A esquerda e sua luta platônica contra as políticas sociais pobres para os pobres

O presente artigo aborda em detalhes as origens, determinantes, características e consequências da “luta” platônica da esquerda majoritária contra as “políticas sociais pobres para os pobres”, apresentada no artigo “A esquerda, as políticas sociais pobres para o pobres e o federalismo”.

Por “luta” platônica, como detalhado mais à frente, queremos dizer uma luta “de caráter espiritual, sem desejo sexual”, ou seja, sem tesão, sem objetivo claro (Dicionário Priberam). Como sintetizou um amigo, “muita tese, pouco tesão”.

O ator social principal em nossa análise é a fração majoritária da Esquerda brasileira, seus líderes e dirigentes, partidários ou não, e, em particular, seus seguidores na Academia e na gestão/operação das “políticas sociais pobres para os pobres”, por exemplo Saúde e Educação Básica públicas, das quais querem distância como usuários pelas razões alinhadas à frente.

O foco nesta fração da Esquerda, a “Esquerda de Alma Branca”, se deve à importância dos segmentos sociais que a conformam, na luta por essas políticas sociais públicas, em particular por dois papéis, muitas vezes simultâneos ou alternados, desempenhados por estes segmentos: (I) o de intelectuais, como analistas dessas políticas, propositores de diversas alternativas para estas e formadores de opinião, principalmente a partir da Academia; e (II) o de gestores/operadores dessas políticas sociais públicas “pobres para os pobres”, responsáveis pela implementação daquelas diversas alternativas nos milhares de cargos de livre nomeação da gestão e operação da Saúde e Educação Básica públicas na União, Estados e Municípios.

É claro que, por óbvio, não são as ações e omissões da fração hegemônica da Esquerda brasileira, seja na Academia, seja na gestão e operação dessas políticas públicas “pobres para os pobres”, as responsáveis exclusivas pela contínua decadência e privatização dessas políticas.

Entretanto, tendo em vista a importância política nesta luta deste segmento da Esquerda e dos setores sociais que o conformam, é de fundamental importância compreendermos seu papel, sua atuação e seus equívocos. Por isto, aqui vamos delinear as origens, determinantes, características e consequências da “luta” platônica dessa fração majoritária da Esquerda contra as “políticas sociais pobres para os pobres”, para que uma nova Esquerda possa superar essa “luta” platônica e nos engajarmos na luta efetiva em busca das alternativas para enfrentar a causa principal da decadência e privatização das políticas sociais públicas, que, como já detalhado em artigo anterior, é o quebra-cabeças político-estrutural insolúvel de sua organização com base em nosso federalismo municipalista alucinado, único no mundo.

Esta análise não desconsidera as iniciativas, tanto na Saúde como na Educação Básica públicas, que têm buscado superar aquela barreira político-estrutural, no árduo caminho para a nacionalização e qualificação dessas políticas públicas. Entretanto, aqui se afirma que continuaremos “enxugando gelo”, e na essência reproduzindo ad aeternum a Saúde e a Educação Básica públicas “pobres para os pobres”, se não superarmos definitivamente as gravíssimas consequências da autonomia político-administrativa da União, Estados e Municípios no interior da organização dessas políticas públicas. Por óbvio, “enxugar gelo” não se refere aos esforços diários de milhares de militantes e profissionais das linhas de frente, na Saúde e na Educação Básica públicas, para superar a miríade de carências dessas políticas sociais.

Nos limites do espaço aqui disponível, a investigação das origens, determinantes, características e consequências desta “luta” platônica da fração majoritária da Esquerda contra as “políticas sociais pobres para os pobres” se desdobra nas seguintes vertentes deste fenômeno sócio-político: (I) porque esta “luta” é um “quebra-cabeças caleidoscópico”, um jogo impossível de ganhar; (II) a práxis como critério da verdade, os resultados desta “luta” platônica em 34 anos pós CF/88; (III) as relações de classe objetivas da fração majoritária da Esquerda com a Saúde e Educação Básica privadas e com a Saúde e Educação Básica públicas “pobres para os pobres”, na Academia e na gestão e operação dessas políticas públicas; (IV) as relações de classe subjetivas da fração majoritária da Esquerda com a Saúde e Educação Básica privadas e com a Saúde e Educação Básica públicas “pobres para os pobres”, na Academia e na gestão e operação dessas políticas públicas.

I) O “quebra-cabeças caleidoscópico”: um jogo impossível de ganhar

Naquela “luta” platônica, os segmentos dessa Esquerda majoritária que pelejam para que Saúde e Educação Básica públicas sejam de qualidade e para todos, inclusive os acadêmicos e os gestores/operadores dessas políticas sociais “pobres para os pobres”, conscientemente ou não, por mais éticos e sinceros que sejam, “enxugam gelo” ao não enfrentarem a questão fundamental que inviabilizou essas Políticas Sociais, o federalismo municipalista alucinado no interior de sua organização. E “enxugam gelo” porque, percebendo ou não, esses atores sociais jogam um jogo sem fim de “quebra-cabeças caleidoscópico”, um jogo infinito impossível de ganhar.

São 5.598 entes federados que, devido às suas autonomias político-administrativas, são, cada um, dono de “sua” Saúde e de “sua” Educação Básica públicas: a União, 26 Estados, 5.570 Municípios e um Distrito Federal.

Pior ainda, todos, todos os milhares de cargos de gestão da Saúde e da Educação Básica públicas ─ dos respectivos ministros, passando pelos secretários estaduais e municipais, até o diretor do menor posto de saúde ou escola, do menor, mais longínquo e distante município ─, são cargos de confiança, ou seja, de livre nomeação pelos chefes dos respectivos poderes executivos.

Por isto, a manutenção deste complexo quebra-cabeças é, por um lado, extremamente difícil, pois implica na contínua montagem, remontagem e tentativas de integração, em nível nacional e local, das milhares de partes da Saúde e da Educação Básica públicas de “propriedade” de cada um desses 5.598 entes federados, e por isso totalmente subsumidas à política partidária e eleitoral. Por outro lado, esse mesmo quebra-cabeças a cada dois anos se torna um caleidoscópio, pois, a cada eleição, de dois em dois anos, suas peças mudam, com a substituição dos ocupantes dos milhares de cargos políticos e técnicos de cada uma dessas milhares de partes da Saúde e da Educação Básica públicas nesses 5.598 entes federados.

E tudo recomeça em condições ainda piores, com um novo quebra-cabeças. Trata-se, na Saúde e na Educação Básica públicas, de uma organização inteiramente teratológica sob qualquer ótica. Por essa razão, o SUS nunca foi um Sistema Único de Saúde, mas, sim, a “colagem” de 5.598 “Sistemas Únicos de Saúde”. E a Educação Básica pública, mais ainda, é uma imensa colcha de 5.598 retalhos. Assim se configura um processo de extrema e permanente instabilidade organizacional, fragilização e recorrente perda de conhecimento na gestão/operação dessas políticas sociais, com a decorrente e ininterrupta privatização e degradação da Saúde e da Educação Básica públicas.

Das mesmas Saúde e Educação Básica públicas dependem diretamente cerca de 170 milhões de brasileiros. Se isto não é motivo suficiente para que uma nova Esquerda trave a luta efetiva por um novo modelo de organização e gestão dessas políticas, melhor que a Esquerda morra de vez.

II) A práxis como critério da verdade: os resultados desta “luta” platônica em 34 anos pós CF/88

A práxis como critério da verdade foi um tema enfrentado por Marx. Trata-se de reconhecer que existe uma permanente tensão dialética entre: (I) o pensamento, intenções e objetivos declarados pelos atores sociais; (II) sua prática para a consecução daqueles objetivos; e (III) os resultados desta prática. Mais especificamente, dois são os critérios que, combinados, revelam a efetividade das ações dos atores sociais frente a seus objetivos declarados como pretendidos: o tempo e as transformações objetivas resultantes no ambiente social objeto dessas ações.

Quando se aplica esses dois critérios às ações daquela fração hegemônica da Esquerda em sua “luta” platônica, seja na Academia, seja na gestão e operação da Saúde e Educação Básica públicas “pobres para os pobres”, declaradamente visando superar essas últimas em benefício de Saúde e Educação públicas de qualidade para todos, a conclusão inescapável é de um fracasso gritante.

Quanto ao tempo decorrido nessas ações, lá se vão 34 anos (uma geração!!!). Quanto às transformações objetivas resultantes dessa “luta” na Saúde e Educação Básica públicas, o resultado foi sua metamorfose na Saúde e Educação Básica públicas “pobres para os pobres”, totalmente carentes, fragmentadas, desintegradas, privatizadas e subsumidas aos piores interesses políticos e eleitorais, aquelas Saúde e Educação públicas para os cerca de 170 milhões de cidadãos que delas dependem exclusivamente.

Tudo isto torna fundamental compreendermos as razões, determinantes, características e consequências desta “luta” platônica, como delineado em seguida.

III) Relações de classe objetivas, da fração majoritária da Esquerda, com a Saúde e Educação Básica privadas e com a Saúde e Educação Básica públicas “pobres para os pobres”, na Academia e na gestão e operação dessas políticas públicas

Na análise das razões históricas que conduziram a fração hegemônica da Esquerda brasileira, a “Esquerda de Alma Branca”, por um caminho de autocomplacência e “luta” platônica contra o contínuo processo de decadência e privatização das políticas sociais públicas, é importante registrar que a “opção” por este caminho não decorreu de problemas pessoais ou de caráter, mas foi, sim, determinada pelas seguintes relações objetivas de classe daquela fração hegemônica da Esquerda brasileira no que se refere à:

  • Sua dependência da Saúde e da Educação Básica privadas como clientes integralmente subsidiados com recursos públicos via abatimentos no imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas. Vale assinalar que essas benesses tiveram início na transição dos anos 1960/70, na tecnoburocracia federal então em processo de modernização.
  • Sua independência, por isto, da Saúde e da Educação Básica públicas “pobres para os pobres”, das quais querem distância como usuários.
  • Sua dependência dessas Políticas Sociais públicas “pobres para os pobres” como ocupantes dos milhares de cargos de “poder” e remuneração na gestão e operação dessas políticas, na União, Estados e Municípios.
  • Suas relações com o “poder” e as vantagens cumulativas, de cargos e remunerações, no vai-e-vem entre a Academia e os milhares de cargos de gestão e operação dessas políticas públicas “pobres para os pobres”, na União, Estados e Municípios.
  • Suas relações, na Academia, com as exigências formais e vantagens para suas carreiras, inclusive remuneratórias, da produção, ad aeternum e ad nauseam, de artigos de análise e proposição de políticas públicas de Saúde e Educação Básica.

IV) Relações de classe subjetivas, da fração majoritária da Esquerda, com a Saúde e Educação Básica privadas e com a Saúde e Educação Básica públicas “pobres para os pobres”, na Academia e na gestão e operação dessas políticas públicas

Aquelas relações de classe objetivas determinaram, ao longo dos anos pós-CF/88, as relações de classe subjetivas, ou seja, as emoções, ações e omissões, mesmo que inconscientes, do segmento hegemônico da Esquerda frente à decadência e privatização contínuas da Saúde e da Educação Básica públicas “pobres para os pobres”.

Essas relações de classe subjetivas se expressaram basicamente de dois modos, intimamente entrelaçados:

  • No contínuo e sutil reposicionamento comportamental desta fração majoritária da Esquerda nos planos político, ideológico e da práxis, que migrou da postura aguerrida antes e durante a Assembleia Constituinte para uma atitude de acomodação, em vários níveis, frente às imensas dificuldades da luta política e ideológica por políticas sociais públicas efetivamente universais e de qualidade para todos. E isto se agravou com a adoção, por esta Esquerda majoritária, das razões e instrumentos de luta política e social do neoliberalismo progressista (DOMINGUES, 2014; FRASER, 2017). Dito de outra forma, ao longo dos 34 anos pós-CF/88 a maior parte da elite progressista, em particular a Esquerda majoritária, foi levada por aquelas relações objetivas de classe a se amoldar inconscientemente à dramática realidade de exclusão social vigente em nosso país e nas políticas sociais públicas.
  • Entretanto, ainda que inconsciente a acomodação deste segmento da Esquerda com esta dramática realidade, tal situação, totalmente contraditória com suas bandeiras históricas, impôs que essa elite absolva sua má consciência política e social por meio de uma “luta” platônica contra a Saúde e Educação Básica públicas “pobres para os pobres”.

O reposicionamento comportamental

Quanto a este reposicionamento da fração majoritária da Esquerda no pós-CF/88, vários são os indícios, dos quais a seguir mencionamos alguns.

  • Sua “captura” nos planos ideológico e profissional pela Saúde e Educação privadas

Aqui, veja-se, por exemplo, o alerta de Lígia Bahia contra a “captura” dos defensores do SUS Constitucional pelos grandes conglomerados financeiros da Saúde Privada: “… Grandes empresas privadas contrataram médicos de família, inclusive os mais famosos – as lideranças da medicina de família brasileira – e financiaram o último Congresso Internacional de Medicina de Família no Brasil. … Não é só captura: é prisão perpétua. Para quem passa da porteira, é muito difícil que a gente consiga habeas corpus, até porque as pessoas não querem… E não menos importante: a captura vem subtraindo quadros do Movimento Sanitário. …” (MATHIAS, 2017).

  • Sua fragilização na defesa da Saúde e da Educação Básica públicas

Esse aspecto está, por exemplo, já em 2005, delineado numa longa entrevista de Gastão Wagner, importante integrante da Reforma Sanitária, sobre as críticas que ele faz ao comportamento dos integrantes do Movimento da Reforma Sanitária (MRS) no pós-CF/88: “Anamaria [entrevistadora]: O movimento sanitário, inclusive na saúde coletiva eu diria que não é assim não, existe uma gente muito mansa, muito amansada pela possibilidade de perder o exercício do poder, tem um pouco de medo. Gastão: Eu acho que tem um conjunto de fatores, tem uma domesticação do movimento sanitário, desde uma coisa com o poder, a institucionalização … Hoje em dia, por conveniências várias, eu acho que há um emburrecimento, dá uma tristeza, enfim…” (CAMPOS, 2005).

  • Autocomplacência na autocrítica desta Esquerda sobre sua atuação na defesa da Saúde e da Educação públicas

Aqui temos a crítica da autocrítica dessa Esquerda por Mário Scheffer, também importante integrante da Reforma Sanitária, no precioso artigo-reportagem de Maíra Mathias (2017), “Cai a ficha da Reforma Sanitária”: “É difícil avançar nesse debate sem autocrítica. Mas a timidez e a brevidade da nossa autocrítica são desconcertantes… A nossa autocrítica … sempre termina com uma homenagem ao nosso discurso tradicional de defesa do SUS – o que é, no mínimo, incompleto… A crise que afetou a esquerda governista não pode engolir o movimento Sanitário… É uma crise que pede também uma refundação do nosso campo, uma disposição de mudar profundamente e isso quer dizer mudar esforço acadêmico, programático e mudar a prática militante. É sobre incluir o SUS como elemento de um novo projeto nacional e de civilização”.

Complementando Scheffer, vemos no dia a dia que a ineficácia da “luta” platônica da fração majoritária da Esquerda contra o “SUS pobre para os pobres” é sempre auto absolvida pelas declarações do tipo: “seria muito pior se não existisse o SUS”. Na verdade, essa afirmativa deve ser entendida assim: “seria muito pior [para os 170 milhões que dele dependem inteiramente] se não existisse o SUS [“pobre para os pobres”]”. Ou seja, implicitamente, para “eles”, sempre para “eles”, porque “nós” temos Saúde e Educação Básica privadas totalmente subsidiadas com recursos públicos via abatimentos no imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas.

  • Uma Academia autorreferenciada e autocentrada

Neste aspecto podemos registrar o libelo de Rosana Pinheiro-Machado (2016), quanto ao conjunto da Academia, em seu corajoso artigo “Precisamos falar sobre a vaidade na vida acadêmica”: “A vaidade intelectual marca a vida acadêmica. Por trás do ego inflado, há uma máquina nefasta, marcada por brigas de núcleos, seitas, grosserias, humilhações, assédios, concursos e seleções fraudulentas … A entrada no mestrado, no doutorado e a volta do doutorado sanduíche vão demarcando novos status, o que se alia a uma fase da vida em que mudar o mundo já não é tão importante quanto publicar um artigo em revista Qualis A1 (que quase ninguém vai ler) …”.

Essas patologias ideológicas, políticas e relacionais apontadas por Pinheiro-Machado decorrem também daquelas mencionadas relações objetivas de classe, que produziram uma Academia fortemente autorreferenciada, autocentrada e que defende seus feudos de diversas formas, “no mais das vezes como se fossem territórios independentes no interior do território nacional, com governos e legislação próprios” (GOMES, 2016). Opa! Aqui é importante registrar que essa crítica nada ter a ver com a guerra de Jair Bolsonaro contra a autonomia das Universidades Públicas, garantida pela Constituição. Na verdade, o que se quer é que essa autonomia seja empregada em mais debate, mais autocrítica, mais transparência e mais democracia nas Universidades Públicas e nos acessos a seus Mestrados e Doutorados.

  • A escassez do pensamento crítico na Academia

Tudo isto levou a uma imensa escassez do pensamento crítico na Academia, inclusive onde aquela Esquerda é majoritária, sempre com as raras exceções.

Aqui vale recordar o contraste entre “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”, conforme Horkheimer (1975, p. 163), cujo texto parece descrever a escassez aqui referida na pletora da produção literária acadêmica.

Nessa mesma perspectiva, e na mesma toada do “emburrecimento” apontado por Gastão Wagner no item (II) acima, temos a crítica mordaz de Alysson Leandro Mascaro (2014), na aula de abertura do IV Curso Livre Marx-Engels, refletindo sobre o quase desaparecimento do pensamento crítico no conjunto da Academia, em todas as áreas do conhecimento: “… a grande questão é como animarmos uma nova geração para o pensamento crítico. Dificuldade fundamental, a Universidade é de Classe Média, e como a Universidade é de Classe Média, ela tem as esperanças da Classe Média e tem as tragédias da Classe Média, ou seja, ela visita o pobre, chora junto com o pobre e volta para casa, portanto é um mundo peculiar. Claro, a maioria do mundo visita o pobre, mata o pobre, enfim, e põe uma medalha no peito. Quem chora com o pobre já é meu irmão disparadamente, enfim, uma pessoa que ainda chora com o pobre. Mas a grande questão do marxismo é como estabelecer, e da crítica de mundo, é como estabelecer o compromisso com os explorados do mundo que se dê tanto no plano teórico quanto no plano prático, como estabelecer essa junção de teoria e prática …”.

Na mesma linha de “as tragédias da Classe Média, ou seja, ela visita o pobre, chora junto com o pobre e volta para casa”, em 14.10.2017 este que vos fala registrou num grupo de WhatsApp de militantes do SUS, sem conhecer ainda esta fala de Mascaro: “A elite dessa elite [da Esquerda majoritária], ou seja, seus líderes e dirigentes, trava essa guerra pelo SUS como quem joga “batalha naval”, por mais éticos e sinceros que sejam. Ou seja, após cada “partida” vamos todos para nossas casas, nossas academias e nossos trabalhos, e tudo continua como “dantes no quartel d’Abrantes” (acervo pessoal).

Consequência: a “luta” platônica

Tudo isto conduziu aquela Esquerda majoritária a uma “luta” platônica contra a Saúde e a Educação públicas “pobres para os pobres”. E isto ocorreu tanto na gestão e operação dessas Políticas Sociais Públicas “pobres para os pobres” como na prática acadêmica daquela Esquerda.

Na Academia, essa “luta” platônica se expressa, entre outros indícios, nas milhares de laudas que analisam ad aeternum e ad nauseam essas políticas sociais públicas, apontam dezenas de questões como fundamentais para explicar sua decadência e privatização, e propõem milhares de alternativas para essas políticas públicas. Sem que seja enfrentada, salvo as raras exceções, a causa principal da decadência e privatização dessas políticas, sua organização com base em nosso federalismo municipalista alucinado, único no mundo. Essa pletora de textos, aliás, é uma das expressões mais notáveis da tal “luta” platônica.

Na gestão das políticas sociais públicas “pobres para os pobres”, essa “luta” platônica se expressa na formulação e implementação erráticas e fragmentadas (porque subsumidas aos interesses dos executivos de plantão na União, Estados e Municípios), das milhares de alternativas de gestão, organização e operação dessas políticas públicas, que incluem as opções por sua privatização. Também aqui sem enfrentar a causa principal da decadência e privatização das políticas sociais públicas, que é sua organização com base em nosso federalismo municipalista alucinado, único no mundo.

Fica assim patente que nesta “luta” platônica continuaremos “enxugando gelo” e reproduzindo ad aeternum a Saúde e a Educação Básica públicas “pobres para os pobres”.

Enfim, é a tudo isto que uma nova Esquerda precisa reagir, antes de mais nada convocando os que hoje estão inconscientemente envolvidos nesta “luta” platônica, para o efetivo enfrentamento e superação do “quebra-cabeças caleidoscópico” que está na origem das políticas sociais “pobres para os pobres”: o federalismo municipalista alucinado no interior da organização dessas políticas.

Referências

Alysson Mascaro – Marx, Engels e a crítica do Estado e do Direito – IV Curso Livre Marx-Engels.
CAMPOS, Gastão W. de S. Sobre sua Tese de Doutorado (Reforma da reforma, repensando a saúde).
DOMINGUES, José Mauricio. Social liberalismo y dominación global. Geopolítica(s). Revista de estudios sobre espacio y poder, v. 4, n. 2, 29 jul. 2014.
FRASER, Nancy. Progressive neoliberalism versus reactionary populism: A Hobson’s choice. The Great Regression.
GOMES, Ronaldo M. Precisamos falar sobre “concursos e seleções fraudulentas” na vida acadêmica. Carta Educação, 00000, 20 jun. 2016.
HORKHEIMER, Max. Filosofia e Teoria Crítica. Os Pensadores. São Paulo, SP: Abril Cultural, 1975. v. XLVIII. p. 163.
MATHIAS, Maíra. Cai a ficha da Reforma Sanitária.
PINHEIRO-MACHADO, Rosana. Precisamos falar sobre a vaidade na vida acadêmica. Carta Capital, 24 fev. 2016.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Ilustração: Mihai Cauli

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