“Falar” com o computador, um vício. Escrever é uma maneira de se comunicar consigo mesmo. Para mim, a melhor. Fico contente que os outros leiam, nem tudo, claro, tenho vários arquivos que só eu conhecerei, mas sem dúvida, o desejo é pôr para fora, sistematizar o que está em turbilhão dentro de nós. Quase uma autoterapia necessária.

Domingo foi dia dos pais. Confraternizamos no sábado. Meu filho ia viajar. Um dia para a leitura, para a meditação, principalmente para reflexão. De caminhos vividos e não vividos, de passos dados, de lutas internas.

Café da manhã bem cedo, antes das seis. Uma caminhada na Mata de Francisco Brennand. Clima frio, 20 graus. Para o recifense é preciso casaco, diz minha companheira. Árvores seculares, mata fechada, belo açude. Volto feliz, contato com a natureza, com o ar despoluído.

Em meu cadeirão, sento, quase deito, vou ler. O autor Ricardo Piglia. Um escritor e acadêmico argentino. Deu aulas por anos em universidades americanas de ponta. Badalado. Morreu em 2017. Li apenas alguns poucos contos.

O livro “O Caminho de Ida”, eu tinha ouvido falar, tinha lido comentários, todos centrados numa crítica ao capitalismo tecnológico, ao “american way of life”. Ganhei no meu aniversário e fazia parte da minha lista prioritária.

O livro tem 250 páginas. Já tinha lido umas 80. Estava muito curioso pelo desdobramento dos acontecimentos. Dou-me como tarefa ir até o final. E cumpro. Boas horas de entretenimento e expectativa pelo desfecho. Leitura direta, sem muitas firulas, com enredo que me cativou.

O que me pegou como gancho que me fez ir ao final com tanto interesse? Com certeza não foi o politicamente correto, do qual já tenho tido exemplos de sobra. Nem a crítica pela crítica, cansado de ver textos que simplesmente não fazem proposituras. Sem dúvida, a vida dupla da personagem do título foi a maior motivação, foi a chave do meu apego ao texto.

Algo é peculiar a todo ser humano, queiramos ou não, e foi ressaltado na personagem de Ida. As vidas vividas por cada um de nós que não são explicitadas, aquilo que não se pode externar, seja qual for o motivo. Todos têm segredos que as amarras sociais, que os preconceitos, não permitem deixar claro. O julgamento da sociedade é terrível, sabemos bem disso.

Ida era uma professora brilhante. Reconhecida por todos. Com carreira promissora e bem estruturada. Mas, no fundo, tinha uma segunda vida como revoltada com a sociedade que vivia, uma revolucionária que precisava fazer algo para mudar um mundo que desacreditava. O anarquismo como meio, o terrorismo justificado como processo. Algo antes inconcebível para uma acadêmica tão valorizada.

Não se chega normalmente a tanto. Os medos e mesmo a própria racionalidade fazem com que se repudiem extremismos. Mas, quem não teve desejos escondidos que modificariam a sua vida? Pensem bem, sem hipocrisia.

Sejam ideológicos, morais ou mesmo revolucionários, quem não desejou dar um chute no que é considerado politicamente correto e partir para caminhos díspares, totalmente novos, inusitados? Temos medo de assumir o que realmente somos e no que realmente acreditamos. É uma realidade inegável, dar satisfação aos outros é obrigação para não ser massacrado, para não ser banido e aniquilado. O ser aceito é uma obsessão.

O politicamente correto sufoca as pessoas. Faz com que deixem de viver o que realmente as motiva. Faz parecer errado tudo que socialmente não seja convencional. Esconde-se o que realmente se acredita. É incorreto ousar. Negando a frase popular, a sociedade é cruel, é permitido proibir. Tudo, sem restrição, em todos os campos da vida.

Podem os leitores considerar que se está sendo dramático, que a ordem estabelecida é fundamental para a existência humana, mas será que rupturas não são necessárias? Não digo aquelas que foram fundamentais para os caminhos da humanidade, digo as que são feitas para o bem da psique do indivíduo, para o reencontro consigo mesmo. Estas são básicas e têm que ser feitas e admitidas. Nada de censura, nada de repressão.

Perguntarão os leitores: nessa convicção, quais as suas verdades escondidas que ainda não revelou?

Bem, não irei revelar. Tenho meus medos, começar novas lutas para um ancião é imprudência, é desatino. Ficarão em meus escritos que não divulgo nem divulgarei.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli
Leia também “Amor perdido“, de Julio Pompeu.