Os dois indivíduos do título acima são torturadores. Um na esfera privada e o outro, mais abrangente, na pública. Jairo Santos Souza Júnior, mais conhecido como Dr. Jairinho, foi eleito vereador pela primeira vez em 2004, aos 27 anos. Está, ou melhor, estava, antes de ser preso, em seu quinto mandato. Teve 16 mil votos nas eleições municipais do ano passado.

Jairo é filho do ex-deputado estadual Coronel Jairo. O reduto eleitoral de ambos é o bairro de Bangu, na zona oeste da cidade, região dominada por milícias. Jairo formou-se em medicina, mas nunca exerceu a profissão. Tudo indica que será cassado pelos seus pares. Ele está preso pela morte do menino Henry Borel, que chegou sem vida ao Hospital Barra D’Or no último dia 8 de março. A criança tinha sinais de espancamento e constatou-se depois laceração no fígado e lesões nos braços, cabeça e outras partes do corpo. A mãe de Henry, Monique Medeiros, também está presa. No mínimo, nada fez para defender o garoto, embora tivesse sido avisada pela empregada da casa que Jairo submetia a criança a uma rotina de violência física e psicológica.

Com o andamento das investigações, descobriu-se que o pequeno Henry não havia sido a primeira criança a ser agredida e torturada pelo vereador que já foi líder do governo Marcelo Crivella e também de Eduardo Paes. Uma ex-namorada prestou depoimento no qual conta que a filha também sofreu nas mãos do político. A ex-mulher, por sua vez, levou pontapés de Jairo, chegou a fazer exame de corpo delito, mas preferiu retirar a queixa.

Em 2008, quando uma equipe do jornal O Dia foi torturada por milicianos na Favela do Batan, a voz de Jairo foi reconhecida pela repórter. Seu pai atualmente é o presidente do Céres Futebol Clube, da quarta divisão do futebol carioca. Foi preso em 2018 no âmbito da Operação Furna da Onça, da Polícia Federal. Recebia mesada de R$ 50 mil para votar projetos do interesse do ex-governador Sérgio Cabral, preso atualmente em Bangu 8, mesma cadeia para onde Jairo foi levado.

Em sua campanha a vereador do ano passado, Jairo informa que é “defensor da família, contra a ideologia de gênero, a favor do escola sem partido e fechado com Bolsonaro”. Nenhuma surpresa.

E aqui mudamos o rumo da prosa para falar de Jair. Eleito presidente da república em 2018 no segundo turno, com 57.797.847 votos, 55,13% do total, Jair Messias Bolsonaro vem, desde o dia 1º de janeiro de 2019, dedicando-se com afinco à tarefa de destruir o país.

Apoiado por fanáticos alucinados e terraplanistas, militares de pijama e da ativa, telepastores evangélicos de fancaria, milicianos, empresários inescrupulosos, tubarões do mercado financeiro e, claro, a máfia do Centrão, o capitão reformado pelo Exército em 1988 está fazendo do Brasil terra arrasada. No meio ambiente, na cultura, nos costumes, em todos os setores da sociedade Jair destrói todo o arcabouço institucional duramente erguido após o fim da Ditadura Militar.

Mas nada é pior do que sua postura diante da maior crise sanitária e econômica já vivida pelo país. Desde o início da pandemia da Covid-19 Jair boicota o uso da máscara, despreza as políticas de isolamento determinadas por prefeituras e governos estaduais, receita cloroquina e ivermectina e, o mais criminoso de tudo, atrasou de propósito a chegada de vacinas essenciais para salvar milhares de vidas de brasileiros e brasileiras. Até agora já são 350 mil mortes. Pessoas que não puderam se despedir de seus entes queridos, ter um enterro digno. Morreram sufocadas em muitos casos, sem oxigênio.

Somos governados por um inepto, cercado por um ministério, com raríssimas exceções, também de ineptos. O resultado está no acúmulo de cadáveres nas covas dos cemitérios e nos milhões que não têm o que comer e se aglomeram em qualquer lugar para receber uma refeição gratuita que irá lhes aliviar temporariamente a fome. E viva Paulo Guedes, o posto Ipiranga que sabe tudo de economia, mas que até a eleição de Bolsonaro nunca havia sido sequer convidado para integrar qualquer governo. No que lhe falta de sensibilidade social e habilidade política, sobra arrogância.

Das janelas de seus apartamentos, a classe média em home office observa crescer nas ruas o número de pedintes e catadores de lixo. Um exército que tenta apenas sobreviver. Enquanto isso o Exército, a Marinha e a Força Aérea do capitão – que manda em generais, almirantes e brigadeiros – se lambuzam nos seis mil cargos comissionados em órgãos públicos, ministérios e estatais. E jogam fora toda a reputação de profissionalismo e confiabilidade que duramente haviam construído nas últimas décadas, abaixando a cabeça para um ex-militar insubordinado, medíocre e tosco.

São tempos estranhos esses que vivemos. Tempos em que é possível, um monstro, disfarçado de médico, se eleger cinco vezes vereador. E um genocida, transmutado em paladino da moralidade – apesar das ligações de toda a família com as milícias cariocas e denúncias de rachadinhas – chegar à presidência da república.

Pobre Brasil. Jairo e Jair são duas faces decrépitas e execráveis de um país que já deveria ter sido enterrado, mas insiste em permanecer insepulto. Que as tragédias do garoto Henry e de todos os mortos pela atitude de Jair nos sirvam de lição para votarmos com mais consciência de agora em diante. E que ambos paguem por seus crimes hediondos até o último dia de suas lamentáveis vidas.

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