O ex-presidente João Goulart é um símbolo da democracia brasileira

Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro vetou o projeto do então senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) de dar o nome do ex-presidente João Goulart (1918-1976) à rodovia BR-153, entre Cachoeira do Sul (RS) e Marabá (PA), totalizando 3,3 mil quilômetros de estradas que cortam o país. O PLS 503/2011 havia sido aprovado pelo Senado em 2012 e pela Câmara (onde recebeu o número 4.261/2012) em setembro passado. Nas duas Casas, a proposta foi acatada em caráter terminativo em comissões, sem necessidade de votação no Plenário, indicando que a aprovação se deu sem nenhum tipo de objeção pelos congressistas.

Entretanto, em 14 de outubro, no despacho que comunicou o veto, Bolsonaro alegou que esse tipo de homenagem não pode ser “inspirada por práticas dissonantes das ambições de um Estado Democrático”. Porém, quem é que teve práticas dissonantes com o Estado democrático? João Goulart ou Jair Bolsonaro?

Jair Bolsonaro já defendeu o torturador general Brilhante Ustra publicamente na sessão de impeachment (ou golpe) que depôs a presidente Dilma Rousseff. Jair Bolsonaro já defendeu a comemoração do golpe de 1964, chamado por ele de Revolução. Jair Bolsonaro já fez apologia ao estupro contra a senadora Maria do Rosário. Jair Bolsonaro já defendeu remédios ineficazes contra o coronavírus, cujo uso sem prescrição médica levou à morte um grande número de brasileiros. Jair Bolsonaro já alegou que não sairia do poder caso não vencesse nas urnas nas próximas eleições. Recentemente, a CPI da Covid acusou Jair Bolsonaro de nove crimes, incluindo o crime contra a humanidade.

Portanto, quem é Jair Bolsonaro para acusar Jango de práticas dissonantes com o Estado democrático? Este foi o mesmo argumento usado pelos golpistas que apoiaram a instalação do regime militar em 1964 e que usaram um discurso de suposta defesa da democracia para levar justamente ao fim o regime democrático no Brasil. Não é, portanto, de surpreender que Bolsonaro, que já deu claros sinais de que postula o fim da democracia no Brasil, utilize as mesmas retóricas contra o mesmo presidente que defendeu a democracia em 1964.

É interessante notar que o projeto de lei para nomear uma rodovia com o nome de João Goulart não foi sugerido por um político de esquerda, mas por um tucano, o que demonstra que a necessidade de homenagear o ex-presidente vai além de disputas partidárias ou da pauta política apenas das esquerdas. Além disso, demonstra que o reconhecimento da importância de João Goulart para a formação do Estado Democrático Brasileiro vai além de alinhamentos políticos ou partidários. Conforme dito pelo então senador na justificativa de seu PLS: “é impressionante o grau de atualidade das palavras [de João Goulart], e igualmente alarmante o quanto destas reformas ainda há por fazer”.

O veto de Bolsonaro corrobora, então, o seu distanciamento de todos os setores democráticos da política brasileira, incluindo a própria direita. Também não foi surpresa o veto, pois Bolsonaro já havia se posicionado contra a devolução simbólica do mandato de Goulart pelo Congresso Nacional ocorrida em 2013, durante o governo Dilma Rousseff.

Por outro lado, como neta do ex-presidente João Goulart, sinto-me orgulhosa do veto de Bolsonaro a Jango. Meu avô, mais uma vez, se juntou aos grandes, se juntou a todos aqueles que foram vetados pelo presidente lunático que hoje temos no poder, incluindo Paulo Freire e Chico Buarque. Por fim, sublinho que o veto de Bolsonaro a João Goulart não é apenas um ataque contra a memória deste presidente, mas sim contra todos os brasileiros que defendem um país mais livre, justo e, principalmente, democrático.

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