brasil, açúcar, ouro, depois café. Exportar para transferir nossa renda para as potências coloniais e enriquecer uma elite atrasada, predadora, que nunca teve um projeto de nação.

Instituições débeis: um Congresso eleito pelo poder econômico com suas três bancadas do mal: da bala, do boi e da bíblia. Um judiciário altamente corporativo, pleno de privilégios, verdadeira “caixa preta”, uma casta umbilicalmente ligada e a serviço de uma deplorável elite escravagista.

Nas nove décadas pós República Velha, poucos governos fizeram o país avançar: 19 anos da era Getúlio, cinco anos do “avançar 50 anos em 5” de JK e 15 anos de Lula/Dilma, um período progressista de governos de centro-esquerda. Mais nada. Por mais de 50 anos tivemos a mediocridade de um Gaspar Dutra, mais de duas décadas de ditadura militar, o breve populismo enganoso de um Jânio Quadros e de um Collor de Melo. E, também, oito anos de FHC, um perverso ciclo marcado por criminosas privatizações lesivas ao interesse nacional.

A direita brasileira conseguiu o que queria: afastar Lula e destruir a imagem do PT. O problema é que as escolhas feitas e os equívocos cometidos foram tão demasiados que surgem indícios sutis, é verdade, de que marchamos para um novo rompimento institucional.

O primeiro equívoco foi a escolha do sucessor: nada podia ser pior do que Bolsonaro. Um ex-tenente do exército, que por pouco não foi expulso da corporação por graves trapalhadas cometidas, deputado federal medíocre, sem nenhuma experiência em cargos executivos, ligado ao que de pior existe no baixo clero da lamentável política carioca, despreparado, grosseiro, tosco, sem condições para exercer sequer o cargo de prefeito de uma prefeitura do interior.

A banca financeira colocou no Ministério da Economia um quadro de sua confiança, um economista de biografia opaca, para fazer o que devia: reduzir salários e direitos dos trabalhadores, destruir as carreiras dos servidores públicos, privatizar, entregar o pré-sal, esquartejar a Petrobras, vender a preço de banana o patrimônio nacional, dentre outras barbaridades.

O total descaso do seu presidente no enfrentamento da pandemia na compra da vacina acelerou o contágio e o número de mortes, provocando uma forte reação popular: enquanto que no mundo a Covid-19 recua, aqui, nos últimos dois meses, avança e é hoje uma tragédia nacional sem precedentes. O panelaço de terça, que ecoou forte, é prova disso. O momento exige medidas expansionistas, keynesianas, difíceis de serem tomadas por quem, como o Guedes e equipe, rezam e professam uma rígida ortodoxia neoliberal. O governo está perdido, paralisado. Tardiamente reconhece que precisa acelerar a vacinação em massa.

As duas decisões que favoreceram Lula nos tribunais superiores, que surpreendeu e alegrou muita gente, não devem ser superestimadas. Decorrem, me parece, da percepção de algumas raras mentes lúcidas do judiciário. Os absurdos cometidos pela Lava Jato, as trapalhadas do TRF4, as claras manipulações dos processos, a escandalosa parcialidade da mídia – flagrada em claro conluio com as autoridades que devem acusar e julgar – levou a uma situação de total desmoralização, de descrédito do chamado 3° poder. Esta modesta reviravolta é o início de uma tímida mea-culpa.

Eu não acredito, a história não deixa nenhuma dúvida de que lado o judiciário sempre esteve. Pavões togados. Não trocaria nenhum deles por um tostão furado.

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