Em um ambiente mundial que segue conturbado, avança a preparação para a reunião dos BRICS no Rio de Janeiro, que acontecerá em julho desse ano. O cenário mundial é turbulento, e isso evidentemente influi na reunião, desde sua preparação até nos seus resultados, já que neste intervalo os países continuam interagindo com o restante do mundo, e dessa interação resultam consequências.

O principal elemento segue sendo o governo Trump, e as instabilidades que acaba provocando nas suas tentativas de disputa para não perder a hegemonia mundial para a China. A movimentação de Trump, inclusive, tem sido desastrosa para os conservadores (possivelmente mais próximos ao seu Partido Republicano) em outros países. Vale observar que, apenas no período recente, os conservadores perderam eleições para os Liberais (no Canadá, mais próximos dos Democratas) e para o Partido Trabalhista (na Austrália). Ou seja, as atitudes de Trump vão causando perdas para os setores mais próximos dele pelo mundo.

Em Roma, continua nesse início de semana a discussão para a escolha do novo Papa, que deve estar resolvida até a publicação desse artigo, ou próximo disso. Trump também fez acenos conservadores a alguns dos candidatos, e é provável que isso cause complicações também a eles, no Vaticano. A ver.

Na Alemanha, pela primeira vez no pós-Segunda Guerra, um candidato representando uma coalisão majoritária não sai vitorioso em uma primeira votação no Congresso alemão (Bundestag). Precisaram fazer nova votação para o eleger, enfraquecendo de antemão a força do novo chanceler Merz.

Além disso, a escaramuça aérea na Cachemira, área disputada pela Índia e Paquistão, com as forças aéreas de ambos os países iniciando uma confrontação, coloca em risco a paz na Ásia. Valem duas lembranças aqui. A primeira, Índia e Paquistão são potências nucleares. A segunda, a Índia é membro fundador dos BRICS. A China, que também é membro dos BRICS, mas tem relações econômicas e de utilização da infraestrutura logística do país privilegiadas com o Paquistão foi um dos países que, até aqui, se propôs a intermediar o conflito, que nesse momento pode escalar ou não. As motivações dizem respeito a que uma parte da Cachemira é reivindicada pela Índia, que inclusive já a ocupou, e acusa o Paquistão de dar guarida a grupos terroristas que operariam contra a gestão indiana na Cachemira.

E, recentemente, a China lançou oficialmente o seu instrumento financeiro para trocas internacionais, o Remimbi Digital (remimbi, ou yuan, é o nome da moeda chinesa). Esse instrumento visa agilizar as trocas com a China, saindo do sistema Swift, um sistema hegemonizado pelos EUA. Evidentemente que os EUA através de suas instituições e agentes financeiros, e do governo Trump, não gostaram nem um pouco desse processo, expressando sua insatisfação. Alguns dizem que é um mecanismo que começa a apontar para o fim da hegemonia do dólar estadunidense no âmbito das finanças mundiais.

É nesse mundo instável e cheio de fios desencapados que os BRICS vão fazer a sua reunião anual. O Brasil, como anfitrião, tem a presidência do grupo esse ano, e a difícil tarefa de administrar diferentes pressões. O que já começou a ser visto. Em reunião dos ministros de Relações Exteriores dos países BRICS, ocorrida no Rio de Janeiro no fim de abril, os países do grupo não chegaram a um comunicado final. O que acabou saindo como resultado da reunião foi uma declaração do ministro brasileiro Mauro Vieira, em nome da presidência do grupo, que cabe ao Brasil, explicando um pouco os debates e falando do que aparentemente foi um consenso da reunião, uma posição contra o protecionismo dos EUA (ou seja, a reunião conseguiu consenso em cima de um tema que é criticado pelo quase conjunto dos países do mundo). Isso mostra que não vai ser nada fácil administrar as diferenças do grupo nesse momento.

Seria, entretanto, fundamental que os países BRICS, em sua reunião de julho, a decisiva, dos chamados “líderes” (chefes de Estado e/ou de governo) chegassem a uma série de pontos comuns. O mundo precisa dessa referência em temas importantes, não apenas que dizem respeito ao comércio internacional, mas também outros como a paz mundial e o fim dos conflitos (como a absurda situação que Israel cada vez mais aprofunda em Gaza), o meio ambiente, a reforma financeira do Sistema de Bretton Woods, vigente desde o fim da 2ª Guerra Mundial e que já se mostra esgotado, a gestão da saúde mundial ameaçada por novas pandemias e pelo enfraquecimento da OMS devido ao afastamento dos EUA, e a fundamental questão ambiental, que seguirá sendo tratada, tendo o Brasil à frente, na reunião da COP em Belém, em novembro, entre muitas outras. Viabilizar um passo à frente dos BRICS que possa dar importante sinal para o conjunto dos países é muito importante. Segue sendo tarefa dura para os gestores da política internacional do Brasil.

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Ilustração: Mihai Cauli  e Revisão: Celia Bartone
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