A morte de Wellington da Silva Braga, conhecido como Ecko, foi comemorada como um fato histórico no combate ao crime pelo governador do Rio Cláudio Castro (PSC), para quem “Ecko simbolizava a impunidade”. Na mesma esteira, veio o senador Flávio Bolsonaro, também fazendo muito barulho, diferente da atitude que teve após a morte de outro miliciano, Adriano da Nóbrega, ex-policial militar acusado de integrante da “rachadinha” do gabinete do senador, à época deputado estadual.
Para o pesquisador José Cláudio Souza Alves, que estuda as milícias há mais de 26 anos, a ampla repercussão e a valorização dada à morte de Ecko faz parte de uma estratégia iniciada em outubro de 2020, e está focada nas eleições de 2022. Ele, que é professor titular da UFRRJ, apresenta um ângulo de análise muito interessante na entrevista concedida à Mariana Pitasse, publicada pelo Brasil de Fato (BF) do dia 17 de junho. Ele avalia que a polícia civil e os políticos bolsonaristas pretendem direcionar as atenções para a construção de uma milícia vinculada ao tráfico de drogas. Isto é falso, é apenas uma forma de tirar a responsabilidade do papel do Estado, pois as milícias se constituem basicamente por agentes do Estado e não por traficantes. (Ana Lúcia de Santa Cruz e Eduardo Scaletsky)
Entrevista de Mariana Pitasse com José Cláudio Souza Alves.
BF: O que representa a morte do líder miliciano Ecko na última semana em operação da Polícia Civil do Rio?
O assassinato do Ecko, a meu ver, faz parte de uma estratégia que vem se consolidando no Rio de Janeiro. Essa estratégia se iniciou em outubro do ano passado, a um mês das eleições, com uma ação conjunta da Polícia Civil e da Polícia Rodoviária Federal, que vitimou 17 pessoas na Baixada Fluminense. Trata-se de uma espécie de guinada da atuação policial com o objetivo de matar membros do que chamam de “narcomilícia”.
Essa estratégia sinaliza a ideia de que existe uma milícia que está sendo construída pelo tráfico de drogas. Algo absolutamente falso já que as milícias se constituem basicamente por agentes do Estado e não por traficantes. Quando fazem essa construção alegam que os traficantes são responsáveis pelas milícias.
Assim, jogam a responsabilidade da milícia nas costas do tráfico e isentam a estrutura policial do Estado, que é absolutamente comprometida com a milícia. Também ratificam a imagem de “bandido bom é bandido morto” como prática que “resolve” os problemas do Rio.
A morte do Ecko, portanto, se alinha a uma escalada de assassinatos e de construção de uma ideia de uma ação “antimiliciana”, que tenta escamotear a verdadeira forma da milícia no Rio, jogando nas costas do tráfico, nas costas do Ecko, uma repercussão equivocada. Ele era um mero soldado. Não comanda essa estrutura.
BF: Qual o objetivo dessa estratégia?
Essa é uma lógica de palanque, construída para fortalecer o discurso da extrema direita, a qual Cláudio Castro [PSC], atual governador do Rio, e seus comandados se vinculam. Uma lógica que já produziu efeitos nas últimas eleições, fortalecendo politicamente grupos milicianos na Baixada e no Rio.
O desdobramento disso foi a criação do 39° Batalhão da Polícia Militar em Belford Roxo, na Baixada, em uma região chamada Complexo do Roseiral. De janeiro até agora já foram mortas mais de 20 pessoas em operações contra o Comando Vermelho nessa área, fortalecendo um grande projeto de expansão miliciana. Outra escalada se deu na chacina do Jacarezinho, favela comandada pelo Comando Vermelho. Essa foi uma clara manifestação de apoio às milícias dessa área.
Ecko se tornou líder da milícia “Liga da Justiça” após a morte de seu irmão Carlinhos, em 2017. A disputa pela chefia local dessa milícia está em jogo também agora. Quais os cenários possíveis? A liderança do Ecko já sofria contestação por parte do Danilo Dias Lima, conhecido como Tandera. Ele rompeu com o Ecko em uma disputa interna. A polícia atribui a uma discordância em relação aos vínculos da “Liga da Justiça” com o Terceiro Comando Puro. Eu acho que isso é falso, até porque o próprio Ecko tem sua origem no tráfico.
A meu ver, essa disputa está se dando pela recusa do Ecko de valorizar interesses e ganhos que a polícia e o governo do estado querem obter com essa milícia nesse momento. Interesses que estão associados à expansão do controle territorial, econômico e político, visando as eleições de 2022. Como Ecko discordou desse uso e dessa potencialização, ele virou uma peça descartável. O Tandera a meu ver aceitou esse acordo e virou uma peça em ascensão.
É o cenário de 2022 que está se projetando, o controle dessas áreas que está em jogo. É disso que se trata, constroem dimensões da violência, eliminam os que são descartáveis e vão se projetando como heróis nessa estrutura que eles próprios construíram.
BF: A morte de Ecko pode significar uma queda ou perda de poder de Jairo e Jairinho dentro desse grupo miliciano?
As lideranças de Jairo e de Jairinho não estão em jogo. Não estão ameaçados porque fazem parte do jogo político, estão consolidados, são vinculados à estrutura de poder do Estado. A meu ver, não representam um desalinhamento, eles consolidam esse poder.
O Tandera, o Ecko, são soldados de frente, prontos para serem mortos, mas os grandes negócios prosseguem. As mortes deles são rearranjos de fortalecimento de quem tem poder nesta estrutura, que é normalmente quem tem o poder político, para quem a polícia mata, para quem a polícia faz o serviço sujo. É preciso ter muita atenção e não acreditar que esse movimento significa uma grande transformação e fim dessa milícia. Não tem nada a ver com isso.
BF: O senador Flávio Bolsonaro comemorou a morte de Ecko nas redes sociais, no último sábado (12), parabenizando a operação da polícia civil. Qual o real sentido dessa comemoração?
Figuras como Flávio Bolsonaro com histórico de envolvimento com milícias, com homenagens a milicianos, com envolvimento com Adriano da Nóbrega, que foi líder do Escritório do Crime, também com relações com Fabrício Queiroz, outro membro da estrutura miliciana de Rio das Pedras, comemoram a morte do Ecko porque os interessa. Com um acontecimento desses, eles limpam a imagem de que são vinculados a essa estrutura, dizem que apoiam a morte de milicianos. Na verdade, é a morte de um traficante que operava em parceria com a milícia e foi colocado como líder para ser morto.
É uma peça útil também porque permite um marketing “antimiliciano” desse governo, o que é pura mentira. Eles são a própria estrutura miliciana. Claro que vão fazer esse discurso de comemoração, mas é uma jogada midiática que vão lançar mão. A morte do Ecko cumpre esse papel e a milícia se torna um palanque.
Eles matam seus membros, principalmente quem é ligado ao tráfico, mas não vão tocar na estrutura, quem é ligado ao aparato do Estado, por isso, a milícia continua funcionando. O controle territorial, por sua vez, se fortalece e se amplia. Figuras como os Bolsonaro e demais grupos de extrema direita vão ser os beneficiários dessa manutenção, já calculada, enfileiradamente, para o desfecho nas eleições de 2022.
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