O trabalho do repórter é fazer o primeiro rascunho da História

Juliana Dal Piva é uma repórter de 36 anos, já com uma respeitável carreira jornalística. Para seu trabalho de conclusão na faculdade de jornalismo da UFSC ela se embrenhou, por conta própria, na Bolívia para investigar o trabalho escravo indígena praticado principalmente por fazendeiros brasileiros. Ousou e apresentou sua dissertação na forma de livro – “Em luta pela terra sem mal: a saga guarani contra a escravidão na Bolívia”. A partir daí, trabalhou nos principais veículos nacionais – O Globo, Folha de S.Paulo, Estadão, IstoÉ, portal Terra, revista Época, ajudou a fundar a agência Lupa e agora está no UOL. Enquanto isso, fez o Mestrado em História Contemporânea do Brasil na Fundação Getúlio Vargas. Hoje, dedica-se a jogar luz nos cantos escuros da vida e fortuna de Jair Bolsonaro. No ano passado, em seu podcast no portal UOL, Juliana fez uma série de matérias, “A Vida Secreta de Jair”, sobre o envolvimento de Jair Bolsonaro no esquema ilegal de cobrança de dinheiro de assessores quando era deputado federal.

(NR:   Esta entrevista foi editada pelo Terapia Política e está publicada na íntegra no Grifo No. 21, de abril de 2022.  Publicamos apenas o trecho que trata do trabalho investigativo de Juliana sobre o clã Bolsonaro).

Juliana Dal Piva – A Daniela Pinheiro, que era repórter da revista Piauí, estava montando uma remodelação da revista Época e me chamou pra fazer parte do projeto dela. Eu já tinha uma admiração muito grande pelo trabalho da Daniela, é uma das minhas inspirações como profissional. E aí eu voltei. Eu comecei tudo isso tentando entender quem é Jair Bolsonaro; eu comecei investigando Jair Bolsonaro.

Tarso – E porque escolheste ele? Ele ainda era um deputado de terceira linha.

Juliana – Ele era deputado, mas era a novidade da eleição. A gente tinha o Lula, que era candidato pela enésima vez, e tinha todo o rol da coisa da Lava Jato, prestes a ser preso. E aí nisso já tinha muita gente, muitos repórteres especializados. Pra você entrar ali e se diferenciar era muito difícil. Mas eu confesso que tinha curiosidade de ver aquele homem que era novidade, sabe? E que era um desafio pra gente também, ninguém estava muito atento ao Bolsonaro e tudo no Bolsonaro era diferente. Ele não estava ali contratando um grande marqueteiro. E eu tinha o conhecimento do entorno do Bolsonaro, sobre como é que funcionava. Então foi meio que natural retomar aqueles contatos, com um pouco mais de afinco. Eu já tinha essa inserção no meio dos militares, então pra eu transitar no meio deles era mais fácil. Eu tinha uma curiosidade e ele é uma pessoa problemática, nenhuma dúvida sobre isso, mas ele é um personagem extremamente interessante, não tenho como negar.

Lu – Tu diretamente já sentiste a tua segurança ameaçada em alguma situação?

Juliana – O episódio do ano passado foi bem ruim, eu fui ameaçada, no dia da publicação do último episódio do podcast [“A Vida Secreta de Jair”]. Eu já tinha uma relação bem difícil com esse advogado [NR: Frederick Wassef, amigo e advogado da família Bolsonaro], justamente pela quantidade de matérias que eu fiz sobre o caso, sobre o Flávio Bolsonaro, sobre o Jair Bolsorano. Ele queria me intimidar. Ele simplesmente, numa sexta-feira, final do dia, me mandou uma mensagem falando que meu corpo ia aparecer boiando se eu fizesse, por exemplo, na China igual o que faço no Brasil, que eu era inimiga da pátria, essas coisas… Eu, que já tinha pessoalmente ouvido ele defender o (ex-capitão da PM do Rio])Adriano Nóbrega, que é um miliciano conhecidíssimo aqui no Rio de Janeiro, como vou dizer que não passam pela minha cabeça essas relações? Claro que passam. Isso também tem uma dimensão pra minha família. Porque essas coisas acontecem e não é só sobre você, nossos familiares também acabam passando essas coisas junto contigo. Eu saí do Rio, fiquei três semanas no Sul até pra sair desse ambiente. Passei umas semanas compartilhando a minha localização na rua com meu marido para poder trabalhar.

Tenho algumas preocupações sobre circular no meio dos bolsonaristas, porque… não sei, né? Nesse período de pandemia me senti até meio que protegida, utilizando máscara e prendendo o cabelo, sumindo no meio do povo, ninguém te conhece (risos). Agora, de cara limpa não tem muito como fugir, não. Voltei a circular um pouco agora. Recentemente estive no lançamento do partido do Bolsonaro, foi tranquilo, mas, também!, eles botaram a imprensa lá cercada num chiqueirinho de que não dava pra sair. Acho que a gente tem que estar atento, sabe?

Tarso – Juliana, isso tudo aconteceu porque você começou a investigar o personagem, lá por fevereiro, março de 2018. Onde você estava trabalhando?

Juliana – Eu já estava trabalhando na revista Época, na redação integrada junto com O Globo, quando apareceram as primeiras pesquisas eleitorais destacando a força emergente do Bolsonaro. Ao longo de 2018 eu fiz algumas matérias denunciando aquele Tercio Arnaud, que ficou super famoso por causa do gabinete do ódio, e que agora vai ser candidato se não me engano na Paraíba.  Mostramos que ele tinha páginas de ódio e era um funcionário fantasma. Ele vivia viajando pelo Brasil com o Bolsonaro e tinha um cargo no gabinete do Carlos Bolsonaro na Câmara do Rio. O que o Facebook fez quando a gente contou sobre as páginas de ódio? Nada! O Tercio virou o Tenente do Gabinete do Ódio, foi para o gabinete presidencial quando Bolsonaro assumiu. Eu tentei levantar a vida de várias funcionárias do gabinete, tipo a Val do Açaí. Elas tinham o mesmo perfil: ou eram mulheres muito humildes, que não tinham nenhuma experiência como assessor parlamentar, não eram lideranças políticas, sindicais, ou, então, eram viúvas de militares, tinha muitas caras que eram funcionárias fantasmas. Só que eu não tinha todos os elementos, não consegui. Em seguida, teve o episódio da facada, veio o primeiro turno, era um volume enorme de informações, vocês não têm noção da quantidade de coisas que acontecem num mesmo dia e a mesma equipe tem que trabalhar para cobrir!

Em dezembro, Bolsonaro já eleito, vem à tona o relatório do Coaf, o que fazia sentido com as apurações que eu já tinha (o Conselho de Controle de Atividades Financeiras abriu investigação sobre o esquema de rachadinhas no gabinete do senador Flávio Bolsonaro).

A Natália, filha do Queiroz, eu já andava atrás dela antes. A partir dali comecei e nunca mais parei. Devo ter ido umas 30 vezes nas casas dos assessores para achar essas pessoas, um dia após o outro, finais de semana. E nada dava certo. Daí eu voltei dez passos e pensei: vamos tentar entender os personagens. Comecei a fazer um perfil do Queiroz quando as coisas acalmaram um pouco. Aí começaram a aparecer outras fontes. Depois que publiquei o perfil dele, foi em maio de 2019, se não me engano, várias pessoas que eu tinha procurado antes começaram a se abrir um pouco mais pra contar coisas. Sobretudo algumas fontes que não queriam falar na época da eleição começaram a citar nomes, episódios, documentos. Eram inúmeros, centenas de funcionários fantasmas. É um grande esquemão e envolve todo mundo.

Fiz várias matérias. Teve a primeira, sobre um grupo de funcionários parentes da segunda mulher do Bolsonaro, a Ana Cristina Valle. Depois a gente aprofundou pro período que ela atuou como chefe do gabinete do Carlos Bolsonaro, que não era investigado nem nada. Daí a gente descobriu toda uma parentada dela e a estrutura desde o início, desde o primeiro mandato do Carlos, em 2001 e como isso vinha se perpetuando ao longo de todo o mandato dele, até agora. Depois apareceu outro funcionário numa situação muito parecida, tinha ficado dez anos no gabinete do Carlos Bolsonaro, morando em Juiz de Fora… Fomos avançando e fizemos aquele grande especial sobre todos os funcionários, uma coisa que envolveu até leituras do Diário Oficial na biblioteca da Câmara, eu e mais dois colegas, dos últimos 18 anos!  E é tudo feito sob muita tensão, muita pressão, muito assédio virtual, um ambiente muito agressivo.

Muitas vezes não se sabe pra onde ir, chega em um determinado ponto em que não tem pra onde avançar. Eu acredito que as únicas investigações que você vai efetivamente ver avançar até o final do ano, serão as da imprensa. Olha o inquérito sobre a interferência (política de Bolsonaro) na Polícia Federal. A cúpula da PF, que já mudou duas ou três vezes desde o episódio da acusação, concluiu que não teve interferência na PF (risos). No primeiro inquérito, que foi arquivado ano passado – eu tenho muita coisa dele, li muito sobre ele -, ali você vê que tinha uma delegada que estava a fim de investigar, o Alexandre de Morais atendia os pedidos dela. O que fizeram? Afastaram a delegada. Na ponta, o ministro pode ficar lá apertando, mas o que faz a PF? Eu sinceramente acho que só tem chance dessas coisas andarem se trocarem o governo. Tudo que depende da PF e do MPF hoje em dia, e até do Ministério Público do RJ, que mudou a cúpula e faz um ano que não tem investigação nenhuma.

Agora estão atrás desse Gabriel Monteiro, o vereador. Estão atrás dele porque ele é uma pessoa sem expressão, que não tem nada a ver com ninguém deles, nada nem ninguém depende dele. Em vários outros escândalos que envolvem o Bolsonaro, em qualquer outro governo, em qualquer outra circunstância, já teria motivado processos muito graves, muito sérios. Essa história do Flávio mesmo, faz um ano da decisão que anulou a quebra de sigilo. Conversei com vários juristas, é difícil defender. Tecnicamente, ele tinha que explicar melhor porque estavam quebrando o sigilo. Aí tem dois parágrafos explicando. O juiz tinha que saber melhor. O que eles deviam fazer? Pedir nova quebra de sigilo, mas faz um ano que o MP tá com ele parado e não faz isso, não sei porquê.

Moisés – Todo o MP foi desestruturado. Mas tenho esperança de que as circunstâncias vão ser alteradas e alguma coisa vai ter que acontecer.

Juliana – Eu diria que até o fim do ano teremos muita emoção até o fim da eleição!

Tarso – Juliana, em agosto sai um novo livro teu, que tem o Bolsonaro como personagem central, sua história e suas fontes de financiamento. Desde quando vem esta investigação?

Juliana – Especificamente sobre o Bolsonaro, é de 2018 pra cá. No livro, eu amplio o que conto no podcast, explicando melhor alguns episódios, trazendo novidades, claro, mas sobretudo é sobre esses bastidores, como essas pessoas se articularam pra derrubar determinadas coisas ou pra fazer outras, algumas entrevistas exclusivas que ajudam a remontar melhor alguns episódios. Mas para além do Bolsonaro em si, que é o grande protagonista desta história, também tem muita história sobre o Judiciário, sobre as pessoas que estiveram envolvidas com o caso e com a vida dele também. Meio que contar um pouco da vida pública dele e como este caso traz à tona toda uma vida que ele tentava esconder. Também não tem como não falar da Operação Desmonte, que tentaram fazer pra desviar todas as provas do caso Flávio.

Tarso – Tu estavas dizendo que foste investigar o Bolsonaro quando era candidato à Presidência, suas fontes de financiamento, e chegaste às rachadinhas em seus gabinetes, o envolvimento de funcionários fantasmas, a grande rede das famílias envolvidas e os amigos e empregados das famílias. Se poderia dizer que os mandatos dos Bolsonaros foram montados como uma enorme fonte de desvio de dinheiro público? Onde entram as milícias nessa história?

Juliana – Esta é uma pergunta em investigação. Entra o Adriano Nóbrega, que é a pessoa com quem o Frederick Wassef tinha relações e vivia defendendo publicamente. O Adriano era um capitão do BOPE. Ele era um típico capitão conhecido por ser valentão, era tido como um agente muito “operacional”, o que significa dizer que é daqueles que matam muita gente em operações da polícia. Em determinado momento, descobrem o envolvimento dele com os bicheiros. Ele é um matador de bicheiros, especialmente de duas famílias de bicheiros daqui do Rio, e acaba expulso do BOPE em 2014. Só que neste tempo que ele esteve na PM, ele foi preso por outros episódios. Num deles, foi preso em flagrante depois de matar um homem que trabalhava como guardador de carros e que tinha denunciado ele e um grupo de policiais que atuavam na região, por tortura. Esse rapaz tinha sido vítima de um sequestro relâmpago, levaram ele pra um lugar e o torturaram pra pegar em torno de R$ 2 mil. Isso, em 2003, era um dinheiro considerável. Este rapaz vai e denuncia. Tinham outras denúncias que falavam desse grupo tático de PMs que andava torturando gente na região de Olaria.

Quando o Adriano fica sabendo que esse rapaz fez isso, ele vai lá na luz do dia, de uniforme da PM e tudo, e matam o cara na porta de casa. Só que são pegos em flagrante por outro grupo de policiais, algo meio inédito, e são presos. Ele e mais o grupo de matadores da PM com ele. É um caso que derruba toda a cúpula da PM do Rio. Ele é processado e condenado em primeira instância. No meio disso tudo, Flávio Bolsonaro o homenageia com a Medalha Tiradentes e vai na cadeia levar a maior honraria do Estado do Rio de Janeiro! Jair Bolsonaro faz aquele discurso famoso, que está no YouTube, “coitado do capitão Adriano, o que a Câmara Municipal pode fazer pra ajudá-lo por essa injustiça? Não era um guardador de carros, era um traficante”. Não tem nada pra falar da pobre vítima que morreu, sem nenhuma acusação, mas é uma defesa genuína.

Eles mantêm aí alguma relação, que é também pelo Queiroz, que era muito amigo desse Adriano, e é uma relação que continua, a ponto do Flávio Bolsonaro nomear no gabinete dele aquela que era, na época, a mulher dele, a Daniele. E, tempos depois, também a mãe do Adriano. Mas a Daniele ficou mais tempo, de 2008 a 2018. Então, ele tinha uma relação de proximidade com o Adriano. É inegável. O Flávio diz que aprendeu a atirar com o Adriano. E em função até das matérias da Folha de S. Paulo que trazem à tona os áudios das irmãs do Adriano e também da viúva, a gente viu eles defendendo o Adriano, dizendo “temos que investigar sua morte, queriam matar ele”, uma história super complexa. Não sei se ele foi assassinado ou não. Mas até hoje defendem essa coisa meio House of Cards, o presidente do país e os filhos dele defendendo um assassino, matador de aluguel, na cena pública, pra todo mundo ver…

Tarso – E essa relação estendida se tornou uma base, não acredito que por si só tenha efeitos eleitorais, mas muito mais intimidatórias, com as redes das polícias militares, as polícias metropolitanas. Isso se estabeleceu como uma rede sua de chantagem sobre a sociedade. É uma coisa que acontece a partir disso, dessas relações Queiroz-Adriano.

Juliana – Esta é a parte mais difícil de identificar. De fato só dá pra fazer campanha eleitoral nessas regiões se você tiver alguma proximidade, o que acontece também nas áreas dominadas pelo tráfico. Tem várias comunidades onde não há mais essa separação entre milicianos e traficantes. Os antigos milicianos também fazem tráfico de drogas. O fato é que são organizações criminosas, é tudo bandido. Tudo se misturou. Ainda tem um pouco a presença do policial na chefia, às vezes nem é um policial que está na chefia, mas o grupo começou assim e tem esses laços de aproximação com outros policiais que estão em postos de comando, até. É difícil, é um Estado paralelo mesmo, bastante perigoso.

Tarso – Um terceiro pé do Bolsonaro e sua família são os pentecostais. Nas tuas investigações, o que tu consegues afirmar? Que relação é esta, efetivamente?

Juliana – É uma relação de muitos interesses. Bolsonaro sequer é uma pessoa tão religiosa quanto diz. A religiosa da família é a Michele, claramente. Os outros, nem os filhos são religiosos, nem ele é. Ele enxergou um eleitorado ali. Costura dentro disso um discurso e tenta se enquadrar. Esta é uma das áreas que eu trabalhei menos, é um pouco mais difícil pra eu detalhar isso, mas sei que existe muito conflito também entre os grupos de religiosos evangélicos. Tem muita disputa de poder.

Agora nesse escândalo do MEC, a bancada evangélica não defendia o ministro. Até queria saber mais, porque quem tinha indicado ele era o André Mendonça, ministro do STF indicado por Bolsonaro. Sei que no ano passado queriam que o Bolsonaro defendesse publicamente a Igreja Universal dos escândalos que estavam acontecendo em Angola. E ele não queria fazer isso. O pessoal da igreja, do partido Republicanos, ficou bem zangado, se distanciaram bastante dele. Agora que tem um ensaio de alguma aproximação em alguns estados.  O Bolsonaro, a gente sabe, não é muito fiel não, troca de partido como troca de camiseta. Ele tenta falar muito com este público, joga muito com a ideia do conservadorismo e essa pauta de, muitas aspas, “família”. Não sei se vai colar. Tenho a impressão de que esse discurso não vai funcionar da mesma maneira que funcionou em 2018.

Tarso – E há circulação econômica a partir dessas relações?

Juliana – Acho que essa história do MEC traz à tona, deixa mais claro, essas negociações que envolvem ouro, verba do MEC.

Tarso – Aqui no RS consideramos que o jornalismo foi enterrado pelas duas grandes empresas de comunicação, RBS e Caldas Júnior – esta, um veículo da Igreja Universal. Conhecendo as empresas, as suas relações contraditórias e sua unificação no campo político que vai ser representado pelo anti-Lula, tu acreditas que o jornalismo tem chance de prosperar livremente até novembro?

Juliana – Eu acho que sim. Hoje em dia, com a Internet, com o crescimento de veículos da mídia independente e as próprias redes sociais, elas têm duas faces. É muito difícil você guardar uma informação importante, como antigamente, que alguma matéria possa ser barrada. Se um veículo não der, outro vai dar e a informação vai como rastilho de pólvora. Ou através do Twitter, Facebook, etc. O maior problema que temos é o excesso de informação mentirosa. A configuração é complexa, a profissão vive um momento muito desafiador.

É um momento de ameaça às instituições, de ameaça à Democracia que vem do campo do Bolsonaro, e sobretudo dele que publicamente ameaça as instituições e a imprensa. Os episódios são recorrentes, as pessoas e jornalistas que acompanham o Bolsonaro em viagem são agredidos. Vimos essa cena até na Europa onde as equipes de jornalismo de diferentes empresas foram agredidos por seguranças numa cobertura do G20, em Roma. Jamil Chade tava lá e foi agredido, outros colegas também. Depois aconteceu aqui, em 12 de outubro, quando ele estava no santuário de Aparecida, um cinegrafista da Globo foi agredido por um apoiador que se achou no direito de ir lá e dar um soco no cinegrafista, por nada. Tempos depois, numa agenda no Nordeste uma repórter tomou um mata leão.

É desafiador cobrir o Lula também depois de tudo que aconteceu. Não importa o que você fez no verão passado, ser da imprensa e andar ali também não é fácil, também é um pouco hostil. Não é igual à situação do Bolsonaro, mas é difícil. O que também não é bom. A gente precisa viver num ambiente democrático saudável pra todos, pra imprensa trabalhar. A gente fala muito sobre a eleição nacional e não fala muito sobre as estaduais, onde também tem muitos problemas e são maiores.

Moisés – Quem são os inimigos do Bolsonaro?

Juliana – Muitos, acho que ele tem vários. E tem fogo amigo.

Moisés – Mas eu não estou falando de inimigos em nível institucional, tô falando do submundo. Os Bolsonaros são ligados claramente a pessoas que têm vínculos e conexões com facções de milicianos. É o que tu disseste, e que todo mundo sabe…

Juliana – Eu não falei exatamente isso. Eu disse que ele tinha relação com o Adriano da Nóbrega, que é um miliciano…

Moisés – …foi executado na Bahia, isto agora está claro.  Esse miliciano trabalhava sob encomenda e tinha ligação com a família Bolsonaro. E o (sargento da PM) Ronnie Lessa morava no mesmo condomínio. Esse submundo do Bolsonaro pra mim é uma coisa ainda que ninguém checou. Então, como o Bolsonaro, com todos esses vínculos que ele tem, com essa origem dele que é esse subterrâneo – Queiroz, esse Nóbrega, todo esse pessoal, acho que tem que aparecer mais gente, inclusive -, ele não tem temor a nada? Quais são as outras facções que se contrapõem ao grupo do Bolsonaro? Ou ele domina todo mundo lá? Ou nós vamos descobrir que o Bolsonaro não tem esse tamanho como participante desse submundo?

Juliana – Esse é um ponto importante. Não vou falar sobre uma coisa que eu não tenha informação. Não posso dizer que o Bolsonaro faz parte de um grupo miliciano. A informação que a gente tem, concreta, é que ele tinha conexão com o Adriano. Eu não sei te dizer concretamente se essa conexão sequer se estende a outros policiais que eram do grupo do Adriano. O que eu posso afirmar é que isso se restringia ao Adriano, que era o miliciano que liderava esse grupo.

Moisés – E com o Lessa, qual era a relação dele?

Juliana – Com o Lessa, a relação era de vizinhos, viveram dez anos ali na mesma rua, no condomínio. Recentemente o Lessa falou que foi se tratar (em 2009), ele sofreu um atentado a bomba, perdeu uma perna, e foi se tratar lá num lugar por indicação do Bolsonaro. Foi o próprio Lessa quem disse. De concreto é isso. Agora, de inimigos… Não dá pra avançar e dizer que ele tinha relação direta com o grupo, entender ele como parte dos grupos de milícia, não dá pra afirmar isso ainda. Eu investiguei muito esses bastidores do Bolsonaro e essas relações. Não é nem parecido com sua relação com o Lessa. É outra coisa. Mas estamos investigando.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Entrevistadores: Caco Bisol, Lu Vieira, Gilmar Eitelwein, Moisés Mendes e Paulo de Tarso Riccordi.

Esta entrevista foi editada pelo Terapia Política e está publicada na íntegra no Grifo No. 21, de abril de 2022.

Ouça o podcast de Juliana Dal Piva, “A vida secreta de Jair”.

Ilustração: Mihai Cauli

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